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Isabela Del Monde

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Vitória das mulheres: médico não pode denunciar paciente por aborto ilegal

Colunista de Universa

16/03/2023 04h00

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Nesta semana, o STJ tomou uma decisão muito importante para as mulheres brasileiras. O tribunal decidiu que médicos e médicas não podem mais denunciar para a polícia pacientes que tenham buscado ajuda por consequências da realização ou tentativa de realização de abortos ilegais.

Como sabemos, no Brasil, o aborto é autorizado em casos de estupro, de risco de vida da mãe e de fetos anencéfalos. Entretanto, isso não impede que mulheres realizem abortos clandestinos pelos motivos que sejam. Por causa dessa clandestinidade, mulheres muitas vezes são forçadas a usar métodos que as machucam ou as colocam em risco e, por isso, precisam de atendimento médico.

No caso concreto que motivou a decisão do STJ, o médico atendeu uma paciente que realizou um aborto com 16 semanas de gestação, reportou o caso à polícia e, dessa investigação, emergiu um processo penal no qual o profissional testemunhou contra a sua própria paciente, além de ter entregado, sem sua autorização, o prontuário médico dessa mulher.

Com a decisão, o STJ encerrou quaisquer perseguições contra essa paciente e unificou o entendimento de que prevalece a obrigação do sigilo profissional, estando médicos e médicas proibidos de "revelar segredo que tem conhecimento", conforme o voto do relator do caso, o ministro Sebastião Reis.

Essa decisão é importante porque garante que mulheres e demais pessoas que engravidam possam buscar apoio médico tranquilamente caso sofram complicações por um aborto ilegal. Infelizmente, é muito comum que enfrentem sozinhas os danos causados por um procedimento clandestino, justamente porque sentem medo de serem denunciadas pelos profissionais médicos que as atendem.

O acesso à saúde não deve ser limitado por qualquer motivo, muito menos pelo medo de sofrer um processo penal. E muitas vezes é pela rede de saúde que mulheres acessam acolhimento jurídico e psicossocial. A natureza dos serviços de saúde serem do tipo portas abertas, sem necessidade de agendamento prévio, é justamente um pilar de garantia de acesso a outros direitos.

A decisão do STJ também é muito importante para médicos e médicas porque havia uma grande insegurança jurídica, especialmente entre médicas que são favoráveis à legalização do aborto ou ao acesso ao aborto legal, quanto ao que fazer. Por um lado, sabem que têm a obrigação de sigilo mas, por outro, recebiam uma série de desinformações quanto a uma suposta obrigação de reportarem para a polícia pacientes que recorreram ao aborto ilegal.

O que quero frisar aqui é que se você precisar recorrer ao aborto ilegal e tiver complicações, não deixe de buscar apoio médico. Sua vida e sua saúde são, com esse entendimento do STJ, mais importantes para o direito do que a sua conduta de optar pelo aborto ilegal. Se você for médica ou médico, saiba que você não tem quaisquer obrigações de avisar a uma autoridade pública a escolha da sua paciente. O que prevalece é o seu sigilo profissional.

Por fim, caso você esteja enfrentando ou venha a enfrentar algum médico ou médica que te ameace ou te denuncie, saiba que você pode buscar apoio na defensoria pública do seu Estado ou com uma advogada particular para solicitar uma indenização, bem como a interrupção de qualquer investigação ou processo contra você. A prova do aborto vinda pela quebra do sigilo médico é ilegal, e qualquer andamento jurídico iniciado a partir de uma prova ilegal é nulo.