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Não é só dinheiro: blockchain também pode ajudar a combater azeites ruins

Com código QR na embalagem, consumidores rastrearão onde azeitona foi plantada - iStock
Com código QR na embalagem, consumidores rastrearão onde azeitona foi plantada Imagem: iStock

Matheus Fernandes

Colaboração para Tilt

23/02/2020 04h00

Sem tempo, irmão

  • Multinacional CHO se juntou à IBM para rastrear elaboração de seus azeites
  • Blockchain grava na web lugares e métodos envolvidos no processo de fabricação
  • Inovação impede problema de mascarar origem de azeites divulgados como extravirgens
  • Lá fora, redes como Walmart e Carrefour já rastreiam seus produtos com blockchain

Quem saboreia almoço com um bom azeite não deve fazer ideia, mas as notícias de fraudes na produção deste tipo de produto são recorrentes. Agora, uma tecnologia vinda do mercado financeiro, a blockchain, tenta impedir esse problema.

A multinacional do ramo de azeites CHO anunciou uma parceria com a IBM para rastrear a elaboração de seus produtos. Para isso, será usado o Food Trust, plataforma baseada na tecnologia de registro digital blockchain, criada só para acompanhar a origem de comidas, com foco na segurança alimentar.

A blockchain é uma tecnologia de armazenamento de dados descentralizada —isto é, depende de uma rede de muitos computadores para funcionar— e usada por criptomoedas como o bitcoin e o ethereum. Aqui, a blockchain serve para gravar permanentemente na web os lugares e métodos envolvidos no processo de fabricação do azeite extravirgem Terra Delyssa, uma das marcas da CHO.

Como funciona?

Com um código QR na embalagem, os consumidores vão poder rastrear os locais em que a azeitona do azeite foi plantada e prensada. É possível até mesmo ver imagens dos campos, na Tunísia, e as instalações em que o azeite foi filtrado, embalado e distribuído. As primeiras garrafas com o código devem chegar ao varejo do hemisfério norte até março de 2020.

Por que importa?

Isso surge para resolver um problema antigo deste mercado. Entre os azeites rotulados como extravirgens, muitos não atendem os requisitos para se enquadrar na categoria. Alguns não são nem mesmo azeites, mas uma mistura de óleos vegetais mais baratos, como soja ou canola.

Mesmo informações que deveriam certificar sua origem, como "feito na Itália", podem esconder azeites de qualidade inferior importados de outros países.

Por que o blockchain?

O objetivo do Food Trust é ser "uma forma de saber totalmente de onde veio aquele alimento que estou vendendo, por onde ele passou na cadeia e quem são meus intermediários até chegar na loja", explica o líder técnico de blockchain da IBM, Carlos Rischioto.

"Isso impede falhas de comunicação que poderiam permitir aparecer no meio do caminho, por exemplo, um produto que não foi de fato produzido", diz. "Com a garantia deste sistema, é possível controlar exatamente cada lote do produto, desde a colheita até chegar na venda. Isso impede ou dificulta muito que consigam inserir um lote de azeite falsificado ou uma nota falsa."

"Os participantes da rede blockchain têm acesso às transações nela registradas em tempo real. Uma mesma plataforma blockchain pode ser usada tanto para fins financeiros como para outros fins, como para rastrear produtos", explica Tatiana Revoredo, especialista em blockchain pela Universidade de Oxford e pelo MIT.

O coordenador do Programa Estadual de Pesquisa em Olivicultura da EPAMIG, Luiz Fernando de Oliveira, explica a importância desse rastreamento. "A azeitona pode sofrer danos físicos enquanto se encontra na planta, no transporte ou processamento. Além disso, o tempo entre a colheita e o processamento é fundamental para se conseguir um produto final de qualidade, pois as azeitonas oxidam e fermentam".

Oliveira diz que o azeite de oliva é "um produto muito adulterado". Para ele, "a rastreabilidade ajudaria a diminuir essas fraudes, pois se tem acesso do produto final até a origem, ou seja, quantos quilos de azeitonas chegaram na indústria e quantos litros foram extraídos".

Azeite Sabiá - Adriano Fagundes/Paisagens Gastronômicas - Adriano Fagundes/Paisagens Gastronômicas
Imagem: Adriano Fagundes/Paisagens Gastronômicas

Blockchain além do bitcoin e do azeite

Temos por aí exemplos além do azeite. O Walmart desde 2018 rastreia a cadeia de suprimentos de suas frutas e verduras nos Estados Unidos em parceria com a IBM para evitar contaminações e desperdício. Outras redes varejistas gringas, como o Carrefour, também adotaram o Food Trust para rastrear alguns de seus produtos.

A Microsoft, que botou blockchain no seu serviço em nuvem Azure, se juntou ao Starbucks para determinar a origem completa dos grãos dos cafezinhos da empresa. Um estudo da IBM mostra que 73% dos compradores estariam dispostos a pagar a mais pela transparência total nos tipos de produto que consomem.

"O uso de blockchain para rastrear produtos físicos é bastante promissor", diz Tatiana. "Como são inúmeros os exemplos de fraudes nas indústrias de alimentos, farmacêutica ou de automóveis, que resultam em altos prejuízos financeiros, a confiabilidade e os parâmetros na rastreabilidade de produtos físicos adquirem uma importância ímpar."

Então é só pôr blockchain e pronto?

Tatiana lembra que a eliminação de fraudes depende de dados que representem os objetos ou eventos reais. Ou seja, depende da qualidade das informações inseridas na blockchain, e que "a eficácia dos processos é limitada pelo elo mais fraco na cadeia".

Carlos explica que o Food Trust em si não tem como verificar os dados inseridos, mas as informações são garantidas por meio de entidades que atestam as informações em cada etapa —nesse caso, laboratórios acreditados pelo Conselho Oleícola Internacional e auditores terceirizados.

Existem planos de usar ferramentas de reconhecimento de imagem e inteligência artificial para conferir assinaturas digitais a itens físicos, algo que já rola com diamantes.

E no Brasil, vai rolar?

Luiz Fernando de Oliveira diz que já há uma produção de azeite de alta qualidade na região da Serra da Mantiqueira (SP, RJ e MG), mas ela é relativamente recente e feita em indústrias pequenas. Ainda não há nenhuma iniciativa onde o consumidor pode rastrear a elaboração do produto.

"Nesse primeiro semestre já devemos ter algumas empresas no Brasil entrando com dados de produção no Food Trust", conta Rischiato.

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