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Atriz trans de filme de Billy Porter: 'Nao sou corajosa, sou apenas eu'

A atriz tarns Eva Reign faz a protagonista  Kelsa no filme "Anything "s Possible? - Divulgação
A atriz tarns Eva Reign faz a protagonista Kelsa no filme "Anything 's Possible? Imagem: Divulgação

De Universa, em São Paulo

19/07/2022 04h00

A atriz novata Eva Reign, de 26 anos, foi escolhida pelo ator e cineasta Billy Porter para ser protagonista do filme "Anything 's Possible", do qual ele é diretor. A produção já tem data de estreia no Brasil: 22 de julho, próxima sexta-feira, no Prime Vídeo. Assim como Eva, a personagem é uma jovem trans.

Em entrevista a Universa, Eva conta que sempre foi apaixonada por atuação e implorava para que a mãe a levasse em audições quando tinha apenas dez anos. Agora, em seu primeiro papel de destaque, ela dá vida a Kelsa, uma garota trans do ensino médio que está vivendo um amor. Em uma produção romântica, o filme tem seus dramas e discute os problemas enfrentados pela comunidade trans, mas é essencialmente um romance adolescente. "Espero que vários jovens que são trans possam se sentir inspirados e perceber que eles também podem encontrar a felicidade na vida", disse.

Leia os principais trechos da entrevista a seguir:

UNIVERSA: O filme conta uma história de amor entre jovens, não é focada em luta ou sofrimento da pessoa trans. Você acha que isso vai inspirar crianças e adolescentes a serem eles mesmo na escola?
EVA REIGN: Espero que sim. Gostaria de ter assistido algo assim quando tinha essa idade. Cresci em St Louis, no estado do Missouri, que é uma cidade pequena e muito conservadora. Por isso, espero que vários jovens que são trans e que estão tentando entender quem são consigam ver esse filme e encontrar a parte deles em Kelsa.

Mas que também possam se sentir inspirados e perceber que eles também podem encontrar a felicidade na vida. No filme, a vida da protagonista é muito boa, do começo ao fim. Acho que a produção vai mostrar que isso é possível para toda criança trans.

Estamos em 2022, você acha que finalmente a gente consegue dizer que tudo é possível para a comunidade trans?
Com certeza. Nós estamos vendo muito progresso, principalmente nos últimos cinco anos. Stonewall [série de manifestações da comunidade LGBT contra uma invasão da polícia de Nova York no bar Stonewall Inn] aconteceu em 1969 e alguém como Kelsa, com certeza, existia naquela época, mas não podia viver sua vida livremente. Enquanto agora estamos vendo que o futuro é cheio de possibilidades para todos nós.

Mesmo com toda a atenção e as propostas de legislação, pessoas trans estão vivendo o melhor de suas vidas. Um governo que nos apoia, claro, é crucial, mas não é só isso o necessário para viver a vida mais completa possível. Chegamos a esse ponto porque temos fé em quem somos e também porque tem mais e mais pessoas que têm fé em nós.

O que a sociedade ainda precisa fazer para que mulheres sejam mais valorizadas, como pessoas, modelos, atrizes? Qualquer coisa que queiram ser?
Quanto mais aceitação nós tivermos, mais celebração vamos ter e todos seremos melhores a longo prazo.

Acho que o mundo precisa nos apoiar mais e diminuir o debate se somos mulheres de verdade ou não, porque somos.

Nós sempre estivemos aqui e tem tanta evidência que prova que existimos desde o começo dos tempos em todas as culturas e países. Acho que só agora as pessoas estão aceitando mais isso.

Khal e Kelsa no filme 'Anything 's Possible' - Divulgação - Divulgação
Khal e Kelsa no filme 'Anything 's Possible'
Imagem: Divulgação

Como foi o ensino médio para você, já que sua personagem está nessa época da escola?
Olha, foi meio difícil. Eu não estava vivendo a vida da Kelsa. Mas tive muitos amigos que me amavam e me apoiaram. Meus professores me ajudaram bastante também. Seja com meu crescimento, com o Yearbook [livro que as escolas americanas fazem dos alunos para registrar cada ano], no jornal estudantil...

Foram eles que me viram e deram espaço para me validar como pessoa, para que eu explorasse quem eu era. Claro que também sofri bullying, mas isso está no passado. A gente supera.

Você sempre quis ser uma atriz?
Sim, eu comecei a fazer teatro quando tinha 10 anos. E foi bem a época que comecei a me interessar muito pela escrita. Uma companhia de teatro local que foi até minha escola fazer um workshop, e foi quando eu aprendi mais sobre cantar e dançar. Achei divertido. Pensei: 'Poxa, as pessoas fazem isso fora da escola'.

Estava sempre implorando pra minha mãe me levar às audições e ela sempre dizia que não tinha tempo pra isso. Mas sempre me deixou fazer aulas de teatro. Quando eu cresci, passei a me dedicar ainda mais. Uma coisa levou a outra e agora estou aqui.

Como foi chegar nesse papel? Foi por meio de audições, aquelas que sua mãe não te levava ou você foi convidada?
Eu nem tinha um agente. Meus amigos me mandaram um e-mail sobre o convite para participar do filme, que estavam fazendo uma busca ao redor do mundo para a personagem. Eu mandei um vídeo e continuei passando de fase das audições.

De repente eu estava fazendo uma com o Billy Porter e eu fiquei tão nervosa, suava tanto, mas ainda bem que era por Zoom e ele não percebeu. [risos] Era uma loucura. Ficamos nos vídeo por pelo menos meia hora, falando sobre a cena e ele perguntando sobre a minha vida? E aí fui chamada para o papel. E fiquei: 'O que está acontecendo?'.

O diretor do filme é o Billy Porter. Como é tê-lo como chefe em cena?
Ele é incrível. É a pessoa mais doce que eu já conheci. Nem penso nele como meu chefe, mas sim como um artista com quem eu pude aprender. Todos os dias, no set, ele me deu muita confiança sobre o que eu ia fazer.

Sempre me disse que eu sabia como Kelsa era e que eu estava lá para ajudar a contar a história, porque eu sabia como era ser uma mulher trans. E me sinto muito honrada de ter uma chance de trabalhar com ele. O filme foi dirigido como se fosse uma peça de teatro: ensaiamos muito, passamos muito tempo discutindo a história e o que significa contá-la dessa maneira? Foi bem divertido. Billy é muito engraçado.

No filme, sua personagem diz que odeia quando a chamam de "corajosa". Você também se sente dessa maneira?
Ai meu Deus, sim! Quando eu li aquilo pela primeira vez, pensei que era bastante realista. Porque as pessoas sempre disseram isso sobre mim e eu nunca entendi.

Ser você mesmo é corajoso? Eu acho que, de muitos modos, tem alguns aspectos da coragem em que se pensa: 'Quer saber, vou ser eu mesma e não importa o que os outros dizem', mas acho que para muitas pessoas trans não tem outra opção além de ser quem realmente são.

Então não sei se isso tanto coragem quanto é natural.

Você tem alguma mulher trans que é uma inspiração para você? Porque além da Laverne Cox, não temos muitas mulheres trans em papéis importantes da indústria?
Sim! Laverne é alguém que me inspira, eu a conheci há uns dois meses e ela é tão linda pessoalmente? Também me inspiro da MJ Rodriguez, de "Pose". Na verdade, todas dessa série me inspiram. Vendo essas mulheres me passavam uma mensagem de que o que eu queria fazer era possível.

Sem brincadeira nem nada, mas era realmente o que eu pensava. Elas me mostravam que eu podia ir atrás da minha carreira. Eu não sabia se atuar era algo que eu podia fazer de verdade. Mas vê-las, e outras mulheres incríveis de Hollywood, me deu esperança. E honestamente, se eu não a tivesse visto, não estaria aqui hoje.