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Pastora e sexóloga: 'Transar é um ato glorioso. A mulher também deve gozar'

A pastora evangélica e sexóloga Gabriela Arruda ministra curso sobre sexualidade: "Deus criou o sexo e ele precisa ser vivido com plenitude" - Arquivo pessoal
A pastora evangélica e sexóloga Gabriela Arruda ministra curso sobre sexualidade: 'Deus criou o sexo e ele precisa ser vivido com plenitude' Imagem: Arquivo pessoal

Júlia Flores

De Universa

25/11/2021 04h00

Nascida e criada na cidade de Ipatinga, no interior de Minas Gerais, Gabriela Arruda, de 28 anos, cresceu frequentando cultos na Igreja Evangélica Batista. Após um período afastada, reencontrou-se com a fé na adolescência, aos 15, e hoje exerce a função de pastora e sexóloga.

"Durante muito tempo a religião tratou sexo como pecado, mas eu não acredito que seja assim", contou Gabriela em entrevista por telefone a Universa. Ela, que é formada em psicologia, faz seminários, cultos e palestras sobre o tema e atende clientes que estão em busca de uma "sexualidade cristã".

Gabriela decidiu abordar o assunto depois de reparar que muitos casais cristãos estavam enfrentando dificuldades no casamento justamente pelo modo como encaravam a sexualidade. Em 2017, uma pesquisa realizada pelo Instituro Barna Group mostrou que a taxa de divórcios entre evangélicos, católicos e pessoas sem religião era a mesma, de 25%. "É um problema que começa na Igreja, porque a Igreja não conversa sobre sexo com os fiéis, o que enfraquece a relação conjugal", opina.

Para reverter este cenário, ela e seu marido, Fayner Torres, de 32 anos, criaram o curso sobre "Sexualidade sem Pré Juízo" para explicar que, sim, prazer, desejo e orgasmo são atos gloriosos — desde que ocorram entre marido e mulher.

Pode transar antes do casamento?

Ao contrário do que prega a religião evangélica, Gabriela não se casou virgem — mas este não é um fato do qual se orgulha. "Eu me afastei da Igreja lá pelos 11 anos. Aos 14, perdi minha virgindade. Sentia medo de não conseguir me reaproximar com Deus depois disso. Para me manter em santidade, passei a reprimir o sexo".

Essa repressão não fez bem a Gabriela, que conta ter enfrentado dificuldades para sentir prazer. "Quando eu me casei, enfrentei dificuldades na hora H, sentia dores na relação, não chegava ao orgasmo. Eu não sabia, não entendia, sofria com a questão do desejo. Só transava por obrigação", comenta.

Depois do período afastada da religião, Gabi se reconectou à fé e, durante a faculdade de psicologia, conheceu o seu futuro marido, Fayner. Ambos eram evangélicos e, para tentar viver um relacionamento "sagrado", durante algum tempo de namoro os dois não se beijaram.

"A gentia seguia um namoro em 'defesa da corte' [a corte é pregada pelo pastor americano Joshua Harris, que escreveu um livro no qual defende que casais de namorados não podem se beijar na boca]. Com o tempo, percebi que vários relacionamentos que seguiam essa tese acabavam quando chegava o casamento", comenta.

Na opinião de Gabriela, "se a gente trata o beijo como algo sexualizado, esquecemos que beijar também é uma demonstração de afeto. Me dei conta disso, e eu e Fayner passamos a nos beijar. Quando nos dávamos conta de que o clima estava 'esquentando', entrávamos em 'propósito' juntos, passávamos 1 mês sem nos tocar para esfriar as coisas". Ela acrescenta: "Percebo que dentro do namoro você está ali para conhecer o outro, então o toque é essencial. Se você reprime o toque no namoro, passa a tratar as carícias como algo ruim e é difícil virar a chave depois de casado."

Se você não cultiva o mínimo de afeto no namoro, o mínimo de desejo, quando os dois se casam, vão enfrentar dificuldades de sentir prazer. Esse é o grande problema dos casamentos cristãos: a repressão sexual vem de antes do casamento Gabriela Arruda, sexóloga e pastora

O relacionamento de Gabriela e Fayner avançou e, após um ano e 9 meses de namoro, os dois se casaram em setembro de 2014. Para seguir a fé juntos, ambos mudaram de congregação e passaram a frequentar a Igreja Lar de Ipatinga, onde hoje atuam como pastores auxiliares. O casal também é pai de uma criança de dois anos.

Em defesa de uma sexualidade cristã e saudável

Gabriela e o marido Fayner celebram um casamento juntos. Ambos são pastores e sexólogos - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
Gabriela e o marido Fayner celebram um casamento juntos. Ambos são pastores e sexólogos
Imagem: Arquivo pessoal

Depois da graduação em psicologia, o casal decidiu, em 2017, fazer um curso de formação em sexualidade. Foi aí que Gabriela se aprofundou no assunto, colheu resultados em seu casamento e logo ela e o marido tiveram a ideia de criar um seminário sobre o tema, através de uma ótica cristã, para ajudar outros fiéis a encontrarem o prazer.

"Foi um desafio muito grande levar o tema para a Igreja. Na época, em 2017, éramos pastores de jovens, então começamos a desmistificar a sexualidade para eles", explica. "Muitos adolescentes cristãos ficam perdidos no assunto. Depois que esse fiel casa, vive uma realidade conjugal com várias repressões. Quando a gente prega para jovens solteiros, a gente fala que o desejo existe e não é pecado. Você só precisa colocar ele no seu devido lugar. E como você fará isso? Através do domínio próprio, fruto do espirito".

Ela conta que, no começo, não foi fácil abordar o tema dentro de igrejas e templos. "Enfrentei críticas, falavam que estávamos corrompendo o tema. Mas a gente não fala de uma sexualidade banalizada. As pessoas precisam entender que Deus criou o sexo e ele precisa ser vivido com plenitude".

Dizem que mulher não pode falar de sexo, muito menos uma cristã. Hoje em dia já conseguimos certa liberdade, mas ainda assim existe um tabu muito grande. Isso precisa mudar ou os casais cristãos vão continuar se separando

Para Gabriela, alguns dogmas e mandamentos das Igrejas Cristãs são mal compreendidos. "Sexo não é pecado", argumenta, citando um trecho da Bíblia que se chama "Livro Cantares", em que Salomão se declara para Sulamita, uma de suas esposas. "Esse livro é quase um poema carregado de metáforas sobre prazer e desejo", destaca a pastora.

Ao ser questionada sobre a ideia defendida por muitas igrejas de que sexo só existe para a procriação, ela rebate: "Essa é uma das funções do sexo, mas não é a única. A sexualidade, desde que exercida entre parceiros casados, é um ato glorioso."

Sexo é um ato espiritual, no momento do ato você também está glorificando a Deus. Se o homem e a mulher são casados, a cama deles é um altar. Se estão dando prazer um ao outro, estão glorificando a Deus

Masturbação e pornografia são pecados?

"Sexo não é pecado", diz Gabriela. Na imagem, ela ministra um curso para mulheres sobre sexualidade cristã - Arquivo pessoal - Arquivo pessoal
"Sexo não é pecado", diz Gabriela. Na imagem, ela ministra um curso para mulheres sobre sexualidade cristã
Imagem: Arquivo pessoal

Seguindo essa linha de raciocínio, Gabriela considera a masturbação e a pornografia pecados, pois são ações que visam o prazer individual. "Se a gente estimula a masturbação, tira o foco do casal e nosso interesse não é esse. Além disso, masturbar-se exige imaginação, você precisa pensar em outra pessoa e quem é esse outro? Pode ser algum desconhecido, o que torna o ato um adultério."

Ela defende, contudo, a importância do prazer de ambos os parceiros (no caso, heterossexuais) para um casamento saudável. "A Bíblia nos dá esse aval de que a mulher não está ali só para satisfazer o homem, mas também para sentir prazer", aponta a pastora, que conta já ter atendido fiéis que nunca tinham gozado em 10 anos de casamento.

Em casos de pacientes com anorgasmia (que nunca gozaram), Gabriela trabalha técnicas de autoconhecimento do corpo. "Atendo as mulheres e meu marido, os homens. Peço para elas se olharem no espelho, tocarem a própria pele, descobrirem as áreas erógenas, inclusive dentro da vagina". Mas isso não seria masturbação? "É diferente porque você não está fazendo com a intenção de sentir prazer", responde a pastora.

Depois da aula de autoconhecimento, Gabriela pede que a fiel leve o conhecimento para o esposo. Caso não funcione, ela receita uma terapia conjunta. "O que as mulheres cristãs precisam entender é que sexo é moeda forte, mas não é moeda de troca. Elas precisam validar o próprio prazer, e não usar o ato para chantagear o parceiro. Quando me perguntam se sexo com o parceiro é obrigatório, eu respondo que não — até porque sexo sem consentimento é abuso. Mas o ato é, sim, importante para o relacionamento. Caso os dois não transem, pecados como a pornografia e o adultério podem acontecer."

Sexo dá trabalho, o prazer é a recompensa desse trabalho. Se a mulher invalida o desejo, ela vai ver sempre o sexo como um peso e não como um momento de intimidade do casal

Posso usar um sex toy, pastora?

Brinquedos sexuais, desde que usados em uma relação conjugal, são aprovados pela pastora. "Mas sou contra vibradores. Por que eu vou precisar de um se eu tenho o pênis do meu marido? O vibrador não trata a anorgasmia completa. Talvez a experiência orgástica que ele proporcione seja maior, mas daí você está se colocando em risco de ficar dependente daquilo ", opina.

Ao ser questionada sobre o uso de sex toys que não possuem o formato de pênis, como bullets e sugadores, a pastora se surpreende. "Esses eu não conheço, mas talvez funcionem. Eu apoio que o casal troque carícias entre si, isso não é errado, porque não é um prazer egoísta".

Gabriela lembra que sexo não se resume ao ato da penetração. "Sexo é trabalhado 24 horas por dia, é importante pensar no cônjuge durante o dia, criar uma fantasia sexual com ele. A mente está conectada à vagina".

Pensando nisso, em setembro último ela guiou uma live sobre "Pompoarismo para a mulher cristã", em que uma sexóloga ensinou a técnica de contração vaginal para as seguidoras. "Se a mulher está conectada ao corpo, consegue sentir mais prazer. A partir daí, o sexo melhora. E logo ela percebe que pode ter o marido na palma da mão. Um homem e uma mulher podem sobreviver sem sexo. O casamento, não."