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Acidentes no motociclismo que custaram caro: Spencer, Doohan e Márquez

Cair faz parte na busca do limite na MotoGP, mas Marc Márquez se lesionou seriamente e sua carreira está em risco - Dorna/divulgação
Cair faz parte na busca do limite na MotoGP, mas Marc Márquez se lesionou seriamente e sua carreira está em risco Imagem: Dorna/divulgação

Colunista do Uol

04/06/2022 17h32Atualizada em 04/06/2022 17h32

Marc Márquez, o mais premiado motociclista em atividade, jogou a toalha no final de semana passado. O hexacampeão da categoria principal do motociclismo avisou que sua participação na temporada 2022 da MotoGP, na qual seu melhor resultado até agora havia sido um modesto (para ele) 4º lugar, será paralisada. O motivo? Vai tratar do braço direito, fraturado em 2020, que sarou mal. Aliás, na verdade não sarou.

MotoGP - Dorna/divulgação - Dorna/divulgação
Marc Márquez, na entrevista na qual anunciou a pausa para fazer sua 4ª operação no braço direito
Imagem: Dorna/divulgação

A dor persistente o obrigava a tomar analgésicos além do recomendável, mas o pior é que os movimentos do braço estavam limitados. Continuar assim seria contraproducente, Marc recebeu o OK de sua equipe para pausar sua carreira e voou para o Minnesota, EUA, onde quinta-feira passada foi operado pelo Dr. Joaquin Sanchez-Sotelo, um médico ortopedista espanhol tido como um professor dos professores em sua área, que e trabalha na Mayo Clinic, apontada em 2019 pela revista Newsweek como o melhor hospital do mundo.

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Quedas são constantes na carreira de qualquer piloto, mas em Jerez 2020 Marc Márquez deu azar
Imagem: Dorna/divulgação

Para o melhor piloto na última década, o melhor tratamento. Lógico! Mas que veio tarde, pois o problema físico de Márquez é consequência mais da excessiva pressa em voltar as pistas recém-operado, em 2020, do que de uma fratura complicada. Ele não foi o único a querer abreviar tempos de recuperação de lesões, e prematuramente retomar o guidão nas mão. Caso mais emblemático para mim foi o de Jorge Lorenzo, no GP da Holanda em 2013: caiu nos treinos e quebrou a clavícula, voou instantaneamente para Barcelona, foi operado, e na manhã seguinte voltou para a Holanda para marcar o 12º tempo no grid de largada. No dia seguinte foi 5º colocado na corrida. Um exagero, certamente, algo que não deveria ter sido consentido, mas aconteceu, e ainda acontece.

Volto à Marc Márquez: o acidente de Jerez em 2020 foi mais sério que o de Lorenzo em 2013, mas Márquez, depois de operado, voltou a pilotar menos de uma semana depois do ocorrido, e deu no que deu. Esta 4ª operação feita agora nos EUA consta ter sido "um sucesso". Consistiu em serrar o úmero ao meio, que "colou errado", com uma pronunciada rotação de 30 graus, e alinhá-lo. Com o braço Márquez estava precisando assumir um posicionamento anormal ao guidão, e além de ter dor lhe faltava força, o que acabava estressando o braço bom, o esquerdo, obrigado a compensar o esforço de domar a Honda de mais de 260 cv.

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Márquez corre o risco de, como Freddie Spencer, ter de encerrar a carreira prematuramente
Imagem: Dorna/divulgação

Certamente a excessiva pressa em voltar ao guidão desta vez não existirá. Márquez precisa de tempo para voltar a ser o que era, e refletindo sobre este episódio cruel na carreira do fora-de-série, lembrei de outros dois pilotos da categoria principal do motociclismo - na época ainda chamada de 500 e não MotoGP -, e que tiveram suas carreiras abaladas por problemas físicos decorrentes de acidentes: o norte-americano Freddie Spencer e o australiano Mick Doohan.

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Spencer, um fenomenal piloto que nos anos 1980 dominou a cena na Motovelocidade
Imagem: Dorna/divulgação

Em 1983 Spencer, com 22 aninhos, ganhou seu primeiro título mundial na 500. No ano seguinte a Honda, sua equipe, resolveu revolucionar a moto e "errou a mão", desperdiçando o talento de seu jovem piloto que foi apenas 4º colocado. No ano seguinte, como que querendo recuperar o ano perdido, Freddie Spencer cometeu a ousadia de competir não só na categoria 500 como também na 250, e foi campeão mundial em ambas. Imaginem só, participar de dois Grandes Prêmios em um mesmo dia? Coisa de louco, que hoje em dia, acertadamente, nem é mais permitido.

Ao final daquela gloriosa e extenuante temporada, Spencer sofreu um acidente nos treinos do GP da Inglaterra, e teve uma pequena fratura no punho da mão direita. Não deu bola, no domingo correu mesmo assim, entupido de analgésico, e venceu. Na pausa entre as temporadas a fratura se consolidou e parecia estar tudo bem, mas na 1ª corrida do ano seguinte Spencer teve que abandonar quando liderava a corrida, pois havia perdido a sensibilidade na mão machucada meses antes. Começou então uma novela de tratamentos que deu em nada, a mão nunca mais ficou boa, obrigando-o a encerrar a carreira prematuramente. Resumo: o descaso com uma lesão, um tratamento aproximativo, tudo isso somado ao esforço excessivo no ano em que competiu em duas categorias acabou com Freddie Spencer.

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Márquez e Doohan, em foto recente
Imagem: Dorna/divulgação

Já com Mick Doohan a história foi fisicamente mais dolorida. Líder com folga o campeonato mundial das 500 de 1992, sofreu um acidente feíssimo nos treinos do Grande Prêmio da Holanda, que lhe valeu uma fratura exposta na perna direita. Consta que a equipe médica responsável pelo primeiro atendimento fez barbeiragens, que por pouco não tiveram como consequência a amputação da perna. Depois de um longo calvário feito de operações, enxertos ósseos e etc., Mick voltou à pista, mas teve que passar o comando do freio traseiro de sua moto para o polegar esquerdo, pois não tinha mais mobilidade para acionar o freio com o pé direito, como seria normal. Mesmo com tal sequela Doohan foi pentacampeão mundial das 500, e dominador absoluto da categoria por cinco anos seguidos, de 1994 até 1998. Quis o (mau) destino que, em 1999, o australiano se acidentasse novamente, e mais uma vez a perna fosse seriamente afetada. Doohan aproveitou a ocasião para encerrar sua vencedora carreira, aos 34 anos de idade.

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Doohan teve de adaptar sua moto por conta de uma sequela física, e mesmo assim foi pentacampeão das 500cc
Imagem: Dorna/divulgação

Marc Márquez tem 29 anos e mesmo com oito títulos mundiais (seis na MotoGP e mais dois nas categorias de acesso) ele quer mais. É evidente que o espanhol tem muita gana de voltar às corridas e mostrar que, apesar dos pesares, ainda é um piloto um degrau acima de todos os outros. Se vai conseguir repetir o que fez Doohan, dar a volta por cima, ou amargar uma aposentadoria forçada como a de Spencer, só o tempo dirá.