Topo

Isabela Del Monde

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Para se defender, Cuca expôs esposa e filhas, como fazem agressores

Colunista de Universa

27/04/2023 04h00

Receba os novos posts desta coluna no seu e-mail

Email inválido

Quando um caso de estupro ou assédio envolve uma figura pública, é comum que acusados e condenados recorram às mulheres de sua família, especialmente esposas e filhas, como justificativa de que jamais agiriam de forma inadequada com uma mulher ou uma menina, pois elas estão a sua volta. Foi isso o que fez o agora ex-técnico do Corinthians, Cuca, ao vir à tona sua condenação, em 1989, por um caso de estupro contra uma menina de 13 anos, na Suíça. Cuca anunciou a saída do time na noite da quarta-feira (26), após muita pressão desde que foi contratado.

Esse argumento segue a mesma linha de quem diz que não é racista porque até tem um amigo negro. Oras, se ter mulheres em sua vida significasse que um homem não agiria de forma inadequada ou violenta, simplesmente não teríamos nenhum caso de violência doméstica ou sexual de homens contra mulheres em nenhum lugar do mundo. Esse argumento tem tanto sentido quanto defender que a terra é plana.

Além disso, ao usar suas esposas, mães e filhas como prova de candura, acusados e condenados por violência sexual estão impondo sobre elas a responsabilidade de chancelarem sua inocência simplesmente por fazerem parte da vida dele. Algo como: "Você acha que elas estariam ao meu lado se eu tivesse estuprado alguém"? E a resposta é sim, estariam.

São as mulheres que são abandonadas por suas famílias quando são condenadas por crimes. Há várias pesquisas e reportagens que mostram que mulheres encarceradas são abandonadas especialmente pelos seus maridos e não recebem visitas nem apoio, como o jumbo, quando se veem diante do sistema penal. Já nos presídios masculinos, as filas de mulheres para fazer visitas são sempre longas e inabaláveis.

O abandono diante de uma situação difícil, infelizmente, acompanha as mulheres. Segundo a Sociedade Brasileira de Mastologia, 70% das pacientes com câncer de mama são rejeitadas por seus maridos e companheiros quando recebem o diagnóstico ou começam o tratamento, por exemplo. São, portanto, as mulheres que permanecem, e os homens que desaparecem quando desafios da vida aparecem, sejam quais forem. Vale lembrar que, no Brasil, há mais de 6 milhões de pessoas sem o nome do pai ou da mãe na certidão de nascimento?

As mulheres da família de um acusado ou condenado, especialmente quando esse homem é uma figura pública, são pressionadas pelo próprio sujeito ou por suas assessorias a posarem do lado dele com um leve sorriso no rosto, uma roupa clara e discreta e, preferencialmente, em silêncio. Cuca também seguiu isso: em uma entrevista à colunista do UOL Esporte Marília Ruiz, em 2021, ele levou esposa e filhas para a conversa com a jornalista.

Elas muitas vezes pressionadas a maquiar sua consternação e sua tristeza para serem expostas como evidências de que seu marido jamais faria algo contra uma mulher. Se você tem mais de 35 anos, certamente se lembra do que Hillary Clinton passou quando seu marido, o então presidente dos EUA Bill Clinton, foi acusado de manter relações sexuais inapropriadas com uma funcionária da Casa Branca.

Toda minha solidariedade às mulheres da vida de um acusado ou condenado. Muito provavelmente elas não recebem amparo e têm pouca ou nenhuma margem para escolherem como se posicionarão diante de uma situação assim, especialmente se o homem em questão é famoso. É óbvio que uma esposa e filhas podem escolher ficar ao lado de um acusado ou condenado por violência sexual, mas que seja uma escolha livre e consciente, e não uma pressão para que participem de um teatro em que seus sentimentos e seu luto tenham que ser omitidos pela semiótica do bom pai de família.