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Por que você em breve poderá ter um gêmeo digital (e para que eles servem)

Especialistas dizem que pensar em gêmeos digitais de humanos pode estar a apenas uma década de distância - Getty Images
Especialistas dizem que pensar em gêmeos digitais de humanos pode estar a apenas uma década de distância Imagem: Getty Images

Jane Wakefield - Repórter de Tecnologia da BBC

24/06/2022 06h47

Dentro de 10 anos, as pessoas poderão ter uma versão online inteligente de si mesmas.

Imagine se você pudesse criar seu próprio gêmeo, uma cópia exata de si mesmo, mas que vivesse uma vida estritamente digital.

Estamos vivendo em uma era em que tudo o que existe no mundo real está sendo replicado digitalmente — nossas cidades, nossos carros, nossas casas e até nós mesmos.

E, agora que o chamado metaverso está extremamente badalado —a ideia de um mundo virtual e digital habitado por avatares representando pessoas reais — os gêmeos digitais se tornaram uma das novas tendências tecnológicas mais comentadas nas redes.

Um gêmeo digital é uma réplica exata de algo no mundo físico, mas com uma missão única: ajudar a melhorar ou, de alguma outra forma, fornecer feedback à versão da vida real.

Inicialmente, esses gêmeos eram apenas modelos sofisticados de computador em 3D, mas a inteligência artificial (IA) combinada com a internet das coisas —que usa sensores para conectar algo físico à rede —permite que você construa algo digitalmente que está constantemente aprendendo e ajudando a melhorar sua inspiração real.

O analista de tecnologia Rob Enderle acredita que teremos as primeiras versões de gêmeos digitais humanos pensantes "antes do final da década".

"O surgimento deles exigirá uma enorme quantidade de ponderações e considerações éticas, porque uma réplica pensante de nós mesmos pode ser incrivelmente útil para empregadores", diz ele.

"O que acontece se sua empresa criar um gêmeo digital de você e disser 'ei, você tem esse gêmeo digital para quem não pagamos salário, então por que ainda pagamos você?'"

Enderle acredita que a questão sobre quem é o dono de tais gêmeos digitais será uma das questões definidoras da iminente era do metaverso.

Já começamos a jornada em direção à criação de gêmeos com os avatares mencionados acima —mas estes atualmente ainda são bastante desajeitados e primitivos.

Na plataforma de realidade virtual da Meta (novo nome da empresa Facebook), Horizon Worlds, por exemplo, você pode dar ao seu avatar um rosto semelhante ao seu, mas não pode nem fornecer pernas a ele porque a tecnologia ainda está em estágios iniciais.

A professora Sandra Wachter, pesquisadora sênior em Inteligência Artificial (IA) da Universidade de Oxford, entende o apelo da criação de gêmeos digitais a partir de humanos: "É uma reminiscência de romances de ficção científica emocionantes e, no momento, esse é o estágio em que ele está".

Ela acrescenta que se alguém "for bem sucedido na faculdade de direito, ficar doente ou cometer um crime — dependerá da ainda debatida questão 'natureza versus criação'. Vai depender de boa sorte e má sorte, amigos, família, seu contexto socioeconômico e ambiente e, claro, suas escolhas pessoais."

No entanto, ela explica, a IA ainda não é boa em prever esses "eventos sociais únicos, devido à sua complexidade inerente. E assim, temos um longo caminho a percorrer até que possamos entender e modelar a vida de uma pessoa do começo ao fim, assumindo que isso seja possível."

Em vez disso, é nas áreas de design de produto, distribuição e planejamento urbano que o uso de gêmeos digitais é atualmente o mais sofisticado e extenso.

Nas corridas de Fórmula 1, as equipes McLaren e Red Bull usam gêmeos digitais de seus carros de corrida.

Enquanto isso, a gigante de entregas DHL está criando um mapa digital de seu armazém e cadeias de suprimentos para permitir que sejam mais eficientes.

E cada vez mais nossas cidades também estão sendo replicadas no mundo digital. Xangai e Singapura têm gêmeos digitais, criados para ajudar a melhorar o design e as operações de edifícios, sistemas de transporte e ruas.

Em Singapura, uma das tarefas de seu gêmeo digital é ajudar a encontrar novas formas de locomoção para as pessoas, evitando áreas de intensa poluição. Outros lugares usam a tecnologia para sugerir onde construir novas infraestruturas, como linhas subterrâneas. E novas cidades no Oriente Médio estão sendo construídas simultaneamente no mundo real e no digital.

A empresa francesa de software Dassault Systemes diz que agora milhares de companhias estão interessadas em sua tecnologia de gêmeos digitais.

Até agora, a empresa criou gêmeos digitais para ajudar uma empresa de cuidados com os cabelos a projetar digitalmente frascos de xampu mais sustentáveis, dispensando a criação de inúmeros protótipos. Isso reduz o desperdício.

E está permitindo que outras empresas criem novos projetos futuristas — de jetpacks a motocicletas com rodas flutuantes e até carros voadores. Cada um tem um protótipo físico, mas o refinamento desse modelo inicial ocorre no espaço digital.

Mas é na área de saúde em que se observa o valor real dos gêmeos digitais.

O projeto Living Heart, da Dassault Systemes, criou um modelo virtual preciso do coração humano que pode ser testado e analisado, permitindo que cirurgiões simulem e experimentem uma série de cenários e situações com o órgão, usando vários procedimentos e dispositivos médicos.

O projeto foi fundado por Steve Levine, que tinha motivos pessoais para criar um gêmeo digital. A filha dele nasceu com cardiopatia congênita e, alguns anos atrás, quando ela estava com quase 20 anos e com alto risco de insuficiência cardíaca, ele decidiu recriar o coração dela em realidade virtual.

O Hospital Infantil de Boston, nos Estados Unidos, está usando essa tecnologia para mapear as condições cardíacas reais dos pacientes. Já no hospital infantil Great Ormond Street, em Londres, uma equipe de engenheiros trabalha com médicos para testar dispositivos que podem ajudar crianças com doenças cardíacas raras e difíceis de tratar.

Fazer experimentos em um coração digital também tem o efeito de reduzir a necessidade de testes em animais — um dos aspectos mais controversos da pesquisa científica, diz Severine Trouillet, diretora de assuntos globais da Dassault Systemes.

A empresa agora planeja mais gêmeos de órgãos digitais, incluindo o olho e até o cérebro.

"Em algum momento, todos teremos um gêmeo digital, para que você possa ir ao médico e consiga cada vez mais fazer uma medicina preventiva e garantir que cada tratamento seja personalizado", diz Trouillet.

Talvez, ainda mais ambiciosa do que replicar órgãos humanos seja a corrida para construir uma versão digital de todo o nosso planeta.

A empresa de software americana Nvidia administra uma plataforma chamada Omniverse, projetada para criar mundos virtuais e gêmeos digitais.

Um de seus projetos mais ambiciosos é construir um doppelganger digital da Terra, capturando imagens de alta resolução de toda a sua superfície.

A Terra-2, como foi apelidada, usará uma combinação de modelos de aprendizado profundo e redes neurais para imitar ambientes físicos na esfera digital e apresentar soluções para as mudanças climáticas.

Em março de 2022, a Comissão Europeia, em conjunto com a Agência Espacial Europeia, entre outros, anunciou seus próprios planos de fazer um gêmeo digital do planeta, apelidado de Destination Earth.

Até o final de 2024, espera-se haver dados suficientes de observações e simulações em tempo real para criar um gêmeo digital que se concentrará em enchentes, secas e ondas de calor, além de desastres naturais como terremotos, erupções vulcânicas e tsunamis, e fornecerá aos países planos concretos para salvar vidas diante desses desafios crescentes.

'Este texto foi originalmente publicado em https://www.bbc.com/portuguese/internacional-61918855'

- Este texto foi publicado em https://www.bbc.com/portuguese/brasil-61835087