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Negro e gay, ele recebe apoio da mãe: "Sem cumplicidade, como fica a vida?"

Arquivo Pessoal/Arte UOL
Imagem: Arquivo Pessoal/Arte UOL

Nathália Geraldo

De Universa

20/09/2019 04h00

Caio Baptista Antonio, publicitário, 28 anos, é negro e se define como gay/queer. Sua orientação sexual foi assunto dividido ainda na adolescência com a cunhada, depois com o irmão, Dante, que achou importante que ele contasse sobre a homossexualidade para a mãe.

Maria Aparecida Baptista, hoje com 61 anos, soube quando ele tinha 16 anos. Foi aí que Cida, como é chamada por parentes e amigos, passou a levantar a bandeira da causa. Ela faz parte da ONG Mães pela Diversidade que, mais do que dar suporte à pessoa LGBTQI+, apoia a família que reconhece um filho, sobrinho ou parente que nasceu "Longe da Árvore" da heteronormatividade que vivemos na sociedade.

Queer, aliás, é uma denominação usada por quem se diz "não exclusivamente heterossexual" ou ainda para descrever a identidade e/ou a expressão de gênero de uma pessoa. A definição está no Manual de Comunicação LGBTI+ da Unaids, Programa Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/AIDS do Brasil.

A história de Caio e Cida é a segunda contada por Universa de uma série de reportagens sobre núcleos familiares que enfrentam preconceitos e batalhas simplesmente por terem indivíduos que ousam não esconder quem são. O tema é mote do documentário "Longe da Árvore", inspirado no best-seller de mesmo nome, de Andrew Solomon, lançado na quinta-feira (19). O filme tem sessões gratuitas em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre, em salas do Itaú Cinema, até domingo, com horários de exibição sob consulta.

"Meu pai era gay. Meu filho também é"

A história de Cida começa antes. Seu pai era gay, mas nunca saiu do armário. "Na época dele, não era normal se assumir diante da sociedade e ele morreu depressivo de cirrose hepática, porque ele se escondia na bebida. Para minha avó, era difícil de entender e eu só fui me acertar com ele pouco antes de ele morrer, quando ele tinha 41 anos, em 1974", ela diz.

Quem a criou foi a avó paterna, no Bom Retiro [bairro de São Paulo], já que sua mãe, avó de Caio, era empregada doméstica e não tinha condições.

Ela diz que não teve a percepção de que o filho era gay. Via algumas coisas no computador, mas pensava que ele estava no período de 'se descobrir'. Quando Caio tinha 16 anos, foi contar para a mãe. "Eu não tive nenhum problema com isso, fui contar para todo mundo, diferentemente da minha avó, que queria esconder. Ninguém tinha que censurar nada", ela fala.

Antes de se declarar LGBT, ele sofreu racismo

Caio sofreu um episódio de racismo com 13 anos, no Orkut. Escreveram uma frase: 'se você tem alguma coisa contra negros, vingue-se do pretinho' e, ao clicar, aparecia uma foto dele. A mãe tomou a frente do caso e conseguiu que as pessoas que fizeram isso fossem punidas com trabalho para a comunidade (não foram presos porque eram menores de idade). "Eu tinha medo de que fizessem mal para ele", ela diz.

O 'combo' intensifica o preconceito

A dupla opressão em potencial frente ao racismo e à homofobia, infelizmente, faz parte da trajetória do publicitário. "Ser negro e ser gay pra mim já foi muito difícil, hoje estou em alguns espaços que me garantem alguns privilégios. Mas, é um embate eterno por visibilidade, afetividade, respeito", diz Caio.

Ela afirma que a comunidade LGBT, e os gays, especialmente, ainda são bem racistas e excludentes. Mas acredita também que a comunidade negra ainda precisa aprender muito a lidar com vidas LGBTs: "A marginalização já se dá pela cor da pele. O 'combo' só intensifica o preconceito e acaba por prejudicar nossas vivências", reflete.

Por isso, ter um lar em que pudesse se apoiar, ser ele mesmo e buscar as próprias coisas foi fundamental. "O olhar de minha família para respeitar, entender e ser empático a quem eu sou foi o que me ensinou a ser empático com todos a meu redor".

"Estamos em uma sociedade que prepara a família para um cenário único sobre seu gênero de nascimento. Não se levam em conta nuances e diferenças que existem nisso. Com a minha família não foi diferente. O que pegou em casa, como no caso de muitas famílias, foi a falta de informação inicial. Mas, o apoio deles foi uma das coisas que mais me deu força e tranquilidade pra ser o homem gay/queer que eu sou hoje. Ser quem eu sou neste país -- onde um LGBT morre a cada 24h ou menos, e onde homens negros são assassinados todos os dias -- é uma questão de resistência".

Acolher o filho, para Cida, se tornou a única via para mostrar que a pessoa "Longe da Árvore" também pode ter uma narrativa de amor.

"Nem todos têm a família que o Caio tem. Alguns são expulsos de casa, outros sofrem homofobia dentro da família. Eu e ele temos muita cumplicidade. Sem ela, como é que fica a vida?".