Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.
Não é só dinheiro: como ter mais brasileiros em grandes projetos da ciência

Para quem não sabe, estou trabalhando há alguns meses na Universidade de Massachussetts, nos Estados Unidos, em um projeto internacional de radioastronomia. A equipe daqui desenvolve, em colaboração com o governo mexicano, uma nova câmera capaz de detectar o gás e poeira em galáxias a dezenas de bilhões de anos-luz de distância, e sou o único brasileiro na equipe.
Minha participação foi garantida através de uma bolsa do Departamento de Estado norte-americano, que financia o intercâmbio de cientistas, garantindo a mobilidade e internacionalização da pesquisa.
Por que estou falando disso? Estava refletindo sobre o assunto após reportagem que assisti no final de semana sobre a situação atual da ciência no país, e os desafios de reconstruir uma infraestrutura que foi precarizada durante os últimos quatro anos.
É verdade, os investimentos em ciência caíram muito. Temos laboratórios com graves problemas, e valores de bolsas que finalmente sofreram reajustes após 10 anos de perdas inflacionárias.
Mas precisamos pensar mais além.
Não basta aumentar o volume de investimento se não pensarmos cuidadosamente em como aplicar o dinheiro recebido.
Voltando ao exemplo do meu projeto, é um investimento de cerca de US$ 50 milhões em instrumentação de radioastronomia. Outro projeto no qual sou coordenador —uma câmera para o futuro maior telescópio do mundo, o Telescópio Extremamente Grande construído pelo Observatório Europeu do Sul— tem verba maior ainda.
No entanto, o Brasil tem dificuldades de participar de consórcios internacionais semelhantes.
Em grande parte, isso se deve à falta de planejamento e à suscetibilidade do investimento científico ao panorama político. Quando o dinheiro aparece, devemos correr para gastá-lo, pois não sabemos se estará aí no ano que vem.
Isso cria enormes obstáculos à participação de cientistas brasileiros em grandes projetos.
Como eu havia discutido em texto há algum tempo, a ciência de ponta é feita em escalas de tempo de décadas, não meses. Exige planejamento a longo prazo, algo quase impossível com essa instabilidade.
O resultado final é que a ciência brasileira muitas vezes é vista como coadjuvante, secundária.
Frequentemente perdemos a oportunidade de assumir papéis de liderança em grandes projetos internacionais, e estamos sujeitos às decisões tomadas pelos atores principais ao longo dos anos.
Não basta aumentar a verba disponível para a ciência, precisamos garantir esse financiamento para os próximos 10, 20 anos, assegurando uma estratégia que permita que cientistas brasileiros possam planejar seus próximos passos.
O James Webb entrou em operação no ano passado, mas começou a ser projetado e construído há muitos e muitos anos.
O Telescópio Extremamente Grande entrará em operação apenas em 2028, e essa câmera apenas em 2031. Será que eu terei financiamento para continuar participando do projeto até lá? Não sei dizer.
Esse financiamento é fundamental para montar uma equipe nacional com a expertise necessária para usufruir dos dados quando a câmera for inaugurada.
Durante todos esses anos, é necessário treinar estudantes e colaboradores para que a nossa equipe esteja em pé de igualdade com franceses, alemães e outros colegas quando o momento crucial chegar.
Da mesma forma, aqui nos Estados Unidos estou trabalhando duro para aprender o que for possível, levar o conhecimento de volta ao país e permitir que os nossos institutos nacionais sejam peças-chave nessas colaborações internacionais.
Só assim o Brasil dará o salto necessário para ser tratado de igual para igual no cenário global.
Apenas com investimento estratégico a longo prazo podemos participar das tomadas de decisão e assumir o protagonismo necessário.
Nota 1: nem todas as ciências dependem desse modelo de internacionalização para garantir o impacto, ele pode vir de outras formas. Mas na Astronomia é fato que, em uma ciência tão globalizada, as colaborações internacionais são fundamentais.
Nota 2: embora o nome pareça uma piada, o instrumento realmente se chama Telescópio Extremamente Grande!
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