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Animal print em tudo: decoradora de iate revela desejos exóticos de ricaços

Simon Plestenjak
Imagem: Simon Plestenjak

Isabella D'Ercole

Colaboração para Universa, em São Paulo

20/10/2022 04h00

Estampas de onça, tigre e zebra... O pedido da cliente era que a decoração do barco de 53 pés — com 2 suítes, sala de estar e jantar, churrasqueira, bar e capacidade de abrigar 6 pessoas confortavelmente durante a noite — fosse toda em animal print. "Segui as instruções, mas fui induzindo para que ela pegasse mais leve em algumas coisas. Ficou interessante no fim", lembra a empresária e iate designer paulistana Tânia Ortega, 58 anos.

A profissão da paulistana talvez soe tão exótica quanto a solicitação da cliente e, na verdade, é. Tânia é uma das poucas arquitetas e designers de interiores especializadas em barcos no Brasil. Ela embarcou (com o perdão do trocadilho) nesse mercado há 29 anos, quando trabalhava na área de marketing da extinta Tecnomarine. Quando a empresa fechou, seguiu para a Ferretti, comparada por entendedores como a Ferrari dos barcos.

Hoje, no Brasil, a maior concentração de barcos está em São Paulo, mas Tânia também faz trabalhos no Rio de Janeiro, na Bahia, no sul do país e até na Itália. Foi lá que decorou uma compra recente da família Safra, uma das mais ricas no Brasil. "Eles resolveram trazer pra cá depois e acabei terminando em Paraty", conta.

Entre os clientes famosos, tem também nomes como Eike Batista, cujo barco decorado por Tânia acabou indo para leilão. Mas os donos e as cifras não impressionam mais a iate designer. "Tem que tratar de igual pra igual. Eu nem pergunto mais quem é, o que faz. Não faz diferença", afirma a paulistana.

Tânia Ortega - Simon Plestenjak - Simon Plestenjak
Imagem: Simon Plestenjak

Mercado em crescimento

Há 30 anos, segundo Tânia, havia menos pessoas comprando barcos no país e era um nicho mais masculino, solteiro. "Hoje, é uma atividade de família. São barcos maiores, para juntar filhos e netos. A demanda aumentou bastante, especialmente na pandemia, quando as pessoas não podiam viajar."

Hoje, é possível comprar um barco menor e usado por cerca de R$ 300 mil. Mas, entre os mais espaçosos e equipados, o céu é o limite. Tânia já trabalhou em feiras com venda de barco de R$ 36 milhões. É um veículo de 24 metros de comprimento, que abriga até 3 jet skis, tem 6 banheiros e capacidade para 26 pessoas.

"Quem tem esses barcos não faz conta. Já tem casa de campo, na praia, helicóptero... O barco vai muito além do preço, porque a manutenção é cara. Tem que ter lugar na marina, uma equipe, pagar o diesel", explica.

Tânia Ortega - Simon Plestenjak - Simon Plestenjak
Imagem: Simon Plestenjak

O valor da decoração, de acordo com Tânia, é irrisório para essas pessoas, de 2% a 5% do valor do barco, dependendo da embarcação. "O caro é o motor e a parte eletrônica. A decoração é relativa, porque muda de acordo com o tamanho e o que a pessoa quer. De material, contudo, não dá pra ter muita variação, é só coisa muito nobre para garantir durabilidade", afirma ela. São oferecidos, por exemplo, 10 tipos de pisos, 10 tipos de madeira, etc.

Tânia Ortega - Simon Plestenjak - Simon Plestenjak
Imagem: Simon Plestenjak

Por alguns anos, Tânia trabalhou exclusivamente para a Tecnomarine. Ali, foi aprendendo mais sobre seu ofício, experimentando, errando e acertando. "Antigamente, eu colocava pastilhas nos banheiros, para parecer uma casa mesmo. Testei até entender que silicone prendia melhor as placas e descobrir o melhor instalador. Já tentei porcelanato também, mas não dá certo. Mármore trinca, couro precisa ser tratado ou craquela rapidamente, ferro nem pensar, enferruja tudo. Em barco, todos os materiais são diferentes. Precisam ser resistentes, antimofo, antichamas", explica a especialista. "É um mercado exigente."

Há 11 anos, depois de muito importar tecidos ultrarresistentes para a área externa dos barcos, Tânia resolveu abrir sua própria loja, a Tutto a Bordo, na Alameda Gabriel Monteiro da Silva, endereço de luxo no bairro Jardim Europa, em São Paulo. Até hoje, o Brasil não fabrica na mesma qualidade o produto, ela diz.

O primeiro atendimento com os clientes é no showroom onde vendem os barcos. Ali, ao comprar o iate, já é oferecido o serviço de decoração e os clientes são direcionados para os outros atendimentos na sua loja.

Gostos questionáveis

Para além do barco de animal print, há outros pedidos exóticos que ela lembra, como uma decoração nas cores da bandeira da Itália, muitos barcos com tudo preto e até um dono de haras que queria uma estátua de cavalo no barco. "Esse eu não deixei, não tinha cabimento. Ele nunca mais falou comigo", conta ela, sem remorso.

Mais recentemente, ouviu de um cliente que queria colocar no barco uma obra de arte de R$ 400 mil. "Eu jamais colocaria, não acho que é o lugar certo."

Tânia Ortega - Simon Plestenjak - Simon Plestenjak
Imagem: Simon Plestenjak

Dependendo do tamanho da obra, pode durar de 2 a 3 meses. Porém, se o pedido incluir trocar a marcenaria, leva mais de 1 ano. E não tem nada de parcelamento nesse tempo. "Tem coisa que precisa da entrada de 50% e o restante paga na entrega. Algumas coisas são pagas em três etapas, mas não é aquela coisa de 10 parcelas", fala ela, que além de barcos novos também reforma os que projetou há alguns anos. "Esses são os mais desafiadores, porque podemos inovar nos materiais e fugir do padrão da fábrica."

Tânia chega a fazer 10 projetos ao mesmo tempo e atende, em média, 40 clientes por ano. Quando pega um trabalho, faz uma estimativa do gasto, além de sugerir os fornecedores com quem já trabalha e em quem confia. Entrega o barco completo, com lençóis, toalhas, almofadas, uniforme do marinheiro e utensílios de cozinha.

Apesar dos altos valores e do luxo, ela afirma seus clientes "São pessoas absolutamente normais", garante Tânia, que ainda não tem um barco para chamar de seu.

Tânia Ortega - Simon Plestenjak - Simon Plestenjak
Imagem: Simon Plestenjak