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Sem você saber, empresas estão coletando (e revendendo) dados do seu carro

Privacidade e coleta de dados ainda são temas pouco discutidos no mercado de automóveis - Getty Images
Privacidade e coleta de dados ainda são temas pouco discutidos no mercado de automóveis Imagem: Getty Images

Cláudio Gabriel

Colaboração para Tilt

19/08/2022 04h00

O caminho que você faz até o trabalho. A temperatura do seu ar concidicionado. Quantas vezes você abre a porta. A presença ou não de alguém no banco do passageiro. Essas e muitas outras informações já são coletadas pelos carros mais modernos, movimentando uma indústria de dados bilionária. E ninguém te contou.

Uma reportagem do site The Markup descobriu que pelo menos 37 empresas coletam esse material e o revendem. Segundo analistas, esse comércio pode pode chegar a valer US$ 800 bilhões até 2030 (ou seja, mais de R$ 4 trilhões).

De certa forma, não deveria ser uma surpresa. Se aplicativos, sites, celulares e computadores já recolhem nossas informações, de modo a oferecer anúncios mais apropriados ao nosso perfil, por que carros não fariam? O problema é que, nos carros, a prática ainda é menos clara para o usuário.

A maior parte das empresas desmascaradas se concentra no ramo de navegação. Elas atuam, especialmente, quando o motorista utiliza o GPS para se deslocar e descobrir o melhor caminho. A frequência de ida até algum lugar, registros de acidentes e engarrafamentos são alguns dos dados que podem ser coletados.

Companhias de seguro e de telecomunicações também estão na lista.

Como funciona?

Mesmo carros não-autônomos já realizam o procedimento. Se há atividades ou recursos automatizados no seu veículo (como o detector de uso do cinto de segurança, por exemplo), ele já pode gerar dados coletáveis.

A intenção original, como sempre, é que a análise de dados faça o sistema operacional do veículo se adpatar melhor ao seu usuário. Mas, segundo o site The Markup, quem mais se beneficia são as próprias montadoras e seus parceiros.

Mesmo sem a autorização expressa (ou ciente) do consumidor, eesas informações são usadas, por exemplo, no design de novos produtos, na motnagem do carro ou até na definição do aplicativo de música embedado no sistema de navegação da montadora.

"O que deu origem a essa indústria [de dados] é que a maioria das fabricantes de veículos reconheceu que são melhores na fabricação de carros do que no processamento e manuseio de dados", afirmou Andrew Jackson, diretor de pesquisa do Ptolemus Consulting Group, que estuda a indústria de veículos conectados.

O mercado vai crescer ainda mais com a disseminação de carros autônomos, que têm uma relação ainda mais dependente (e voraz) com os dados que armazenam a partir do uso do veículo, sua relação com outros veículos e até com certos pontos da cidade. Já que não dependem muito da ação humana, os dados chegam completamente esmiuçados para serem vendidos.

Já acontece no Brasil?

Entre as empresas descobertas pela reportagem, apenas duas operam em solo brasileiro, mas de maneira tímida. Uma é a INRIX, que utiliza por aqui a plataforma ParkMe, para ajudar no estacionamento.

Em nota, o CEO Mark Daymond disse que "a INRIX não transfere ou troca dados brutos para clientes de dados. Analisamos dados anônimos e agregados e criamos produtos a partir deles, depois distribuímos esses produtos aos clientes. As identidades dos indivíduos são irrelevantes para o nosso negócio".

A outra é a Here, especializada em navegação. A empresa declarou que "os dados e serviços da Here alimentam a navegação passo a passo do veículo, informações de tráfego em tempo real e vários serviços para sistemas de veículos elétricos, conectados e automatizados. Os produtos licenciados da Here usam dados agregados e anônimos. A privacidade dos dados é fundamental. A HERE implementou tecnologias avançadas de anonimização que removem atributos de identificação pessoal dos dados, preservando assim os direitos de privacidade dos indivíduos".

Carros conectados

As gigantes da navegação por GPS sempre admitiram que coletam dados. A própria Waze, por exemplo, admite que armazena informações de todas as vias em que a pessoa irá passar ou passou.

Algumas montadoras também têm seus próprios sistemas de navegação integrados nos automóveis. A Fiat, uma das marcas mais populares no Brasil, desenvolveu a plataforma Fiat Connect////Me. Ela pode ser emparelhada via smartphone ou smartwatch e aceita até comando de voz em alguns modelos, como o novo Pulse.

De acordo com a empresa, os dados do mapa embarcado não são usados para nenhuma outra utilidade.

Já os do Connect////Me "são utilizados para oferecer mais comodidade, segurança e tranquilidade dentro e fora do carro com os serviços de segurança, socorro inteligente, controle do veículo à distância e mapa inteligente. Além disso, os dados também são utilizados internamente pela Stellantis (grupo formado por Fiat, Jeep, Peugeot e Citroën) para melhoria dos seus processos, produtos e serviços".

Os carros fabricados pela Mercedes no Brasil também coletam tudo sobre o motorista pelo sistema de navegação. A Porsche é outro que fala abertamente sobre o tema. Ambas não responderam os questionamentos da reportagem de Tilt, mas dizem em publicações oficiais que as informações servem para ajudar na melhora da navegação e na experiência do usuário.

No Brasil, ainda não há nenhuma informação sobre venda do que é captado por todas as empresas citadas.