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'A Mulher Rei': Quem eram as amazonas negras que dominaram a monarquia

Viola Davis interpreta a protagonista Nanisca no drama histórico "A Mulher Rei" - Divulgação
Viola Davis interpreta a protagonista Nanisca no drama histórico 'A Mulher Rei' Imagem: Divulgação

Colaboração para Universa

28/09/2022 04h00Atualizada em 28/09/2022 11h22

O filme "A Mulher Rei" chegou na última quinta (22) às telonas nacionais. Estrelado pela atriz Viola Davis, o longa-metragem de ação resgata a história das guerreiras de Daomé, mulheres que assumiram posições de poder e foram fundamentais para o estado. Há diversos relatos históricos que destacam sua organização e treinamento militar. Edna Bay, autora do principal livro sobre o tema, sugere que a importância dessas mulheres foi fundamental para que a sociedade atingisse seu ápice econômico.

Entre alguns motivos, a narrativa chama a atenção por romper com a noção de que a liderança política e a força militar era assumida apenas por homens. "A Mulher Rei" acende também um debate importante sobre a representatividade de mulheres negras em grandes filmes. A historiadora Crislayne Alfagali, mestre e doutora em História Social da Cultura, pontua que mostrar mulheres negras em posição de poder é um "ato irreverente", pois inverte os padrões de uma sociedade marcada pelo racismo estrutural e pelo machismo.

"Trazer para o centro da narrativa personagens que são vistas como estando à margem da história tem um impacto positivo na representatividade de mulheres negras na história", declara a professora e pesquisadora em História da África e História do Brasil Colônia.

O Reino do Daomé pode ser conhecido por outros nomes, como Danxome e Danhome. Também ficou conhecido como Fom pelos europeus, palavra que se refere ao grupo étnico e linguístico dominante das famílias reais do reino.

As mulheres do Reino de Daomé

O livro que "Wives of the Leopard" (Esposas do Leopardo em tradução para o Português), de Edna Bay, apesar de publicado em 1998, ainda é uma fonte atual sobre o antigo Reino de Daomé, localizado na área do atual Benin.

"O livro destaca o papel das mulheres como atores ativos nos dois séculos de história do reino. A grande maioria do pessoal do palácio que estava no coração da monarquia era formada por mulheres. Mulheres com ambição aprenderam a manipular o sistema a seu favor", sugere Crislayne.

As mulheres desse reino eram organizadas como guarda-costas. Havia ainda outros papéis femininos centrais para o funcionamento do palácio, com grande influência sobre o estado. Inclusive, Bay sugere que o reino atingiu seu auge devido à participação ativa das mulheres na vida econômica, ritual e política do estado. Quando sua influência e autonomia diminuíram, o reino iniciou uma longa e lenta espiral de declínio já bastante avançada quando os franceses assumiram o controle.

Segundo a historiadora, a obra de Edna Bay explora as diferentes narrativas de origem dessas mulheres guerreiras. Há quem diga que elas começaram como um grupo de caçadoras de elefantes. Outra teoria é que uma regente chave, Hangbe, pode ter instituído a prática de uma guarda real feminina quando ascendeu ao poder no início do século 18.

De qualquer forma, para os demais países, essas mulheres ficaram conhecidas como amazonas, referência aos exércitos femininos conhecidos como "Amazonas" dos antigos mitos greco-romanos.

"Hoje, as pessoas em Abomey ainda os chamam de L'Amazones", explica Crislayne.

Edna ressalta que intrigas políticas marcaram os reinados de Daomé, e as fortunas econômicas do reino declinaram no século 19. Com isso, o rei passou a nomear membros de sua própria família para cargos-chave na corte e a confiar mais fortemente no conselho de conselheiros masculinos seniores.

A historiadora compara as mulheres de Daomé às amazonas, que alimentaram por muitos anos a imaginação europeia, enquanto as "amazonas africanas" se viram cada vez mais relegadas à margem.

O mito por trás do reino

De acordo com Crislayne, existem alguns mitos que narram a fundação dos Daomé, e o mais comum é o que da linhagem real de Allada, outro reino importante da região. Essa história começa quando o príncipe Agassu na cidade de Tado tentou se tornar rei, mas perdeu a luta e assumiu a cidade de Allada. Por volta de 1600, dois - em algumas versões, três - príncipes da linhagem de Agassu lutaram para decidir quem seria o governante dessa cidade.

O combinado era que os príncipes deixariam Allada e fundariam novos reinos. E, assim, eles se encaminham para o sul e fundaram as cidades de Porto-Novo e Do-Aklin. O filho de Do-Aklin, Dakodonu, recebeu permissão para se estabelecer na área pelos chefes Gedevi em Abomey, capital na época de Daomé. No entanto, Dakodonu solicitou terras adicionais de um chefe, Dan, e começou a enfrentar certa hostilidade.

A historiadora conta que o chefe respondeu a Dakodonu, com sarcasmo: "Devo abrir minha barriga e construir uma casa para você?" Houve confronto em seguida: Dakodonu matou Dan no local e ordenou que seu novo palácio fosse construído ali.

A criação do império

O império em si foi criado por volta do século 17 pelo povo Fon, que havia se estabelecido recentemente na área, podendo ter sido também resultado de casamentos entre o povo Aja e os Gedevi.

O rei fundador do Reino de Dahomey é Houegbadja. Ele construiu os Palácios Reais de Abomey e começou a invadir e tomar as demais cidades. O comércio de prisioneiros de guerra como escravizados no local começou a aumentar a região costeira através do Reino de Whydah e Allada.

O reino de Daomé emergiu como um ator-chave no tráfico de africanos na África Ocidental desde fins do século 17 até meados do 19 e tornou-se conhecido pelos comerciantes europeus, especialmente os holandeses, portugueses e britânicos como uma importante fonte de escravizados no comércio em Allada e Whydah.

Guerra contra a França

O Daomé tornou-se uma grande potência regional em 1720 quando conquistou os reinos costeiros de Allada e Whydah. Com o controle dessas cidades, Dahomey tornou-se um importante centro no comércio de escravizados do Atlântico até 1852, quando os britânicos bloquearam a atividade naval.

A guerra com os franceses começou em 1892, que assumiram o Reino de Dahomey pouco depois, em 1894. Em 1900, o trono foi desocupado, mas as famílias reais e os principais cargos administrativos continuaram.

Outros filmes com proposta similar à de "A Mulher Rei"

"Pantera Negra" foi outro filme que se baseou também nas Amazonas de Daomé, segundo a historiadora. Exibido nos cinemas brasileiros em 2018 e estrelado pelo ator Chadwick Boseman, o longa conta com protagonismo de pessoas negras e se passa na cidade fictícia de Wakanda.

No Brasil, Crislayne cita o filme ítalo-brasileiro "Orfeu Negro", também conhecido como "Orfeu Carnaval", que faz protagonistas personagens negros de uma história mitológica grega. A produção é de 1959 e, segundo a historiadora, embora neste caso não sejam pessoas poderosas, o ambiente é uma favela carioca.

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