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Isabela Del Monde

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Não há como recontar tentativas de matar Maria da Penha com tiro e choque

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Imagem: Reprodução

Colunista de Universa

02/09/2021 04h00

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Não há justificativa para quem tentou assassinar Maria da Penha duas vezes

Maria da Penha Maia Fernandes, uma mulher hoje com 76 anos, é uma brasileira farmacêutica bioquímica, formada pela Faculdade de Farmácia e Bioquímica da Universidade Federal do Ceará e mestra em Parasitologia em Análises Clínicas na Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP. Também é palestrante, fundadora do Instituto Maria da Penha e, claro, nomeia uma das leis mais importantes e conhecidas do país.

Mesmo tendo sida vítima de duas tentativas de assassinato pelo seu marido e pai de suas três filhas, uma delas quando já estava paraplégica devido ao tiro que seu marido deu em suas costas enquanto ela estava dormindo, ela dedicou 19 anos de sua vida para que todas as demais meninas e mulheres brasileiras pudessem ter uma vida livre de violência.

Assim que seu marido, um homem colombiano, conseguiu a sua cidadania brasileira, facilitada pelo casamento com Maria da Penha, ele começou a agredi-la, assim como as crianças. Depois de não ter conseguido matá-la com o tiro, ele tentou eletrocutá-la no banho. Sim, ele não foi preso nem afastado dela depois da primeira tentativa, tendo tido todo o tempo e espaço para cometer a segunda tentativa.

Esse homem que tentou ser um assassino por duas vezes foi julgado apenas 8 anos após o crime e saiu do fórum em liberdade. Em segundo julgamento, em 1996, mais uma vez ele não foi preso. Por conta dessas violações do sistema de justiça aos direitos de Maria da Penha, o caso foi levado para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA).

Em 2001, o Estado Brasileiro foi responsabilizado pela CIDH: negligência, omissão e tolerância em relação à violência doméstica praticada contra as mulheres brasileiras. Uma das recomendações ao Estado Brasileiro feita por aquela Comissão era de "prosseguir e intensificar o processo de reforma que evite a tolerância estatal e o tratamento discriminatório com respeito à violência doméstica contra mulheres no Brasil". E apenas em 2002 o agressor foi preso.

A partir disso, formou-se um consórcio de ONGs de mulheres e de feministas e juristas especialistas para redação do projeto de lei que gerou a lei 11.340/2006, a querida e necessária Lei Maria da Penha. Importante destacar que o PL foi aprovado por unanimidade tanto na Câmara dos Deputados como no Senado Federal e foi sancionada sem vetos pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Maria da Penha foi homenageada com seu nome na lei e indenizada pelo estado do Ceará, onde ocorreram as violações institucionais do sistema de Justiça contra ela, inclusive a violação que permitiu ao agressor que ele tentasse matá-la novamente. Devido à relevância de todo seu trabalho, ela foi indicada para o prêmio Nobel da Paz em 2017.

Intrigante, portanto, é a força, a fibra e a honradez dessa mulher que transformou a sua dor e o trauma em ação para melhorar a vida de todas as brasileiras. Intrigante é seu caráter amoroso e pacificador. Intrigante é como ela conseguiu ser maior que a raiva, o rancor e o desejo de vingança e dedicou sua energia para que pudéssemos ter uma das três melhores leis do mundo para mulheres e meninas.

As mulheres brasileiras não permitirão que congressistas oportunistas, que faço questão de não nomear, tentem, ainda que por um segundo, recontar a história de Maria da Penha. Se você acredita que há algo de intrigante na história do outro lado que pode, de qualquer forma, justificar um homem que foi condenado e preso por duas tentativas de assassinato contra a mãe de suas próprias filhas, você não nos deixa outra opção a não ser pensar que você é igual a ele ou concorda com o assassinato de mulheres.

*Com informações obtidas no site do Instituto Maria da Penha