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Conar abre processo ético contra Volks por uso da imagem de Elis Regina

Elis Regina em comercial da Volkswagen - Reprodução
Elis Regina em comercial da Volkswagen Imagem: Reprodução

De Splash, em São Paulo

10/07/2023 17h51

O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) abriu uma representação ética contra a campanha "VM Brasil 70: O novo veio de novo", da Volkswagen, para investigar o uso da imagem da cantora Elis Regina, que morreu em 1982, recriada por inteligência artificial.

O que aconteceu?

Em contato com Splash, o órgão, que regula publicidade no Brasil, informou que recebeu queixa de consumidores questionando se é ético ou não o uso de ferramenta tecnológica e Inteligência Artificial (IA) para trazer pessoa falecida de volta à vida.

"Eles questionam se é ético ou não o uso de ferramenta tecnológica e Inteligência Artificial (IA) para trazer pessoa falecida de volta à vida como realizado na campanha, a ser examinado à luz do Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, em particular os princípios de respeitabilidade, no caso o respeito à personalidade e existência da artista, e veracidade", diz o comunicado.

Em celebração de 70 anos da Volkswagen, a empresa colocou Elis Regina ao lado da filha Maria Rita, que também é cantora, com o recurso da tecnologia chamada "deep fake".

O comercial exibe Elis Regina cantando o clássico "Como Nossos Pais" enquanto dirige um modelo antigo da Volks.

A representação será julgada nas próximas semanas por uma das Câmaras do Conselho de Ética do Conar e dará direito de defesa ao anunciante e sua agência. Em regra, o julgamento é efetuado cerca de 45 dias após a abertura da representação.

O Conar aceita denúncias de consumidores, assim como outras manifestações sobre a peça publicitária, bastando que sejam identificadas. Em obediência à LGPD a identidade dos denunciantes é protegida.

O comercial

Na última semana, um comercial da Volkswagen usou a tecnologia de inteligência artificial para reunir Maria Rita e Elis Regina. O vídeo em questão traz cenas contemporâneas de Maria Rita dirigindo um carro elétrico e, paralelamente, Elis Regina também conduzindo o modelo clássico da Kombi, no passado.

Paralelamente, as duas cantam a mesma música: "Como Nossos Pais", escrita por Belchior em 1976 e eternizada na voz de Elis.

A ideia é fazer uma homenagem aos 70 anos da marca em questão, e ao mesmo tempo criar uma alusão à ideia de continuidade e modernização de um veículo específico. O vídeo usa a letra da canção para enfatizar que, apesar de muita coisa ter se transformado (como o carro em questão ter se tornado um modelo elétrico), ainda vivemos como nossos pais e levamos as tradições adiante.

A ideia, obviamente, dividiu opiniões. Enquanto alguns ficaram emocionados com a reunião de Maria Rita com a mãe, ícone da música e da cultura popular brasileira que morreu quando ela tinha quatro anos, outros notaram certa estranheza e acharam a ideia um pouco bizarra.

O vídeo usa "deep fake" e aplica uma técnica de IA para criar a imagem de Elis Regina jovem, que morreu em 1982, e colocar ela dirigindo o carro lado a lado com Maria Rita, atualmente aos 45 anos.

Há quem repudie a ideia e ache toda a coisa um tanto mórbida, sobretudo levando em consideração que se trata de um conteúdo publicitário, que utiliza a imagem de uma pessoa que já está morta para vender um produto. Quando "Star Wars" reuniu imagens de arquivo de Carrie Fisher para o Episódio 8 da saga, também houve estranheza, ainda que a família tivesse autorizado a prática.

A grande ironia, no entanto, parece ser uma certa falta de memória ou incapacidade de interpretação.

"Como Nossos Pais" é uma letra que trata do conflito de gerações, e põe luz sobre uma juventude desiludida e sem esperanças de transformação. Foi composta por Belchior em 1976, em meio à ditadura militar. O regime autoritário, o capitalismo e a manutenção de um sistema opressor que só favorece quem já está por dentro do status quo são pontos duramente criticados pela letra, e o comercial parece exaltar tudo isso.

Soma-se a isso uma aparente falta de memória, e parece de muito mau gosto escolher uma música que é contra a ditadura militar para exaltar a história de uma montadora que apoiou o mesmo regime.

Enquanto a letra declara que "minha dor é perceber que, apesar de termos feito tudo o que fizemos, ainda somos os mesmos e vivemos como nossos pais", os personagens do comercial se reúnem em uma praia e comemoram a continuidade de gerações soltando fogos de artifício.

Em outro trecho, Belchior fala que quem lhe deu "a ideia de uma nova consciência e juventude" está em casa "contando vil metal", numa profecia talvez trágica do que aconteceria com a imagem de Elis.

No máximo, dá para enxergar a coisa toda como uma autocrítica velada, ou uma prova de que Belchior continua sendo um enigma depois de mais de quatro décadas.