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Origens

Quem não sabe de onde veio não sabe para onde vai


Após reportagem, vereadora propõe dar testes de DNA à população negra

Ruam Oliveira

Colaboração para Tilt, de São Paulo

26/05/2021 09h51

Quanto custa saber de onde vêm as suas raízes? Saber de qual região do mundo os seus avós, bisavós e outras gerações vieram? Quais são os impactos dessas descobertas na vida de uma pessoa? No rastro da série de reportagens "Origens", de Tilt, uma vereadora de São Bernardo do Campo apresentou proposta de lei que prevê a distribuição gratuita de testes de DNA à população negra. Em São Paulo, um parlamentar sugeriu antes uma iniciativa na mesma linha.

Na tarde desta terça-feira (24), a vereadora Ana Nice (PT), de São Bernardo do Campo, protocolou um Projeto de Lei que institui o programa "São Bernardo do Campo DNA África". O objetivo é oferecer testes de DNA gratuitos e o mapeamento genético para descendentes de negros africanos escravizados no Brasil.

A vereadora destaca que implantar um projeto de lei que caminhe nesta direção de recuperação da memória da população negra é também um mecanismo de reparação. "O Brasil tem uma grande dívida histórica com a população negra", destaca.

"Comecei a me perguntar sobre as referências que temos", acrescenta a vereadora. Refletindo sobre os debates apontados pela série "Origens" e pelos depoimentos dos entrevistados, Nice diz que ouve-se muito falar sobre festas italianas, bairros que valorizam a cultura japonesa, como a Liberdade (em São Paulo), por exemplo, e em muitos casos as referências da população negra são associadas de maneira negativa e, por vezes, pejorativa. Inclusive nos livros de história.

O PL protocolado pela vereadora Ana Nice não é o único com o mesmo objetivo. Em abril deste ano, o vereador Antônio Donato (PT) também protocolou o PL 01-00258/2021 que solicita a implantação do "Programa São Paulo DNA África".

O artigo 3º da PL destaca que "o Poder Executivo, através da Secretaria Municipal de Promoção da Igualdade Racial e Secretaria Municipal de Saúde, deverá fazer o credenciamento de laboratórios que detenham a tecnologia para a realização dos exames de DNA e Mapeamento Genético de Ancestralidade, de forma a viabilizar a oferta gratuita para realização dos exames por cidadãos DNAEBs".

DNAEBs é a sigla para Descendentes de Negros Africanos Escravizados no Brasil e, no entendimento do projeto, se enquadram nesta categoria pretos, pardos ou denominação equivalente conforme critérios seguidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

"O projeto é uma espécie de reparação histórica aos afro-brasileiros e uma contribuição a aqueles interessados em saber suas origens. Se a cidade de São Paulo é a potência econômica que conhecemos hoje, muito se deve ao trabalho obrigatório e gratuito dos africanos escravizados por aqui", afirma Donato.

"Permitir à população negra saber de suas origens é mais um passo no sentido de reconhecer seu valor e seu papel histórico", acrescenta o vereador.

Para Ana Nice, esse tipo de projeto é também uma maneira de construir referências para as gerações que estão por vir. Mulher negra e militante, ela afirma que fará o teste também assim que for possível e viável, e caso o PL seja aprovada. No entanto, ela afirma que não consegue dizer com precisão a respeito de suas próprias expectativas com o que pode descobrir.

"Eu perdi minha mãe materna com 5 anos, também perdi meu pai muito cedo. Não consigo precisar uma expectativa porque não conheço quase nada da minha família. É muito distante ter [que pensar em] qualquer tipo de expectativa".

A vereadora torce, contudo, para que o PL seja aprovada e que mais pessoas tenham acesso aos testes genéticos. "Que o executivo aqui de nossa cidade implante de forma inédita o direito do povo negro fazer o exame de DNA para resgatar sua história, sua memória e ancestralidade e, quem sabe, ir até sua cidade natal", diz.

O exame de DNA se popularizou. Mais barato e fácil de fazer, ele virou uma ferramenta para resgatar a ancestralidade negra do povo brasileiro. Diversas personalidades toparam fazer o teste e olhar para essa cicatriz histórica. Agora é hora de contar o que elas descobriram e de onde vieram.