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Nina Lemos

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Renato Kalil: privilégio protege acusados de abuso com carreiras de sucesso

O médico Renato Kalil, acusado de violência obstétrica contra a influencer Shantal Verdelho - Reprodução/Todo Seu no YouTube
O médico Renato Kalil, acusado de violência obstétrica contra a influencer Shantal Verdelho Imagem: Reprodução/Todo Seu no YouTube

Colunista de Universa

21/12/2021 04h00

No site de sua clínica, o médico ginecologista e obstetra Renato Kalil, de 60 anos, enumera alguns de seus feitos. Orgulhoso de seus 35 anos de carreira, conta que estudou nas melhores universidades de São Paulo e realizou partos em hospitais de elite, como o Albert Einstein e o Sírio-Libanês. O site traz também uma extensa lista de participações do médico em programas de TV, revistas, sites e programas de rádio.

Toda essa fama do médico, conhecido por fazer os partos de famosas do eixo Rio-São Paulo, começou lá pela metade dos anos 2000, quando ele passou a ser assunto de matérias sobre "médicos mais disputados" do Brasil.

O que a gente não podia imaginar: há 30 anos, muito antes de ele ter se tornado famoso, de acordo com denúncia da bancária Letícia Domingues, ele teria abusado sexualmente dela, então sua paciente. Ela contou que foi abusada durante um procedimento na Santa Casa de São Paulo em 1991. "Eu acordei com ele em cima de mim, com o pênis na minha boca", contou.

Uma ex-funcionária do médico fez declaração parecida. Ela disse ter sofrido assédio dentro da casa do médico, que teria "tocado nela" e "forçado relações sexuais".

Os depoimentos foram exibidos no programa "Fantástico", da TV Globo, junto com os de outras mulheres que passaram a denunciar o médico após vazarem áudios da influenciadora Shantal Verdelho narrando a conduta do médico no parto de sua segunda filha, Domênica.

As denúncias são escabrosas, e é assustador que venham acontecendo há tanto tempo.

Entre a época em que teria ocorrido esse primeiro caso no começo dos anos 90 e agora, ele abriu uma clínica de luxo em um bairro nobre de São Paulo, recebeu atenção da mídia e conquistou centenas de clientes. Entre elas, todas essas mulheres que agora o denunciam.

Se o que a bancária diz for verdade (e acredito firmemente que seja, uma mulher não se expõe assim por nada), é provável que o médico tenha praticado abuso por, no mínimo, 30 anos, praticamente todo o tempo em que construiu uma carreira de sucesso.

Como isso é possível? Carisma, com certeza, ele sempre teve. Lembro de uma época em que trabalhava em uma revista que tinha um plano de saúde que dava direito a consultas com Renato Kalil. Isso aconteceu lá por 2005 e ele não era tão famoso como agora. Mas várias mulheres que trabalhavam comigo (todas inteligentíssimas) viraram suas clientes e falavam que ele era o máximo. Por pouco, não virei sua paciente também.

Homem de privilégios

Além do carisma e de alguma competência que ele deve ter, o que faz com que uma pessoa possa virar um representante da elite dos médicos do país ao mesmo tempo em que pratica abuso sexual, moral e psicológico por mais de 30 anos?

Em grande parte, o privilégio. Renato Kalil é um homem branco, bem nascido, de uma família de médicos. Ele é irmão do famoso cardiologista Roberto Kalil. Entrou na sociedade paulistana pela porta da frente.

Mas ele não é o único suposto abusador protegido pelo privilégio. De jeito nenhum. A lista é imensa e incluiu desde representantes brasileiros como o empresário Saul Klein e o médico Roger Abdelmassih a nomes da elite internacional, como Jeffrey Epstein.

Esses tipos, além de construírem carreiras de sucesso e boas reputações, demoram muito a pagar criminalmente pelos seus crimes. Isso quando pagam, já que muitos ficam impunes, pois possuem bons advogados e a pompa de "cidadãos do bem". Pelas vítimas, espero de verdade que esse não seja o caso de Renato Kalil.