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'Vendia lingerie de porta em porta; hoje faturo R$ 7 mi com marca própria'

Antes de se tornar referência n a área, Ângela de Cássia Freire foi doméstica, secretária em clínica odontológica e professora infantil - Arquivo pessoal
Antes de se tornar referência n a área, Ângela de Cássia Freire foi doméstica, secretária em clínica odontológica e professora infantil Imagem: Arquivo pessoal

Ângela de Cássia Freire, em depoimento a Glau Gasparetto*

Colaboração para Universa, em São Paulo

01/10/2022 04h00

Vinte e cinco anos atrás, a paulista Ângela de Cássia Freire morava em Caxias do Sul, a segunda cidade mais populosa do Rio Grande do Sul. Casada, com três filhos e sem um trabalho fixo na época, decidiu tentar a vida como sacoleira: buscava lingeries e cintas modeladoras em São Paulo para revender.

O que era uma tentativa de complementar a renda da casa e conquistar a independência financeira se transformou em um negócio milionário. No ano passado, a empresa Yang, que fundou sete anos após bater de porta em porta, faturou R$ 7,2 milhões.

A intenção é fechar 2022 com faturamento de R$ 10 milhões e aumentar de nove para 20 franqueadas, além das duas lojas e fábrica próprias, que dão à marca a liderança no segmento de moda íntima modeladora.

No quarto de século de trabalho na área, Ângela, hoje com 56 anos, segue buscando o empoderamento feminino, pelo qual sempre batalhou. Além de mudar a própria história e a de sua família, ela ajudou outras mulheres a conquistarem a independência financeira.

"O propósito sempre foi de transformação. Antes ajudava mulheres que queriam ser independentes. Hoje, levamos autoestima e liberdade para as mulheres, pensando nos biotipos delas", diz.

A seguir, ela conta como conseguiu dar a reviravolta em sua vida e seus negócios e se tornar empresária de referência no segmento.

'Queria minha independência financeira'

"Sempre fui muito ativa e tive diferentes experiências profissionais. Fui doméstica, secretária em clínica odontológica, professora infantil, auxiliar em farmácia e, também, limpadora e passadeira de bordados.

Aos 31 anos, era casada —com Luiz Carlos de Oliveira, que faleceu há dois anos— e tinha três filhos: Micael, de 11 anos; Samuel, 5, e Manoela, então com 8 meses. Eu precisava voltar para o mercado de trabalho, mas como tinha a bebê recém-nascida para cuidar, procurei algo que fosse possível conciliar a maternidade e o trabalho.

Angela - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Ângela com Luiz Carlos de Oliveira, que faleceu há dois anos
Imagem: Arquivo pessoal

A ideia não era só complementar a renda da minha família, mas também adquirir certa independência financeira, poder cuidar do meu próprio negócio e apostar em algo em que acredito. Com o equivalente a R$ 3 mil, saí de Caxias do Sul e fui para São Paulo, onde comprei peças íntimas para revender.

Então comecei a oferecer lingeries e cintas pós-operatórias de porta em porta, levando a Manoela comigo, pois não tinha com quem deixá-la. Deu tão certo que, em apenas três meses de negócio, eu consegui montar uma equipe com quase 70 revendedoras. Notava que, na época, elas eram muito dependentes dos maridos e acabei passando esse objetivo de independência para frente.

Certa vez, uma moça cruzou meu caminho. Ela estava com os dedos todos machucados e me contou que o marido havia batido nela. Em situações como essa eu confirmava como havia muitas mulheres que realmente queriam mudar de vida e poderiam se tornar mais independentes com o trabalho de porta em porta.

Na verdade, antes mesmo de começar as vendas, já sabia que havia essa demanda feminina por trabalho e por independência —em especial dos maridos, que historicamente são 'provedores'.

Consegui aliar o trabalho com certo propósito social ao ajudá-las na emancipação. Era motivador ver mulheres trabalhando, conquistando seu dinheiro e consequente independência financeira, o que era uma grande questão na época.

'Havia demanda para lingeries funcionais'

Passei cerca de um ano e meio nesse fluxo de revender as peças que comprava em São Paulo. Mas notava que não acentavam bem no corpo das clientes —às vezes eram grandes demais ou muito pequenas. Além disso, as cintas eram feitas apenas para serem usadas no pós-operatório e, depois dessa fase, acabavam deixadas de lado por não serem usuais no dia a dia, nem bonitas.

Percebi que as clientes queriam modelos mais modernos, então tentei me especializar nisso. Comecei a colocar bojo e detalhes em renda nas peças, mas precisava de liberdade na criação. Foi então que resolvi investir em produção própria, com um tecido nacional que é único no mundo.

Notei que havia demanda de diversos tipos de corpo para as lingeries funcionais, além de enxergar certa necessidade de empoderamento por meio dessas peças. Em 2004, cerca de seis ou sete anos após o início da venda porta a porta, a marca passou a se chamar Yang. Antes disso, era só Freire Confecções

'Perdi muito dinheiro no início'

Nos estabelecemos como uma marca que aposta na diversidade de silhuetas. Em nenhum momento, mudei o foco do que queria, que era a venda de modeladoras. Me considero muito determinada: desistir nunca foi uma opção para mim, mesmo no início, quando perdi muito dinheiro —às vezes, revendedoras comercializavam as peças e não me pagavam.

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Ângela em reunião com equipe de vendas
Imagem: Arquivo pessoal

Sempre segui fazendo meu trabalho com alegria, determinação, coragem e a perspectiva de que é necessário muito esforço e persistência. Jamais pensei em desistir e abandonar o barco. Na verdade, sempre quis me aprimorar, estudar mais sobre técnicas de vendas e produtos, e pesquisar histórias de grandes líderes da humanidade.

Quando via mulheres melhorando de vida ao vender produtos que ajudavam na autoestima de outras mulheres, isso me dava mais combustível para continuar com o negócio.

Hoje temos 60 funcionários diretos, contando os funcionários das fábricas e lojas próprias. Na fábrica, a grande maioria é de mulheres, que são costureiras, cortadeiras, revisoras e modelistas. Além disso, também temos 3 mil trabalhadores indiretos, comtemplando os franqueados e seus funcionários.

Nossa empresa tem um olhar especial para mulheres. Oferecemos treinamentos semanais não apenas de venda, mas sobre como criar novas oportunidades, como ajudar outras pessoas que se encontram em dificuldades, entre outros assuntos.

Inclusive, muitas mulheres se formaram na universidade e a empresa pagou todos os estudos. É um fator de que me orgulho muito.

'Auge do meu sucesso é filho conduzir a empresa'

Além de cofundadora, sou responsável pelo setor de expansão da marca em Santa Catarina e faço parte do Conselho da Yang. Atualmente temos duas lojas próprias e outras nove licenciadas. Minha expectativa é encerrar 2022 com vinte franquias —cinco contratos já estão fechados e sendo implementados no estado de São Paulo.

Nos próximos três anos, a ideia é abrir mais 30 lojas e investir R$ 4 milhões na marca. Queremos dobrar o tamanho da nossa fábrica em Caxias do Sul até lá.

Dois dos meus filhos trabalham na empresa. O Samuel, em parceria com minha nora Cristini, comanda os negócios em Caxias do Sul. A Manoela, que eu levava junto nas vendas de porta em porta, atualmente está à frente da loja em Balneário Camboriú, cidade para onde me mudei em 2014. O mais velho, Micael, seguiu a carreira de fotógrafo, mas já chegou a trabalhar com a gente.

Para mim, o auge do meu sucesso é meu filho conduzir a empresa tão bem ao lado da sua esposa. Ainda tenho como plano profissional estar com mais de 200 lojas pelo Brasil afora. Temos total capacidade para isso."

*Ângela de Cássia Freire, 56 anos, é fundadora da Yang