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Sexoterapia


'Transei com um cara, descobri que tem relação aberta e me sinto traída'

Colaboração para Universa, em São Paulo

09/06/2023 04h00

No novo episódio do "Sexoterapia", podcast de Universa, Bárbara dos Anjos Lima e Ana Canosa receberam a educadora sexual Babi Ribeiro. Além de conversarem sobre responsabilidade afetiva, elas discutiram casos enviados por ouvintes.

Um deles é uma história enviada por uma mulher que se irritou após receber uma mensagem de um homem —ela preferia um "ghosting". Depois de um date, o rapaz a escreveu dizendo que o encontro não foi legal, e ela achou o comentário sem sentido já que ficou claro que não teve química.

No outro caso, uma mulher conta que saiu com um homem e, por acaso, descobriu que ele era casado. Ao ser confrontado, ele falou que a relação era não monogâmica. Mesmo assim, ela se sentiu traída.

Leia as histórias abaixo:

Dar 'ghosting' também é responsabilidade emocional?

Recentemente, saí com um cara que conheci via app. O date não foi tão bom. Ele me levou numa sorveteria lotada, com fila, que não tinha onde sentar e a gente teve que comer o sorvete no ponto de táxi em frente. Fomos andando até uma livraria e até me animei, porque amo ler, mas ele ficou ali parado, não pareceu interessado. O date acabou e nem nos beijamos. Eu senti que não tinha rolado afinidade. Até aí tudo bem, mais um date ruim. Eis que segunda recebo uma segunda mensagem dele, dizendo que até achou o date legal, mas estava atrás de um relacionamento com compromisso e sentiu que não tinha dado certo. Mas fez questão de me escrever, dizer que eu era incrível e foi legal, mas não teríamos mais encontros e ele preferia deixar tudo claro. Oi? Sinceramente, achei o fim. Preferia não ter recebido mensagem nenhuma porque me pareceu uma maneira de ELE deixar bem claro que não gostou. O povo fica nessa mania de não dar 'ghosting' e tem que explicar tudo. Sou a favor do 'ghosting' consentido e com sentido.

Ana Canosa: "O cara dizer que não gostou sem ela ter dito antes me parece até meio competitivo. Ela se incomodou com ele, na largada, ter esfregado na cara dela que não gostou, antes dela falar, porque ela também achou o date ruim. O fato dele ter legitimado isso, quer dizer, o outro não me achou interessante, deixou ela com o ego fragilizado. Achei interessante esse ghosting consentido, porque ele já é algo que as pessoas esperam num relacionamento via aplicativo".

Bárbara dos Anjos: "Uma coisa importante é definir o relacionamento. Não marcar algo e depois desaparecer. Agora nesse caso, os dois saíram, não foi legal, esse ghosting é o silêncio que vale mais que mil palavras".

Não acho que é uma construção positiva essa mensagem. Bárbara dos Anjos

Babi Ribeiro: "Tudo bem receber uma mensagem delas, mesmo que ela seja esquisita. Mas também acho que não precisa. Saí, foi mais ou menos, aí saí de novo, de novo, aí de repente sim, cabe uma leve conversa. Como tem essa rotatividade de aplicativo, não necessariamente no dia seguinte você tem que mandar uma mensagem pra pessoa".

Ana pontuou que acha que o rapaz pode ter sido movido pela cobrança de responsabilidade afetiva dos homens - mas também pode ter sido levado pela vaidade.

Bárbara dos Anjos: "Acho que o ponto é: o quanto de verdade a gente quer nessa responsabilidade afetiva quando ela fere nosso ego? As pessoas confundem bom senso com senso comum. Porque o que é bom senso pra um, não é pro outro. Pra mim é claro que não precisava mandar essa mensagem, mas ele se viu motivado a mandar".

Ana Canosa voltou a chamar atenção para as expectativas que criamos das pessoas. "Não tem regra pra isso. Autoconhecimento é importante e a medida que você começa a trocar mensagem com uma pessoa, você não sabe o que vai vir do outro".

Bárbara citou a "auto responsabilidade afetiva", sobre até onde as pessoas estão se colocando dentro de situações emotivas que não estão preparadas".

Ana Canosa citou pesquisas que fez sobre 'ghosting'. De acordo com os dados que a sexóloga trouxe, a maioria das pessoas se sentiram tristes ou envergonhadas com a prática pela ideia que ficou de que "não eram uma boa opção".

Bárbara dos Anjos: "O grande pulo do gato é entender que às vezes nem tudo é sobre a gente, também é sobre o outro".

Não monogamia é traição?

Me separei de um casamento de sete anos e voltei pra pista. App de namoro, balada, flerte na academia. Mas ando me deparando com algumas situações. Recentemente, conheci um cara na academia e saímos duas vezes. Na primeira, fomos num barzinho e demos uns beijos. Na segunda, ele veio na minha casa, transamos e foi ótimo. Seguimos trocando mensagens e planejando nos ver novamente. Só que encontrei o perfil dele no Instagram e vi várias fotos dele com a namorada. Questionei, e ele me disse que a relação é não monogâmica e os dois podem ficar com outras pessoas. Que se eu quisesse, ele até me colocaria em contato com a mulher dele pra confirmar. Mas fiquei brava e me senti traída. Estou errada ou ele deveria ter deixado isso claro antes de sairmos?

Babi Ribeiro: "Quando a gente sai em uma primeira vez com alguém, a gente que está ali fazendo as fantasias e pensando e mesmo que a pessoa seja monogâmica e solteira, às vezes ela não vai corresponder isso. Então, por exemplo, a pessoa não monogâmica e vem te falar dois encontros depois, assim, não tem muita diferença. Se você parar pra pensar, poderia acontecer isso também com uma pessoa solteira, de não corresponder. Então é mais sobre o que a gente cria na cabeça".

Ana Canosa: Eu conheço algumas pessoas que, no perfil, elas já colocam que são não monogâmicas. Um colega me disse que toda vez que ele coloca isso, o número de matchs diminui muito e ele não coloca por causa disso e ele deixa pra falar durante a conversa porque se não ele perde a oportunidade de criar conexão com mulheres que seriam interessantes.

Bárbara dos Anjos: "É, a regra não é claro. Se uma pessoa solteira e monogâmica, no segundo encontro, a gente não fala essa ficha corrida, né? Talvez ela tenha colocado mais expectativa do que a realidade que se apresentou".

Ana apontou ainda que acredita que o 'ghosting' já caiu em domínio público e as pessoas já entenderam, diferente das relações não monogâmicas, então talvez seja importante trazer esse assunto. "É sobre um pouco de empatia, sobre entender o entorno".

É se colocar no lugar do outro e evitar algumas confusões. Mas aí também não se naturaliza a vivência. É meio complicado. Ana Canosa

'Não dá pra só cobrar do outro responsabilidade na relação'

Para a sexóloga Ana Canosa, quando o assunto é responsabilidade afetiva é importante que cada um olhe também para suas ações e comportamentos dentro da relação. "Não dá pra só cobrar do outro responsabilidade na relação", diz.

Ana Canosa: "Você precisa entender suas expectativas que tem sem deixar de levar em conta a outra pessoa. Somos responsáveis pelo que as pessoas sentem, mas não por tudo. Tem aí um jogo interessante que envolve empatia, assertividade, reconhecimento do desejo e generosidade".

Babi Ribeiro complementou o pensamento da sexóloga. "A cada geração, os homens vão fazendo as movimentações deles para terem menos responsabilidade afetiva. A gente pensa qual nosso papel nisso, onde a gente se coloca com o outro".

As mulheres sempre foram impelidas a serem responsáveis afetivamente na relação amorosa porque tem a ideia do casamento, da relação por amor, da responsabilidade pelo filho. Se a criança tiver um problema, a culpa é da mãe. A gente está no excesso e os homens estão se responsabilizando só agora que a gente está chamando. Ana Canosa

Para sexóloga, os homens são educados a não falar de seus afetos. Então o que a gente mais vê são as mulheres falando que não sabem o que os homens estão pensando, o que sentem".

Os afetos precisam ser expressados pra gente entender como é o jogo. Ana Canosa

Babi Ribeiro: "Os homens hoje em dia estão mais desconstruídos, mas eles ainda não sabem o que fazer. A gente também fica sem saber como conversar, sem saber o que o outro está pensando. Rola sempre muita dúvida de como a gente conversa com o outro, ainda mais quando é no inicio [de uma relação]".

Geração mais aberta

Bárbara disse acreditar que a nova geração, de 20 e poucos, está mais aberta a conversar sobre o tema.

Ana Canosa: "Mas mesmo eles ainda não se sentem seguros pra ter esse tipo de conversa. Querem falar, mas não sabem como o outro vai receber. Acho que na minha geração a gente falava".

Babi Ribeiro: "Sinto que os aplicativos trouxeram muito a ideia do descarte. A gente vira um cardápio. Se não me interessa, nem ligo pro outro".

Expectativas

Babi Ribeiro: "Às vezes, a gente vai no app, vê que a pessoa está sendo muito direta sobre o que ela quer e se interessa, achando que pode mudá-la. É muito sobre nosso ego. Nem sempre vai ser desse jeito. Acho que é sobre a gente ver a direção que a pessoa está dando e não ficar fantasiando nas nossas ideias".

Ana aponta que é muito importante, dentro do relacionamento, distinguir o que é seu e o que é do outro. "Sinto que, com essas relações mediadas por aplicativo, nem sempre é fácil discernir o que é meu e o que é do outro. Por isso, falar com o outro ajuda".

Bárbara dos Anjos: "Às vezes, a responsabilidade afetiva traz uma falsa ilusão de regra, quando cada pessoa tem seus valores, prioridades".

Ana reforçou que isso acontece não apenas no âmbito amoroso, mas também em relacionamentos cotidianos e que é importante dizer o que sente: "Quando a pessoa não dá bom dia, vai lá e dá bom dia pra ver se ela responde. Se te incomoda, vai resolver, não perde teu sono com isso".

Responder alguém é importante, mesmo que essa pergunta pra mim seja descabida. Se a pessoa veio perguntar, é importante para ela. Você responde, pronto, acabou. Gentileza, escuta do outro e posicionamento do outro eu nunca acho demais. Ana Canosa

Bárbara dos Anjos: "Às vezes a gente coloca as nossas expectativas e desejos em um sim ou em um não que o outro pode nos dar".

Clímax

Ana Canosa finalizou o episódio com suas reflexões.

"Aprendemos que a qualidade das relações é fundamental para a nossa saúde mental, por isso vale a pena investir em autoconhecimento. Aprendemos que empatia é uma qualidade que nos tira do centro do mundo, um convite a conhecer e respeitar o alheio. Aprendemos que nem tudo precisa ser explicado de antemão e que não é só cobrar responsabilidade dos outros, mas ser autorresponsável e entender expectativas".

Assista à íntegra do programa: