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Argentina, 1985: filme mostra a condenação da ditadura que o Brasil não fez

Ricardo Darín e Peter Lanzani em "Argentina, 1985" - Prime Video/Divulgação
Ricardo Darín e Peter Lanzani em 'Argentina, 1985' Imagem: Prime Video/Divulgação

De Splash, em São Paulo

09/03/2023 06h00

A Argentina chega a quatro dias do Oscar 2023 na expectativa de levar para casa a terceira estatueta da categoria de melhor filme internacional (antigo filme de língua estrangeira) com "Argentina, 1985", de Santiago Mitre.

O longa hermano concorre contra "Nada de Novo no Front" (Alemanha), "Close" (Bélgica), "EO" (Polônia) e "The Quiet Girl" (Irlanda). O Brasil indicou "Marte Um", de Gabriel Martins, mas não teve a sugestão escolhida pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas.

"Argentina, 1985" conquistou o lugar entre os cinco finalistas com o julgamento e condenação de militares responsáveis por crimes na ditadura que assolou o país entre 1976 e 1983. Foram condenados cinco militares, incluindo o ditador Jorge Rafael Videla, que presidiu o país na maior parte desse período.

Ricardo Darín é, mais uma vez, estrela de um filme argentino de sucesso. O ator do indicado "Relatos Selvagens" (2015) e do vencedor "O Segredo de Seus Olhos" (2009) protagoniza "Argentina, 1985". Ele vive o promotor Júlio Strassera, que comanda a acusação contra os militares e obtém na Justiça as condenações.

Brasil não puniu comandantes militares ou governantes do período responsáveis por crimes na ditadura, como previsto na Lei da Anistia, de 1979.

Em novembro, o colunista do UOL Carlos Madeiro contou a história da única condenação por crimes da ditadura, a punição de militares envolvidos na tortura de 15 soldados, quatro deles mortos. Em dez anos, segundo Madeiro, o Ministério Público Federal apresentou 53 ações por crimes cometidos na ditadura brasileira, nenhuma resultando em condenação.

"Argentina, 1985" pode ser visto no Amazon Prime Video. O concorrente "Nada de Novo no Front" está disponível na Netflix. "Close" está em cartaz nos cinemas. "EO" e "The Quiet Girl" ainda não estão disponíveis no Brasil. Veja onde assistir aos filmes do Oscar nos serviços de streaming.

Como foi o julgamento dos militares na Argentina*

  • Governo criou comissão para investigar desaparecimentos. Eleito em 1983, o então presidente Raúl Alfonsín criou o grupo que começou a investigar os relatos de pessoas desaparecidas durante a ditadura. O relatório baseou a acusação da promotoria no julgamento feito dois anos depois.
  • Código de Justiça Militar permitiu julgamento oral e público. Mais de 800 pessoas depuseram e 709 casos foram julgados. Na visão de juízes, promotores e jornalistas ouvidos pela BBC, os relatos foram decisivos para as condenações e o apoio da opinião pública..
  • Jorge Rafael Videla e o almirante Emílio Massera foram condenados à prisão perpétua. O ex-presidente Roberto Viola (17 anos), o almirante Armando Lambruschini (8 anos) e o ex-chefe da Força Aérea Orlando Agosti (4 anos) também foram condenados. Outros quatro acusados foram absolvidos.

Fonte: BBC - 'Argentina, 1985': como foi o julgamento histórico que revelou horrores da ditadura

Julgamento mudou forma como pessoas se lembram da ditadura, diz ex-promotor

O ex-promotor Luís Moreno Ocampo avalia que o julgamento expôs os crimes a uma população que os desconhecia, disse em entrevista recente ao Roda Viva. Ocampo atuou como adjunto de Strassera no julgamento e é um dos principais personagens do filme, vivido nas telonas por Peter Lanzani.

Em uma passagem de "Argentina, 1985", a mãe do promotor, filha de um militar e defensora da ditadura encerrada, se comove com o depoimento de uma vítima e diz ao filho que passou a apoiar as condenações. O testemunho em questão foi de uma mulher sequestrada grávida pela ditadura argentina e obrigada a dar à luz algemada. Ao Roda Viva, Ocampo diz que o relato é "completamente real" e foi ainda mais bonito na sua memória.

Todos os dias, por cinco meses, o julgamento mostrava dez testemunhas contando o que tinha acontecido. E esses relatos formaram a visão do povo argentino. Luís Moreno Ocampo

Para Ocampo, a memória dos crimes evitou novas rupturas institucionais tentadas depois no país. "Quando houve novas tentativas de golpes militares o povo reagiu. Meu pai, aos 80 anos, participou da sua primeira manifestação contra uma rebelião militar em 1988", diz ele, que acredita que o filme inaugura "um novo ciclo de comunicação", recontando a história a uma nova geração que é muito nova para tê-la vista ao vivo.