Curado de meningite, ele prometeu criar presépios diferentes por toda vida
Agonizava 11 dias acamado já. Calor de assar carne, e o garoto não sabia o que fazer. Araçatuba, a terra do boi gordo, naqueles tempos, era longe demais das capitais. Meningite, também, era uma doença que matava mesmo. Mata até hoje, não mata?
O garoto era Júlio César Coelho, fruto do interiorzão paulista, fronteira ali com os cerrados do Mato Grosso do Sul. Habitava a fronteira da idade adulta. Quinze anos e a vida inteira pela frente. Isso se a meningite não vencesse a batalha; obviedades.
Internado Júlio despertou com uma ideia: "De repente pensei em prometer que, se curado, eu faria pelo menos um presépio a cada ano que restasse da minha vida."
Presépio no interior do Brasil ainda é coisa séria. Diz a lenda que o primeiro brotou das mãos santas de São Francisco de Assis, na Itália, lá no ano de 1223. A intenção do religioso seria demonstrar, visualmente, aos camponeses analfabetos da região como fora o nascimento de Cristo, em Belém, na manjedoura pobre que José e Maria encontraram como maternidade, cercados por burrinho, vaquinha e visitados pelos magos reis.
O artista de Araçatuba (SP) parece concordar com São Francisco. Em entrevista para a imprensa local afirmou: "este acontecimento é a coisa mais importante do mundo". Não cria os presépios de sucata só para acertar sua dívida com o divino. Quer espalhar a história que é a semente básica do Natal e da religião cristã.
Parece que seu acordo foi aceito. O artista que nascia ali, naquela noite doente, acordou curado e colocou a promessa em prática.
Da adolescência para cá, sempre na época do Natal, Júlio Coelho recria a história do nascimento do menino Jesus com materiais diferentes, inutilidades que o mundo chama de lixo e ele enxerga arte. Papel kraft, sisal, madeira de reaproveitamento, bucha vegetal, cabo de vassoura, palha de aço, caroço de manga, garrafa de vinho. É tudo matéria-prima para acender as coisas por dentro. Transformar coisas comuns em beleza.
Fruto da católica cultura caipira, Júlio inventou dezenas de presépios. Artista popular, geralmente é chamado de artesão. Por que quem tem dinheiro e estudo é artista e quem é pobre e instintivo é batizado artesão?
A princípio seu artesanato era visto como algo naivé; ingênuo. Hoje, foi exposta no Museu de Arte Sacra de São Paulo, faz parte do acervo do Museu Municipal de Folclore de Penápolis, e está em exposição no Museu Araçatubense de Artes Plásticas (MAAP).
Vou ser honesto, se permite uma pequena confissão desse colunista caipira: no creo en los milagros pero que los hay los hay. Feliz Natal!
Dois museus para você conhecer, quando estiver no oeste paulista:
- Museu Araçatubense de Artes Plásticas
Rua Duque de Caxias, 29 , Centro, 16010-410, Araçatuba, SP - Museu Municipal do Folclore de Penápolis
Praça Nove de Julho 150 Centro, 16300-000, Penápolis, SP
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