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Alexandre da Silva

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Quando a pessoa idosa vive preocupada com trabalho, cuidado e proteção

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Imagem: iStock

Colunista do UOL

25/07/2022 04h00

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A conversa com pessoas idosas sempre me faz bem. É uma das atividades que mais gosto de realizar. Sinto que, a partir da escuta que tenho, tudo que construo ganha mais sentido e, desta forma, aprendo sempre e minhas reflexões e estudos se refinam e amadurecem. É incrível e maravilhoso!

Nesses últimos meses, diversos acontecimentos envolvendo a vida das pessoas idosas com quem estive me chamaram a atenção. Não são assuntos novos. Na verdade, são assuntos que nos envolvem diariamente. Mas quando penso no envelhecimento de toda a sociedade e que esse envelhecimento envolve usufruir tudo que a vida nos oferece, pessoas idosas ficam "presas", "amarradas" a esses assuntos e a vida não flui como se espera.

Presa e amarrada são palavras pesadas que uso e entendendo os seus significados. Preso e amarrado fazem referência a "sem liberdade". E sem liberdade pode significar sem autonomia para fazer o que se quer. Na perspectiva dos direitos humanos, sem liberdade e sem autonomia é não desfrutar de condições tão essenciais na vida de uma pessoa: o ir e vir, o falar e ser escutado, o querer, o ser, o estar e também o não sofrer por motivos alheios.

Muitas pessoas idosas e outras milhares, talvez milhões, de pessoas que estão envelhecendo não conseguem se desvincular das preocupações, quase sempre excessivas, com o trabalho, com os cuidados e com a proteção.

Em um primeiro momento, a impressão que se tem é a de que pessoas já adultas e velhas são responsáveis e que tais preocupações refletem o comprometimento dessas com seus papéis sociais na sociedade, com seus familiares, colegas de trabalho e amigos.

Tudo dentro das expectativas e valores das diversas religiões predominantes no nosso país, tudo atendendo aos mais puros sonhos de pais que já faleceram ou estão nonagenários ou centenários e que "sofreram as mais adversas situações da vida" para ofertar uma melhor condição para suas futuras gerações.

Mas a questão é que esse "excesso" não faz bem. Esse constante hábito de sempre precisar ter algo para se preocupar, para cuidar e para proteger limita a vida de muita gente que já chegou aos 60 anos e enrijece também a vida de quem fez seus 45 anos ou mais.

Por mais paradoxal que pareça, novos hábitos e novas relações no trabalho, na família e em outros espaços públicos e privados, contextualizados nesse momento histórico, geram grande ansiedade e tristeza em muita gente. Talvez seja porque o envelhecer já é uma quase realidade para milhões de pessoas.

Mas como será essa fase da vida?

É preciso, ou muito recomendado, ter saúde, boa memória, boa renda e uma rede social de pessoas queridas ao seu redor. Mas como ter tudo isso quando a vida nem sempre tem a generosidade de oferecer oportunidades para que tudo isso seja obtido ou construído ao longo da vida de uma pessoa?

É aí que o trabalho surge como uma chance, uma quase certeza de que sim, é possível espantar a pobreza da família! Sim, é possível sonhar com uma geladeira repleta de verduras frescas, iogurte, suco natural, queijos e carnes. Idosos e idosas podem ter seus rendimentos e oportunidades de trabalho diminuídos, afetando negativamente sua qualidade de vida.

Mas pobreza é um mal insistente, desobediente e nunca deixa de ser impactante na vida de uma pessoa. Mesmo já idosa, essa ainda vê que filhas e filhos também não conseguiram expulsar essa situação do âmbito familiar.

Com a queda da renda familiar e aumento do desemprego, netos e netas parecem sem muita alternativa senão assumir que é nesta classe social que ficarão por muitos anos, talvez a vida toda, repetindo um ciclo indesejável, preocupante e desolador para seu avô ou bisavó.

O cuidado que não sai da cabeça de muitas pessoas que envelhecem se refere tanto pela própria necessidade em manter-se saudável, como também para cuidar de quem precisa. Coloco aqui que cuidar é já agir para quem precisa de algo imediato, seja a transferência em uma cama, ficar na casa da filha para que crianças pequenas não fiquem sozinhas, ou o preparo de refeições para quem não consegue ficar em pé ou não se lembra como se faz o arroz e o feijão.

O cuidado emerge como um escudo, como uma barreira capaz de proteger quem também lutará para envelhecer. Tem o cuidado para que noras e genros possam se capacitar ou trabalhar, ou para que pais e mães cuidem de seus filhos pequenos.

E como deve ser duro cuidar de uma pessoa que, por 20 ou 30 anos, sempre te maltratou! Que nunca titubeou em ser violento, bruto com quem sonhou em envelhecer ao seu lado.

Milhares de mulheres idosas, seja em nome de filhos ou netos, cuidam de ex-maridos violentos para que a vida de quem ela realmente ama possa seguir adiante.

Dessa forma, pessoas envelhecem sem nunca terem deixado de pensar em outras pessoas, colocando-se em segundo plano e, desta forma, reduzindo o seu protagonismo na sua própria vida! Vivem pensando em outras pessoas, sejam as que amam, sejam as que as maltratam! Protegem quem os agradam e também quem os desagradam. Alegram-se e, logo mais, se entristecem.

Assim, idosos e idosas ficam receosos, envergonhados até quando percebem que seus familiares podem ter uma vida tão sofrida ou até pior que a sua. E isso dói, machuca. Tais realidades, de filhos, filhas, netas, netos e outras pessoas mais jovens que essas mais velhas são tristes constatações de um país que não pensou em envelhecer.

Como sociedade, erramos em aceitar essa situação, em fingir de que isso não nos envolve e de que não acontecerá mais, principalmente com as novas gerações. E as novas gerações se abastecem de fontes inesgotáveis de ansiedade e perspectivas ocas, como as promessas vindas dos mais diversos cantos e falsos profissionais que garantem ascensão e riqueza imediatas!

A velhice precisa ser bem vivida e deveria ser um direito garantido a todas as pessoas, sem qualquer distinção de classe, gênero, cor, trajetória de vida, renda e escolaridade. Pena que isso ainda parece tão distante. Nunca será tarde para vivenciar um pouco da liberdade, do não sofrimento e da pouca ou nenhuma preocupação.