Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Handykette: um acessório que sintetiza o privilégio branco
Ser um jovem morador de favela do outro lado do planeta afia muito a minha visão para coisas que "parecem de outro mundo". Na coluna #DaQuebradaProMundo dessa semana quero te explicar como um acessório comum na sociedade alemã, o Handykette, sintetiza a desigualdade e o racismo moderno.
Handy: palavra alemã que significa celular, Kette: palavra alemã que significa corrente. Mas por que raios uma "corrente de celular" mereceria uma coluna toda só para ela? A resposta veio da provocação no adesivo da estação central de Berlin que dizia o seguinte: "Se você acredita que não existe privilégio branco, parabéns! Você está sendo beneficiado por ele."
Ao andar pelas ruas alemãs frequentemente se é capaz de encontrar o acessório, Handykette (usado na foto), pendurado no pescoço dos transeuntes dos grandes centros. Porém - na minha vivência enquanto um moleque criado em favela - toda vez que vejo alguém passar com a corrente só consigo pensar: "Deus é mais! Imagina alguém usando isso na praça da Sé... Esse telefone ia sumir em dois segundos".
O que "parece de outro mundo" na verdade tem uma origem histórica: colonialismo e o capital. Esse pensamento meu, mas que na verdade poderia ser de qualquer um de nós brasileiros, é um lembrete da violência escancarada que a desigualdade produz. É o eco do sistema escravocrata, eurocentrado e baseado na exploração que vende para poucas pessoas o luxo, enquanto a maioria sofre em conduções desumanas. Por que o brasileiro não pode sonhar sem medo de ser roubado?
Enxergar diariamente pessoas livres e despreocupadas andando com telefones de dez, quinze mil reais, pendurados no pescoço é um gatilho horrível. Um lembrete diário de como a história da desigualdade é cruel. Não é nem necessário entrar no debate da "indústria do medo" - essa que te vende seguros para lucrar com a morte do nosso povo - para entender que o mundo que a gente vive não anda muito bem.
Quanto mais privilégio você tem, menos você consegue entender o que é privilégio.
Um pequeno exemplo diário alemão é um reflexo de construções sociais, culturais, tal como o privilégio branco. Mas o que é o privilégio branco? Algumas perguntas básicas podem te ajudar a entender: você teve acesso à educação de qualidade? Você ocupa um cargo de gerencia no seu trabalho? Você teve os membros da sua família presentes durante a infância? Mora em uma favela? Já foi parado pela polícia? Ou o maior de todos, você conseguiria usar uma "Handykette"?
Segundo pesquisa feita pelo IBGE em 2019, as chances de você responder as perguntas acima com um "não", são maiores de acordo com a cor da sua pele. Isso é o privilégio branco.
E são todos esses "pequenos" aspectos que fazem a vida mais difícil para uns, e menos empática para os outros. Se posso te provocar em algo, caro leitor, é para que você reflita os seus privilégios, e por favor, antes de colocar uma corrente na liberdade ou na dificuldade de alguém, pense com empatia.
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