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Opinião

Ela se afasta, ele aparece: a manipulação emocional que dificulta o término

Quando ele liga para ela angustiando, a procura de uma opinião sobre alguma coisa, ele sabe que pode contar com uma cuidadosa observação: ela vai lhe falar a verdade, (a verdade dele, claro), apontando as dificuldades, ponderando porquês, e sugerindo caminhos e soluções. Susana também faz isso quando Pedro não pede, mais precisamente quando ela está com raiva dele, mas as relações humanas são assim mesmo, é difícil ter do outro somente uma versão guiada pelos desejos individuais.

Naquele dia, suas observações sobre o comportamento no trabalho fizeram tanto sentido, que ele reafirmou o seu amor por ela, dizendo que Susana é a melhor amiga que ele tem na vida e finalizando com um sonoro e gostoso eu te amo. Combinaram de se encontrar a noite. Pedro estava mais carinhoso do que nunca e tiveram mais uma noite regada a muita intimidade emocional e sexual.

Não fosse o fato de eles não serem mais namorados há 1 ano, o reconhecimento do amor fraterno serviria para reafirmar a importância da escolha amorosa. Mas para eles, que vivem na corda bamba do compromisso romântico, esse é mais um daqueles momentos em que Susana espera finalmente que Pedro resolva reatar o relacionamento.

Afinal, no final de semana passado, eles foram juntos visitar um irmão dela, uma demonstração clara da disponibilidade dele, já que na época do namoro ela reclamava da má vontade dele em participar dos eventos familiares dela. Chegaram a passear pelo condomínio fazendo conjecturas sobre como seria interessante morarem lá.

Há quase 1 ano que eu acompanho Susana na tentativa de se desvencilhar dessa relação, mas é assim: toda vez que ela se afasta, ele aparece, deixando a possibilidade do retorno quase explicita. Ela passa horas tentando traduzir as suas palavras e checa comigo a intenção dele sobre o que quis ou não dizer. Como quando ele mandou uma mensagem falando que estava com saudades e que as vezes pensava que morar junto com ela seria a solução...para depois de 5 minutos mandar um "se empolga não".

Noutro dia, quando ela estava mais segura de que o afastamento precisava acontecer para se livrar desse enredamento emocional, ele manda, do nada, uma notícia sobre um casamento surpresa que amigos haviam preparado para os noivos, que haviam adiado a cerimônia.

Embora o meu trabalho esteja focado em ajudar que ela compreenda suas emoções e não as dele, eu confesso que tem horas que eu preciso respirar fundo para não transparecer o incômodo de testemunhar o tamanho da manipulação emocional. Eu tomo o maior cuidado da vida para não ser parcial, olhar para o todo e não julgar: meu foco está na dinâmica que a pessoa estabelece, mas eu não sou de ferro. Eu fico com aquele olhar do tipo: Você tá entendendo, né, querida? Vamos fazer o quê com essa realidade aí?

É claro que não tem só ele nessa história. Óbvio. É uma dinâmica retroalimentada. Tenho certeza que a terapeuta dele, lá do outro lado, tá com a mesma impressão que eu, do lado de cá.

Ela alimenta essa relação, assumindo o lugar da mulher que luta para ser finalmente escolhida. Um papel aprendido, que encontra ressonância na história da própria família. A mãe de Susana vive perseguida pelo fantasma da infidelidade do marido, pai dela. As possibilidades de traição que aconteceram anos antes rondam o seu imaginário diariamente, promovem brigas e são o motivo para a mãe dela ficar no encalço do pai. Mas essa mãe sofredora, que vive vociferando problemas com o marido é a mesma que passa as noites fazendo sexo com ele. Susana entendeu que, as relações podem ser verdadeiramente contraditórias e se viu na mãe.

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O que faz uma pessoa viver buscando a legitimidade ou o reconhecimento de que enfim merece o lugar da exclusiva, a número um, pode ser exatamente toda a dinâmica estabelecida, o movimento. Durante o dia, a dúvida, durante a noite, a prova. Eu sei que só o fato de fazerem sexo pode não "provar" nada, mas nós seres humanos, embora criativos, atuamos de modo muito limitado, criando comportamentos condicionados para dar respostas às mesmas perguntas que nos angustiam. E nesse sentido, de novo Pedro não decepcionou.

Voltando a semana passada, após a noite de intimidade e amor, ao acordarem, no dia seguinte, ele "terminou" o relacionamento com Susana, sem mesmo ter em algum momento reatado. Disse que ela era uma grande amiga, mas que ele não podia assumir um compromisso com ela. E depois de passarem algumas horas despedindo-se, com lágrimas nos 4 olhos, ele se foi.

Ao menos até a semana que vem!

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

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