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Luz, transgressão, striptease: o palco de um cabaré no centro de SP

Nathália Geraldo/UOL
Imagem: Nathália Geraldo/UOL

Nathália Geraldo

De Universa

02/10/2019 04h00

De cinco anos para cá, a palavra cabaré esteve na cena da música sertaneja como sinônimo de festa, inspirando de cenografia de show a projeto de DVD com o tema. Em metáforas, os artistas falam ao público sobre a "zona", onde a pegação e a bebida são combustíveis para a diversão. Uma referência no imaginário brasileiro.

Não que isso também não faça parte do clima do Cabaret da Cecília, um espaço cultural aberto há um ano e meio em Santa Cecília, bairro central de São Paulo. Mas lá as referências na decoração de uma casa de diversões do século 20 levam frequentadores e funcionários para o clima burlesco e artístico à meia-luz dos cabarés parisienses — por essa razão, distante dos holofotes dos "cabarés que pegam fogo" na voz dos sertanejos.

No Cabaret da Cecília, se apresentam artistas undergrounds e que se identificam com qualquer orientação sexual e/ou identidade de gênero possível. Mulheres e homens trans, travestis, drag queens e drag kings. Artistas negros também têm protagonismo.

O lugar tem quatro ambientes: a frente, com mesinhas na rua, uma sala de estar, a área do bar, onde há lustres e espelhos, e o subsolo, onde os shows acontecem em um palco baixo, globo espelhado e luzes direcionadas. A capacidade é para 100 pessoas. "Mas, já tivemos noites em que passaram por aqui mais de 300 frequentadores", conta Tiago Santos, sócio do Cabaret ao lado de Priscila Benetti.

O que rola por lá

Cabaret da Cecília - Divulgação - Divulgação
Proprietários fizeram pesquisa visual para que decoração remetesse a cabarés do século 20
Imagem: Divulgação

"A ideia é deixar as amarras lá fora, porque dentro de um cabaré as pessoas se soltam muito. O que a gente quer é mostrar a diversidade das artes do palco, sem preconceitos e julgamentos. Ou seja, no mesmo dia, pode ter um jazz e um striptease, performance de freak show ou extreme body arts", explica o proprietário.

Questionar a normalidade e resistir a preconceitos e tabus são aspectos que pautam as escolhas de programação noturna do espaço. Segundo Tiago, os artistas são livres para se expressar de forma poética, erotizada, bem-humorada, sensualizada. O que querem é reafirmar sua existência e, mais, mostrar a pluralidade que cabe à arte. "Quando você coloca uma travesti para cantar no palco, você já está quebrando regras sociais", diz Tiago.

O Cabaret da Cecília atrai moradores da região, amigos dos proprietários e quem ouve falar do espaço artístico ou vê a transmissão dos eventos pelas redes sociais. Na noite em que Universa visitou o espaço, alguns grupos de amigos e casais se espalhavam pelas mesas em frente ao palco.

Malka, estrela da noite

Cabaret da Cecília  - Divulgação - Divulgação
"Quando você coloca uma travesti para cantar no palco, você já está quebrando regras sociais", diz Tiago, sócio do Cabaret
Imagem: Divulgação

A cantora trans Malka (na foto que abre esta reportagem) foi a estrela da noite -estar em um cabaré nos remete a essa forma de expressão- e apresentou repertório com Bee Gees e "Eu só quero um xodó" (que, ela mesma disse no palco, "não é de Dominguinhos, mas composição de Anastácia [ex-mulher do safoneiro]").

"É muito importante um local de resistência assim, que pense em todo o espectro do LGBT, se preocupe com todas as letras da sigla. Aqui, há um protagonismo variado e os discursos, político, de diversão, se misturam. É válido ter o Cabaret, porque assim a gente ressignifica a sigla dentro do Brasil. A gente sabe que lá fora as lutas têm mais protagonismos e, aqui, algumas são deixadas de lado", explica Malka, que também é produtora e tem carreira musical há 19 anos.

Pegando fogo em Santa Cecília

Tiago Santos Cabaret da Cecília - Nathália Geraldo/UOL - Nathália Geraldo/UOL
Tiago abriu as portas do estelecimento ao lado da sócia, Priscila, há um ano e meio
Imagem: Nathália Geraldo/UOL

Tiago Santos, que é o curador do palco, e a sócia Priscila, que escolhe quem será hostess durante cada semana no estabelecimento, são sócios no Cabaret e já trabalhavam na área cultural. Ela era produtora cultural e ele, jornalista de artes visuais e assessor de imprensa.

"Eu venho da noite underground, mas do nicho da música eletrônica. De qualquer forma, por trabalhar na noite, acabei conhecendo as pessoas que gostam de sair, extravasar. Pessoal do teatro, da música, de hábitos boêmios. Então, vimos uma oportunidade de negócio, justamente nesse momento de retrocessos [no país] para montar um lugar de arte transgressora."

Inicialmente, o espaço seria um café literário. Amigos convenceram Tiago e Priscila, então, a montarem um cabaré, com pesquisa visual que transformou a casa abandonada da rua Fortunato. O entorno também ganhou novos restaurantes, bares e pontos comerciais que revitalizaram a via.

O Cabaret tem bar (com drinks a partir de R$ 10) e cozinha com petiscos e sanduíches. Não cobra couvert artístico e passa o chapéu para contribuições do público após as apresentações. Funciona de terça a sábado, das 20h às 2h.