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Jairo Bouer

Puberdade precoce deve ser levada a sério

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Imagem: iStock

Colunista do VivaBem

08/06/2020 04h00

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A cantora norte-americana Billie Eilish, que com apenas 18 anos ganhou vários prêmios Grammy, lançou nas últimas semanas o vídeo da música "Not My Responsability", uma crítica direta a quem julga os outros por seu tamanho ou pela forma de se vestir.

Segundo a popstar contou, numa entrevista para a Vogue, no início do ano, as mudanças da puberdade vieram cedo para ela, e isso fez com que odiasse a própria imagem. "Eu faria qualquer coisa para estar num corpo diferente", revelou. Alguns anos depois, a cantora teve um grave quadro de depressão.

Não sabemos se Billie teve o que os médicos chamam de "puberdade precoce", mas sua história dá uma ideia de como é difícil passar por essa transformação antes dos pares. Há pouco mais de um século, as meninas menstruavam pela primeira vez aos 17 anos, em média. Essa idade caiu ao longo das décadas e, hoje, costuma ocorrer por volta dos 12 anos. Estudos também mostram que o desenvolvimento das mamas tem ocorrido mais cedo. Mas será que é normal uma menina com 7 anos, ou um menino com 8, apresentar os primeiros sinais da puberdade?

Não, não é. "Puberdade precoce é uma condição que precisa ser investigada", alerta o médico Vinicius Nahime Brito, professor livre-docente de endocrinologia da Faculdade de Medicina da USP (Universidade de São Paulo). Em certos casos, as manifestações podem ser consequência de algum tumor, malformação ou doença que precisam de intervenção. Em muitos outros, o desenvolvimento antecipado pode ter repercussões importantes para a saúde física e mental dos jovens.

Como saber?

O natural é que a puberdade aconteça entre os 8 e 13 anos de idade para as meninas, e entre 9 e 14 anos para os meninos. Assim, os sinais de alerta para a puberdade precoce são:

  • Em meninas Aparecimento de mamas e/ou de pelos pubianos com menos de 8 anos de idade e/ou primeira menstruação antes dos 9 anos de idade
  • Em meninos Aumento dos testículos e/ou aparecimento de pelos pubianos com menos de 9 anos

É comum?

A puberdade precoce é muito mais frequente no sexo feminino, com uma proporção de 10 mulheres para cada homem. A prevalência varia de 1 caso para 5.000 crianças para 1 caso para cada 10.000, sendo que há poucos estudos com esse objetivo no Brasil.

O que acontece?

A puberdade é deflagrada pelo aumento dos hormônios sexuais no sangue. Para quem se esqueceu das aulas de biologia, o processo é comandado pelo hipotálamo, no cérebro, que sintetiza o hormônio liberador de gonadotrofina (GnRH) e, então, faz a hipófise (ou glândula pituitária) secretar o hormônio luteinizante (LH) e folículo-estimulante (FSH). Estes dois hormônios, por sua vez, estimulam a produção de estradiol, pelos ovários, ou de testosterona, pelos testículos.

Quando todo esse processo acontece antes da hora, dizemos que a puberdade precoce é "central". Já quando o aumento no nível hormonal ocorre por algum tumor nas gônadas (ovários nas meninas e testículo nos meninos), algumas doenças genéticas específicas ou a exposição a medicamentos hormonais ou fatores ambientais, a puberdade precoce é classificada como "periférica".

Possíveis causas

A antecipação do desenvolvimento puberal pode ocorrer por diferentes motivos. Veja algumas possibilidades:

- Sobrepeso ou obesidade: é que o tecido adiposo funciona como uma glândula, produz a famosa Leptina e interfere nos níveis de estrogênio (um hormônio feminino que também está presente, em menor quantidade, nos homens);

- Malformações congênitas do sistema nervoso central;

- Tumores ou tratamentos prévios com radiação para o câncer, traumas cranianos, infecções que afetam o cérebro, como a meningite;

- Genes: algumas variações genéticas transmitidas pelo pai podem determinar a puberdade precoce. Não dá para dizer que se trata de uma doença hereditária, mas em meninas cujas mães menstruaram cedo ou que têm casos semelhantes na família paterna, há maior probabilidade de ocorrer puberdade precoce;

- Doenças como a Síndrome de McCune-Albright (doença genética caracterizada por manchas hipercromicas na pele, displasia óssea e puberdade precoce decorrente de cistos ovarianos), hiperplasia adrenal congênita e, em casos raros, hipotireoidismo podem ser a causa da puberdade precoce periférica;

- Exposição a cremes, pomadas ou medicamentos hormonais usados pelos pais (reposição hormonal, por exemplo);

- Desreguladores endócrinos: substâncias presentes na poluição, em agrotóxicos, plásticos, cosméticos e outros produtos industrializados. O bisfenol A é um exemplo bem conhecido - o componente foi retirado das mamadeiras, mas permanece em algumas outras embalagens. Essa é uma área que tem sido alvo de muitos estudos.

Mitos

Alguns pais têm questionado se a soja poderia deflagrar a puberdade precoce, já que o alimento contém fitoestrógenos, mas seria preciso uma ingestão muito exagerada para causar algum problema. Outra ideia comum é que fatores culturais, como a exposição precoce ao sexo por influência da mídia, teriam influência nos hormônios. A verdade é que isso pode até influenciar o comportamento, mas não mudar a biologia.

Atenção aos meninos!

O médico Vinicius Brito chama atenção para o fato de que a puberdade precoce demora mais para ser diagnosticada nos meninos, já que é mais difícil para os pais e cuidadores reconhecerem o sintoma inicial mais comum, que é o aumento dos testículos. O problema é que, embora a situação seja bem menos frequente no sexo masculino, é mais provável, para eles, que a causa seja alguma malformação ou doença.

Impactos físicos e psicológicos

Ver o próprio corpo mudar tanto antes e destoar dos colegas costuma ser fonte de angústia para as crianças. São comuns os sentimentos de solidão e de não pertencimento, níveis elevados de estresse, que podem evoluir para sintomas depressivos, além do risco de bullying, discriminação e até de abuso sexual. Estudos indicam que mulheres que tiveram puberdade precoce ou menstruaram cedo demais têm maiores taxas de depressão e ansiedade, além de menores níveis de escolaridade.

O crescimento que se acelera no início da puberdade, tende a ser interrompido mais cedo, o que pode comprometer a altura final. Como se não bastassem os impactos na aparência e na saúde mental, existe uma relação entre o desenvolvimento puberal precoce e doenças metabólicas e cardiovasculares, como obesidade e diabetes, e risco mais alto para certos tipos de câncer, já que esses indivíduos são expostos ao estrogênio e à testosterona por mais tempo ao longo da vida.

O que fazer?

"Nem toda garota que desenvolve mama mais cedo, nem todo garoto com pelos pubiano terão que ser submetidos a tratamento", explica Brito. Mas é fundamental que eles sejam avaliados por um especialista. Com análise do histórico médico, familiar, e alguns exames de sangue ou imagem, é possível identificar o que está por trás do adiantamento da puberdade. Para alguns pacientes, só o acompanhamento médico pode ser suficiente. Em casos de tumores, doenças ou malformações, a conduta é específica para cada caso.

Quando não há uma causa tratável, é possível colocar um freio no desenvolvimento puberal com o uso dos chamados "análogos de GnRH". Esse tratamento hormonal, que antigamente era feito com injeções diárias, hoje pode ser aplicado uma vez por mês ou a cada três meses.

Por volta dos 11 anos, o tratamento pode ser interrompido e o desenvolvimento é retomado, agora na hora certa, o que tem impacto positivo na estatura final desses jovens. Inúmeros estudos de longo prazo confirmam a segurança dos análogos de GnRH para a saúde e fertilidade dos pacientes. Mesmo assim, eles só podem ser prescritos quando há necessidade comprovada, e não apenas para garantir que o adolescente cresça mais.

Para saber mais:
https://www.sbp.com.br/especiais/pediatria-para-familias/desenvolvimento/puberdade-precoce/
https://revistapesquisa.fapesp.br/despertar-precoce/