Diogo Cortiz

Diogo Cortiz

Siga nas redes
Só para assinantesAssine UOL
Opinião

Gestão de Tarcísio escolhe o pior e mais preguiçoso uso de IA na educação

Nesta semana, eu estava em Brasília em um evento de Inteligência Artificial dentro do contexto do G20 quando fui bombardeado por mensagens de colegas professores e seguidores. Compartilhavam uma notícia que parecia até mesmo distópica: "Gestão Tarcísio vai usar ChatGPT para produzir aulas digitais no lugar de professores".

Ao mesmo tempo que discutíamos sobre o uso responsável de IA com a comunidade internacional, alguém em São Paulo achou por bem substituir os professores no processo de criação de conteúdos educacionais.

A gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) errou ao propor um uso totalmente inadequado e equivocado da tecnologia. A IA pode ter um papel importante na educação, mas dentro de contextos e limites específicos. A Unesco, por exemplo, tem diretrizes para uso de ChatGPT em sala de aula que são coerentes e que enriquecem a aprendizagem.

Não se trata então de um conservadorismo para justificar que a educação não deve se beneficiar de inovações. O meu ponto é que precisamos combater as ideias simplistas e tecnossolucionista de que dá para resolver problemas sociais complexos só entuchando mais tecnologia.

A equipe de Tarcísio poderia ter proposto o uso do ChatGPT em tantos outros contextos. Poderia, por exemplo, ter se inspirado nos guias da Unesco para pensar em casos de usos específicos e até ter pensado em um projeto para investigar como a IA pode auxiliar a personalizar o ensino. Mas optou pelo caminho mais curto que é usar IA para tentar substituir pessoas para reduzir custos e ganhar produtividade.

O primeiro ponto crítico dessa proposta é que a IA erra. Sempre digo que o grande problema não é apenas a máquina errar, mas nos convencer de que está certa. O governo de São Paulo argumentou que todo o material será posteriormente revisado, mas a sensibilidade da coisa é que o ChatGPT escreve de uma maneira tão persuasiva que convence mesmo quando está errado.

É bem provável que muitos erros passem batido, da mesma forma que aconteceu quando o mesmo governo abriu mão dos livros didáticos distribuídos pelo Ministério da Educação para adotar slides que tinham erros crassos que afirmavam que quem assinou a Lei Áurea foi dom Pedro 2º e não a princesa Isabel.

O mito do primeiro rascunho da IA é um outro ponto que, apesar de não tão evidente e pouco debatido, é algo super sensível. Muita gente acha que o jeito mais útil de usar IA na criação de conteúdos é pedindo para a máquina criar uma primeira versão e depois revisá-lo. Esse é o jeito mais fácil, só que o mais preguiçoso.

Quando trabalhamos assim com a máquina, sofremos com uma restrição de conhecimento, limitações criativas e imposições linguísticas. Ficamos presos ao contexto inicial criado pela IA. Apesar de termos liberdade para modificar todo o conteúdo, o primeiro rascunho ancora a nossa cognição.

Continua após a publicidade

Se estamos pedindo para a máquina gerar a primeira versão dos materiais pedagógicos, tenho certeza de que os conteúdos carregarão a visão de mundo, vieses, erros, estilos linguísticos de uma máquina estrangeira proprietária que não conhece com profundidade a cultura brasileira e que tem o português apenas com sua segunda, terceira ou, sei lá, décima língua.

O que eu mais argumento em minhas aulas e palestras para o pessoal de educação é que devemos experimentar a IA no processo pedagógico para encontrar os melhores caminhos. Sempre digo aos docentes que a máquina pode - e deve - ser usada como uma companheira que nos ajuda em muitas tarefas, inclusive no processo de criação de conteúdos. Mas também alerto que devemos evitar terceirizar o trabalho todo para máquina, especialmente os conteúdos que serão nossos objetos de aprendizagem.

O meu principal argumento é que a IA é uma ferramenta que pode expandir ou limitar nossas capacidades, mas tudo isso depende do nosso nível de interação com ela. Muitas vezes uso o ChatGPT, da OpenAI, ou o Google Gemini no meu processo de criação, mas nunca peço para elas criarem algo do zero. Prefiro pedir uma revisão, uma sugestão e até posso conversar sobre o que ele acha de um determinado parágrafo, por exemplo. Eu quero dominar a IA, e não que ela me domine. Quero melhorar minhas habilidades, não atrofiá-las.

Criar um material didático é explorar o conhecimento, conectar ideias, trabalhar com a linguagem para expressar de uma maneira conectada com as necessidades dos estudantes. É sempre essa mensagem de responsabilidade e autonomia que tento levar aos docentes.

Agora, o governo de São Paulo vai na contramão e mostra que está tudo bem terceirizar coisas importantes para a máquina, o que abre um precedente perigoso. Se os alunos sabem que estão aprendendo com um material criado por IA, então qual o problema de terceirizar suas lições para a IA?

Perderam uma ótima oportunidade de propor um projeto sólido de IA na educação, um projeto amplo de letramento da tecnologia, e acabaram reforçando para a população o péssimo estigma de que está tudo bem ser preguiçoso com IA.

Continua após a publicidade

Precisamos de mais professores usando IA e não mais IA apenas para substituí-los.

Opinião

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL.

Deixe seu comentário

Só para assinantes