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Por que tratar mera confusão como esquizofrenia é ofensivo?

esquizofrenia; depressão; transtorno mental; sofrimento - iStock
esquizofrenia; depressão; transtorno mental; sofrimento Imagem: iStock

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30/11/2022 04h00

Não é todo dia que um dos maiores jornalistas do Brasil se desculpa por ter feito uma declaração ofensiva sobre uma doença ainda cercada de estigmas. Mas foi isso que ocorreu com William Bonner, 58, no começo do mês, ao vivo durante uma edição do Jornal Nacional, da TV Globo.

A ofensa surgiu quando ele cometeu uma confusão enquanto noticiava uma pesquisa eleitoral para governadores e associou isso a um caso de esquizofrenia.

"Não é que minha esquizofrenia tenha chegado a esse ponto. Me disseram uma coisa no ponto [eletrônico], que tínhamos uma informação nova", disse, na ocasião.

Dias depois, logo após o noticiário exibir uma matéria explicativa sobre esquizofrenia, Bonner afirmou: "Alguns dias atrás, no domingo do segundo turno da eleição, eu, por ignorância, usei a palavra esquizofrenia como se fosse sinônimo para uma explicação confusa que eu tentei fazer. [...] Felizmente, eu fui alertado para o erro. Essa reportagem é uma forma de me retratar pelo meu erro pessoal"

Em entrevista a Splash, o editor da Revista Neurodiversidade, Lucas Pontes, explicou por que o comentário de Bonner foi uma afronta.

A fala de William Bonner se utiliza de um transtorno mental de forma pejorativa, com o intuito de, mesmo que de forma humorada, justificar sua falha. [...] Uma das manifestações mais comuns de tal preconceito é, justamente, através de falas que relativizam e ridicularizam pessoas com transtornos mentais, ao justificarem uma falha própria ou de terceiros a partir de um suposto transtorno ou condição, fomentando a estigmatização dos transtornos mentais
Lucas Pontes, editor da Revista Neurodiversidade

Para ele, a fala pode ser encarada como um caso de psicofobia, o preconceito contra pessoas com transtornos mentais, como a esquizofrenia. Também é possível qualificar como uma situação de capacitismo, a discriminação contra pessoas com deficiência no geral (cadeirantes, autistas, surdos etc). Quanto a esse último conceito, não há consenso, pois há divergências na hora de considerar a esquizofrenia uma deficiência.

Antes de execrar Bonner e ou se penitenciar caso você venha a ser a pessoa emitir opiniões similares, o próprio Pontes dá o caminho do que fazer: reconhecer e corrigir o erro de forma objetiva, além de dar visibilidade para as pessoas atingidas.

O que é esquizofrenia?

A esquizofrenia é um transtorno psiquiátrico definido pela presença de um ou mais dos cinco domínios abaixo:

  • Delírios;
  • Alucinações;
  • Pensamento desorganizado/discurso desorganizado;
  • Comportamento motor grosseiramente desorganizado ou anormal (incluindo catatonia --incapacidade de se mover normalmente);
  • Sintomas negativos (dificuldade em expressar emoções, perda de interesse e motivação).

A doença afeta a capacidade de pensar, sentir e se comportar com clareza e é caracterizada por pensamentos ou experiências que, muitas vezes, parecem não ter contato com a realidade. A pessoa com esquizofrenia costuma apresentar fala ou comportamento desorganizado e uma participação reduzida nas atividades cotidianas.

Quais os principais sintomas?

A esquizofrenia está dentro dos transtornos psicóticos e, por isso, os sintomas se apresentam, geralmente, em forma de surtos, como delírios e alucinações auditivas e visuais (ouvem e veem coisas que ninguém mais vê ou ouve).

Ansiedade e medos também são sintomas bem comuns. A pessoa com esquizofrenia tem dificuldades consideráveis de socialização e empatia (se colocar no lugar do outro), apresentando, muitas vezes, rigidez emocional.

Além de surtos, a pessoa que tem esquizofrenia pode apresentar sintomas semelhantes aos da depressão:

  • Falta de energia;
  • Dificuldade de concentração e memória;
  • Isolamento social (preferência por ficar sozinha, sem vontade de se encontrar com outras pessoas).

Hostilidade e agressão também podem estar associadas à esquizofrenia, mas é importante destacar que agressão espontânea ou aleatória não é algo comum em indivíduos que sofrem com a doença.

Casos envolvendo agressão são mais frequentes em pessoas mais jovens e do sexo masculino e em pessoas com histórico de violência, impulsividade, não adesão ao tratamento e abuso de substâncias ilícitas (como álcool e drogas).

Principais causas

Como a maioria dos transtornos psiquiátricos, a esquizofrenia é um transtorno biopsicossocial. Sua causa exata não é conhecida, mas é possível elencar uma combinação e fatores que podem explicar o transtorno:

  • Genético;
  • Psicológico (como a pessoa responde aos diferentes estímulos do ambiente e como encara a vida);
  • Social (como a sociedade se relaciona com a pessoa e vice-versa);
  • Cultural/Ambiente;
  • Desenvolvimento;
  • Estrutura e química cerebrais alteradas.

Como é o diagnóstico

Não existem exames que atestem a esquizofrenia. Geralmente, o diagnóstico é feito por exclusão de outros transtornos e doenças. As primeiras indicações de que o paciente possa ter esquizofrenia podem ser constatadas no início da idade adulta, por volta dos 20 anos.

Entre os principais critérios para se diagnosticar o transtorno está a entrevista psiquiátrica, na qual diversos fatores são levados em consideração para se chegar à conclusão de que uma pessoa realmente tem esquizofrenia. É necessário fazer uma consulta com o paciente, seus familiares e pessoas de seu convívio para entender quais fatores biopsicossociais possam estar envolvidos no quadro.

Tratamento

Apesar de não ter cura, a esquizofrenia pode ser controlada. Por se tratar de um transtorno bastante complexo, com diversas causas e fatores que podem agravar os sintomas, o tratamento exige intervenções de médicos psiquiatras, terapeutas ocupacionais, psicólogos, educadores físicos e até nutricionistas.

O tratamento mais comum é feito por meio de antipsicóticos receitados por um especialista. A terapia é indicada nas formas individual, familiar e psicoeducacional.

Cada paciente com esquizofrenia, no entanto, pode apresentar a doença em diferentes formas e necessitar de um tratamento exclusivo e individualizado.

*com informações de Flávia Santucci, publicadas em dezembro de 2021 em VivaBem