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Jairo Bouer

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

O que define sucesso contra a covid-19? Parece que a confiança no governo

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Imagem: iStock

Colunista do VivaBem

11/02/2022 04h00

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Máscaras melhores? Testes abundantes e rápidos? Doses de reforço mais precoces? Distanciamento social? Quarentena? Uma combinação entre todas essas medidas? Quais as políticas que definem um melhor resultado no enfrentamento da covid-19?

Talvez todas elas, talvez nenhuma delas, a depender de como as pessoas encaram as políticas e as recomendações dos especialistas e das autoridades. Para funcionar e trazer resultados efetivos em termos de saúde pública, orientações e regulamentações devem ser, de fato, "adotadas" pela população, e isso parece depender basicamente do nível de confiança que as pessoas têm em seus governantes e nos seus compatriotas!

A discussão foi tema desse semana do colunista Ezra Klein, do jornal The New York Times dessa semana. Ele fez uma análise a partir de um artigo publicado, na última terça-feira, no periódico The Lancet, que traz dados de infecções e fatalidades em 177 países e os diversos contextos enfrentados pelas nações.

Interação entre governo e população

Os formuladores de políticas públicas obviamente têm suas responsabilidades e devem estar alinhados com o que há de mais atual na ciência e na saúde, mas a implementação de qualquer tipo de medida vai ser sempre mediada, em graus variados, pelas interações sociais que se estabelecem entre a população e o governo e aquelas que acontecem dentro da própria comunidade.

Qual seria o passaporte de vacinação ideal? Possivelmente aquele que não precisaria existir, dado que as pessoas já teriam se responsabilizado pela sua proteção e pela vida dos outros. Uma lei ou norma imposta sempre vai gerar algum grau de resistência. Uma medida negociada, discutida e bem explicada talvez gere menos conflito. Na Dinamarca, por exemplo, 81% da população já está duplamente vacinada (uma das maiores taxas do mundo), mas a maior parte da população é contra o passaporte de vacinação.

No começo da pandemia a universidade americana Johns Hopkins divulgou um índice dos países que estariam melhor preparados para enfrentar a pandemia (Global Health Security Index ou GHS), baseado em critérios como política de prevenção, capacidade de detecção, infraestrutura de resposta, qualidade do sistema de saúde e cooperação internacional, entre outros. Os EUA estavam em primeiro lugar no ranking que reunia 195 países. Dois anos depois, o país ocupa o primeiro posto no número total de infecções e de mortes. O índice não conseguiu "captar" um fator que parece hoje ser central para prever o resultado dos países: a confiança no governo.

Os números do Lancet mostram que, de janeiro de 2020 a setembro de 2021, os EUA tiveram 545 casos de covid para cada 1000 residentes. Enquanto isso, países como Uruguai, com 472, Reino Unido (374), Alemanha (188), Suíça (164), Japão (67), Singapura (59), Coreia do Sul (28) e Taiwan (7) tiveram melhores resultados. Brasil amarga 648 casos para cada 1000 habitantes, valor mais elevado que os EUA. Em termos de fatalidades, EUA tiveram 4,55 mortes para cada 1000 casos. Já em Singapura esse índice foi de 0,68. No Brasil, 4,15.

Nível de confiança

Uma surpresa pandêmica é que países próximos (e até vizinhos) têm resultados, às vezes, muito diferentes entre si. Os pesquisadores testaram inúmeras variáveis que poderiam prever os resultados de infecções e mortes. PIB (Produto Interno Bruto), densidade populacional, altitude, idade, obesidade, cigarro, poluição, taxas de câncer, cobertura de seguro de saúde, infecções prévias por outros coronavírus, confiança no governo, confiança nos outros cidadãos, leitos hospitalares disponíveis, entre outros.

Quando se avalia o número de mortes, nenhuma variável isolada conseguiu prever o que acontece, com exceção, claro, da idade. Idade explica 47% da variação nas taxas de fatalidade mundo afora. E países mais ricos são países mais "velhos", o que pode explicar taxas mais elevadas de morte na Alemanha e Suíça do que nos EUA, por exemplo.

Quando se avalia o número de infecções, apenas a confiança no governo e nos compatriotas são variáveis que conseguem explicar o sucesso no enfrentamento da pandemia. A lição que pode ficar é que, quando uma pandemia se aproxima, a melhor forma do governo cuidar dos seus cidadãos é convencê-los a se proteger, o que depende basicamente na confiança que se estabelece entre as esferas do poder e a população e, também, dentro dos diversos segmentos de uma mesma população.

Em sociedades livres, governos que não inspiram confiança na maior parte da sua população e a polarização dentro de um mesmo país (em que até mesmo medidas básicas de proteção são politizadas) acabam criando camadas adicionais de dificuldade no enfrentamento. Isso pode explicar as complexidades e insucessos que países como EUA e Brasil atravessaram nesses últimos anos.

O exemplo que vem do Japão

No Japão, considerado um exemplo de sucesso no enfrentamento da pandemia, o governo deixou claro desde cedo para a população quais eram as formas de transmissão, o que resultou na compreensão de que espaços fechados, locais cheios e ambientes que favoreciam contato próximo deveriam ser evitados. A clareza da mensagem e o grau de confiança nas autoridades foram centrais para a adoção de medidas preventivas e para o bom resultado alcançado.

Se confiança é a resposta que os países deveriam perseguir, o conceito parece "embutir" outros sentimentos humanos como solidariedade, empatia e respeito ao próximo, o que aumenta a chance do compartilhamento de cuidados e responsabilidades.

Diferente de enfrentar uma pandemia no século 19 ou no início do 20, em que não estavam claros para governos e populações os mecanismos biológicos de transmissão de micro-organismos, em pleno século 21, passar por cima de informações básicas e conhecidas revela uma distorção que pode ser fatal para uma boa resposta.

Moral da história: para que as medidas preconizadas para evitar a transmissão de um agente infeccioso funcionem, elas devem ser entendidas e seguidas. E, para serem adotadas pela população, elas precisam ser construídas com confiança.

Assim, independentemente da posição política de um ou outro, ter atitudes, discurso e comportamentos que inspirem credibilidade, evitar polarizações e divisões desnecessárias em torno de temas óbvios de saúde pública e trabalhar a desinformação são elementos centrais para o enfrentamento dessa e de futuras pandemias.

Quem seguiu melhor esse roteiro sofreu menos perdas, menos impactos e causou menos sofrimento em sua população. Quem desviou dessa rota, colheu e segue colhendo resultados preocupantes.