DNA é sobre quem está com você na sua veia

Thaíde | Por Guilherme Tagiaroli, repórter de Tilt

O exame de DNA se popularizou. Mais barato e fácil de fazer, ele virou uma importante ferramenta para resgatar a ancestralidade negra do povo brasileiro. Tilt propôs, e 20 personalidades toparam fazer o teste e olhar para essa cicatriz histórica gerada pela escravidão no Brasil (veja abaixo). Se você quer entender o papel da ferramenta genética e como o Estado brasileiro moeu memórias, leia o texto "Quando o DNA diz de onde vim", que dá início ao projeto documental Origens. Agora, é hora de elas contarem o que descobriram e de onde vieram. Com a palavra, Thaíde:

É muito louco como aqui no Brasil não temos essa questão da árvore genealógica, não sabemos muito de onde viemos e o que aconteceu no passado."

Este é um capítulo da série

Origens

Quem não sabe de onde veio não sabe para onde vai?

O rapper, produtor e apresentador Altair Gonçalves, o Thaíde, 53, sempre esteve envolvido com o movimento negro. Foi pioneiro do hip-hop de São Paulo, ganhou prestígio nacional e marcou presença em programas ou filmes, sem nunca deixar de mandar a letra.

Ainda assim, faltavam muitos detalhes sobre suas raízes africanas. Ele participou do projeto Origens para saber qual a composição genética do seu sangue, mas diz que, desde então, precisou lidar com um novo mundo de perguntas. Agora, pensa até na possibilidade de revirar caixas de fotos, acessar uma tia idosa e cavar os detalhes.

Ele pertence a uma família de matriarcas, que contavam muitas "histórias doidas" de quem veio antes, mas sem ordem cronológica, nomes específicos ou datas. "Eram histórias folclóricas, que passavam da avó para a mãe. Minha vó dizia que meu bisavô era feiticeiro e tinha um livrinho com várias coisas anotadas que faziam coisas sobrenaturais acontecer", explica.

"Hoje penso, deveria ter gravado e perguntado mais."

O arrependimento ficou, mas o o resultado do exame de DNA ajudou a dar mais elementos reais para as "lendas" e completar as conversas daqueles que estavam sempre focados em sobreviver ao agora.

Agora ligue o som, no canto superior direito.

Thaíde foi criado pela avó, a quem chama de mãe, e só sabia de concreto é que os parentes viveram em Serra Negra (a 102 km de São Paulo) antes de chegarem à zona sul de São Paulo. Da parte do pai, não há informação, pois ele o abandonou quando criança.

Como muitas famílias pobres, teve uma "vida nômade de quem não tem casa própria". Nasceu em Cidade Ademar e zanzou por bairros do extremo sul, como Vila Missionária, Vila Joaniza, Valo Velho e Vila Santa Catarina. Ali, aprendeu sobre a cultura negra em escolas de samba e bailes black e mergulhou na religião de matriz africana. "Que me ajuda não só para seguir o meu caminho, mas também na minha ancestralidade."

A busca por sua origem veio menos do desejo de preencher essa árvore genealógica e mais da inquietação que o contexto social ao seu redor evidenciava. Na favela, ele percebeu que era comum as famílias negras viverem todas num mesmo espaço.

"Comecei a me ligar: 'peraí, tem outros lugares, só com pessoas brancas, que é tudo legal'. Foi daí que veio a parada de saber por que a gente vive dessa forma, de onde a gente veio."

Outras angústias vieram nesse processo: "O que me preocupa é isso: a gente vai esquecendo as coisas [da família], porque não tem mais com quem falar. Se eu ligar para qualquer pessoa e perguntar: você lembra do tio João? Ninguém vai lembrar. Então, fica complicado."

Thaíde até brincou: "E se o bagulho mostrar que sou 80% europeu e 20% africano?" Mas, não foi o caso. O resultado confirmou as raízes que podem ter dado no cara de "beiço grande, macumbeiro, que gosta de roupa colorida e tem 99% dos ídolos negros". Disso, veio a curiosidade pelo cotidiano de quem viveu naquelas terras do outro lado do oceano e como começou essa caminhada.

"Não vou conhecer os personagens, mas vou saber quais passos foram dados. Quero saber dos costumes antigos, para saber como as pessoas vivem hoje, se tem a ver com algum gosto meu. Eu viajo nessa parada de tempo, muitas coisas que vejo parece que já vi. Nunca cheguei perto, mas é uma identificação grande e direta."

A análise genética desencadeou também uma busca por pistas deixadas pelos antepassados em quem está vivo hoje, como a dança, as cantigas, o gosto por certas comidas e o apego a tipos de vestimentas. Não por acaso, acredita ele, sua carreira começou no break.

Ainda que o teste dê direções, não dá para saber, por exemplo, quando houve essa mistura de sangue africano, europeu e americano. Por via das dúvidas, ele faz planos:

"Vou pedir cidadania angolana. 22,6% de irlandês? Vou ter que tomar um chá das cinco!"

"DNA não é só sobre a criança que vai nascer, mas que já nasceu há muitos anos e veio nessa correia do tempo. E está com você na sua veia."

Além de poder sentar e conversar sobre as raízes com as três filhas, quer conhecer a África. "Primeiro, a moderna e tecnológica. Quero ir naquele bairro onde a história foi feita. Não pendurar máquina no pescoço e ver bichos, girafas e leão. Quero conhecer a vida do centro da cidade e das favelas. Eu quero usufruir da África de uma maneira como eu nunca fiz antes."

Testes de DNA:

  • Como o teste é feito: o DNA é coletado pela própria pessoa que esfrega uma haste flexível com algodão na parte de dentro da bochecha. Na sequência, este material deve ser enviado para a empresa;
  • O que o teste mostra: As empresas fornecem detalhes da ancestralidade, que pode retroceder de cinco a oito gerações, e pode mostrar a linhagem de pai e mãe ou até busca de parentes;
  • Quem oferece no Brasil: Genera, meuDNA (Mendelics) e MyHeritage;
  • Quanto custa: os testes variam de R$ 200 a R$ 500.

Publicado em 20 de maio de 2021.

Reportagem: Guilherme Tagiaroli

Coordenação e Edição: Fabiana Uchinaka e Helton Simões Gomes

Produção: Barbara Therrie

Fotos: Keiny Andrade

Design: Adriana Komura

Este é um capítulo da série

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