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Ana Maria Braga só existe na Globo porque a Record apostou nela

Record investiu em Ana Maria Braga como apresentadora nos anos 1990 - Reprodução/Globoplay
Record investiu em Ana Maria Braga como apresentadora nos anos 1990 Imagem: Reprodução/Globoplay

Cristina Padiglione

Colaboração para Splash, de São Paulo

25/07/2023 04h00

Convidada pela Record a participar das celebrações pelos 70 anos da emissora fundada por Paulo Machado de Carvalho em setembro de 1953 e adquirida por Edir Macedo em 1990, Ana Maria Braga deixou claro à direção da Globo que gostaria muito de participar da festa da concorrência.

A loira é grata à emissora da Barra Funda por ter acreditado nela como apresentadora de programa feminino — o que o estafe da Globo também deveria ser.

É justo dizer que se a TV dos Marinhos dispõe de uma apresentadora tão querida pelo mercado publicitário nos últimos 22 anos, capaz de cativar público e atrair dinheiro para os cofres da empresa, isso se deve sobretudo ao seu passado na Record, que apostou nela nesse papel nos anos 1990.

A gravação de um depoimento dela sobre sua passagem pela emissora está agendada para terça-feira (25), pelo Domingo Espetacular, programa que melhor mantém bons índices de audiência para a emissora, sob direção de Celso Teixeira.

O resultado será conhecido no domingo seguinte, dia 30. A atração será alvo de uma série de relatos por parte de quem fez a história da emissora, que nasceu como canal 7 de São Paulo, na vizinhança do Aeroporto de Congonhas.

Globo resiste em reconhecer méritos alheios

Soberana na audiência e nas referências do Brasil, de norte a sul, desde os anos 1970, a Globo normalmente tem dificuldade em honrar as histórias que não lhe pertencem, mas convém reconhecer que essa empáfia já foi maior no passado.

Fato é que na segunda metade dos anos 1990, era nas tardes da Record que Ana Maria Braga fazia o sucesso com o Note e Anote, programa que revelou também a doce culinarista Palmirinha Onofre, depois absorvida e projetada pela TV Gazeta.

Em 1999, pouco depois de levar Ana Maria para os seus quadros, a Globo contratou também Serginho Groisman, então consagrado como maestro do Programa Livre, no SBT, um formato criado na TV Cultura, onde nasceu o DNA do Altas Horas, sob o título de Matéria Prima.

Naquele mesmo fim de ano, a TV dos Marinhos comprou também o passe de Jô Soares de volta, para só então lhe dar o tão requisitado talk show que ele até tentou fazer na Globo 12 anos antes, em vão, tendo encontrado espaço para tanto apenas no SBT.

O ano de 1999 somou à Globo ainda um certo Luciano Huck, que fazia barulho na modesta TV Bandeirantes, com personagens de alto fetiche -vide Tiazinha e Feiticeira.

Note que nenhum dos grandes talentos em que a Globo investiu na ocasião, quando a emissora experimentava o comando de Marluce Dias da Silva, única mulher a ocupar o posto de diretora-geral da emissora, foi obra de aposta original da emissora. Huck, Ana Maria, Groisman e Jô eram figuras em evidência em outros canais e foram absorvidos pela rede carioca para fazer exatamente o que faziam na concorrência.

Ainda que tivessem condições de adquirir mais estrutura na nova casa, os quatro chegavam ali credenciados pelo êxito de seus formatos em outros canais, a saber, SBT, Record e Band.

Chico Anysio, dono de língua sem filtro, à época chegou a dizer que a Globo estava contratando Groisman com dez anos de atraso, e Huck, com dez anos de antecedência, uma evidente falta de timing.

A Globo investe e aposta em vários talentos da dramaturgia e do jornalismo, mas no quesito auditório e entretenimento, sempre arriscou bem menos. Hoje, os dois apresentadores de auditório fixos da programação do fim de semana são crias de outros canais. Marcos Mion estreara ali como ator coadjuvante, mas foi aprender a ser apresentador na MTV da gestão da Abril e na Record.

O próprio Fausto Silva também chegou credenciado pelo sucesso do Perdidos na Noite, programa que passou pela TV Gazeta, Record e Band.

De crias da casa que a Globo pode chamar de suas no entretenimento, em sua história recente e atual, estão Tiago Leifert, Pedro Bial, Tadeu Schmidt, Fátima Bernardes e Patrícia Poeta. Mas muitos já foram os talentos "importados" da concorrência, como Zeca Camargo, Mônica Iozzi, Otaviano Costa, Fernanda Lima, Marcelo Adnet, Tatá Werneck, Dani Calabresa e Fábio Porchat —que até passou pela Globo antes de acontecer no Porta dos Fundos, mas apenas como redator coadjuvante.

E tudo bem que seja assim, porque a Globo também se estabeleceu nos anos 1970 apostando em estrelas criadas fora de seus estúdios, como Chico Anysio, o próprio Jô Soares e Os Trapalhões, além de autores de novelas como Benedito Ruy Barbosa, Walther Negrão e Manoel Carlos, sem falar nos grandes atores vindos da Tupi e da Excelsior.

A própria Xuxa, no momento tão em voga em função da série documental do Globoplay, foi aposta da TV Manchete, onde surgiram Carolina Ferraz, Angélica e a prova de que novela rural merecia espaço na faixa nobre, e não apenas no horário das seis.

O vaivém de talentos e ideias entre canais faz parte do show, e bem faz Ana Maria em valorizar o passado que a trouxe até aqui.