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O dia em que Pelé 'impediu' o assassinato de Sebastião Salgado em Ruanda

Sebastião Salgado disse que Pelé salvou sua vida durante visita à Ruanda - Reprodução
Sebastião Salgado disse que Pelé salvou sua vida durante visita à Ruanda Imagem: Reprodução

Colaboração para Splash, em Maceió

30/12/2022 12h18

Maior nome do esporte em todo o mundo e maior ídolo da história do Brasil, Pelé, que morreu ontem aos 82 anos, foi responsável por salvar a vida do renomado fotógrafo Sebastião Salgado, quando o brasileiro documentou o genocídio ocorrido em Ruanda, em 1994.

Em entrevistas à Playboy e à GloboNews, Salgado recordou a ocasião em que foi a Ruanda para documentar a guerra travada entre os hutus e os tutsi. Os hutus formavam uma etnia majoritária no país africano, mas a comunidade tutsi, mesmo minoritária, dominou o país por muito tempo.

O fotógrafo contratou um intérprete para ajudá-lo a se deslocar da Tanzânia para Ruanda em um barco, quando sofreu uma emboscada de um grupo formado por tutsis fugitivos, que pensavam que ele era francês. Para escapar, Salgado disse ser brasileiro — ou melhor, que era "do país do Pelé". E conseguiu sobreviver.

"'O que está acontecendo?', perguntei". "'Eles vão matar a gente. Acham que você, querendo passar para o outro lado, é amigo dos hutus. E estão desconfiados de que você veio da França'", respondeu o intérprete. Os franceses eram aliados dos hutus no conflito.

"De jeito nenhum! Eu venho do Brasil e tal...' [disse] em francês, com o cara traduzindo. Fale para eles que eu sou do país do Pelé! Aí a situação já mudou. O Pelé é realmente conhecidíssimo e de certa forma salvou a minha vida" Sebastião Salgado

O plano era voltar até Ruanda. "Depois de muito andar chegamos a um rio por onde os tutsis estavam fugindo para a Tanzânia. Havia uma quantidade de mortos descendo do rio. Tinha uma queda d'água acima e eu contei, em meia hora, 29 corpos caindo. O barquinho que trazia os fugitivos voltava vazio e eu fui perguntar ao pessoal se podia ir nele até Ruanda. De repente, tinha umas dez pessoas com facões em volta de mim. Olho para o meu intérprete e ele estava pálido, cinza", relembrou o fotógrafo.

Entenda o conflito étnico. O ano era 1959 e os hutus conseguiram derrubar a monarquia tutsi, o que provocou uma fuga em massa dessa comunidade para países vizinhos, como a Tanzânia e a Uganda. Entretanto, um grupo rebelde tutsi formou a RPF (Frente Patriótica Ruandesa), e invadiu Ruanda em 1990. A "paz" foi restabelecida em 1993, mas a parte mais sangrenta do conflito ocorreu um ano depois.

Em 1994, o avião com o então presidente de Ruanda, Juvenal Habyarimana, de etnia hutu, foi derrubado. Extremistas hutus culparam a RPF pelo acidente e o genocídio teve início. Dados oficiais apontam que cerca de 800 mil pessoas foram mortas em apenas cem dias. O massacre é considerado um dos momentos mais terríveis da história.

O relato de Sebastião Salgado foi rememorado pelo jornalista Chico Pinheiro nas redes sociais.

Pelé "salvou" Sakamoto. O colunista do UOL Leonardo Sakamoto também recordou que o rei do futebol foi responsável por "salvá-lo" ao impedir que ele fosse preso por militares durante a cobertura da guerra pela independência de Timor-Leste, na Ásia, em 1998.

"Passei ileso em postos de controle do Exército indonésio no interior da ilha por conta do rei do futebol", afirmou Sakamoto.

"Quando paravam o carro em que eu estava e me apontavam fuzis ao perceberem que era um estrangeiro no lugar errado, confesso que dizia "Saya tingal di Brasil! Saya teman di Pelé!" - algo como "Sou do Brasil! Amigo do Pelé!". Pode soar ridículo, mas essas são as frases que eu precisava saber em bahasa indonésio.

Claro que nunca tive o prazer de conhecer o mito, mas eles não sabiam disso.

Não importava o local, das estradas de terra dos vales de Maubessi, passando pela rodovia para Baucau até a entrada do mercado de Ermera, os soldados invasores conheciam o rei. E gostavam de ouvir sobre ele. Com a ajuda de um timorense que falava português, uma das línguas oficiais do país, eu os entretia, discorrendo sobre o Edson que nunca tive o prazer de ver jogar", escreveu o jornalista em sua coluna no UOL.