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Importância ou diversão: o que leva alguém a ler um livro?

Já faz um tempo que leio "Las Cartas Del Boom", reunião de correspondências trocadas entre quatro dos maiores escritores da história: o argentino Julio Cortázar, o mexicano Carlos Fuentes, o colombiano Gabriel García Márquez e o peruano Mario Vargas Llosa. Avanço com calma pelo livraço de quase 600 páginas (Alfaguara, inédito no Brasil).

Bisbilhoto com curiosidade o que os autores escreviam em privado enquanto construíam carreiras hoje reverenciadas. Numa carta de 1966 endereçada a Fuentes, Gabo chama de "genial" o conto "O Outro Céu", de "Todos os Fogos os Fogo", publicado por Cortázar poucos meses antes.

Um livro leva a outro. Puxo da estante os contos completos do argentino (Companhia das Letras, tradução de Heloisa Jahn e Josely Vianna Baptista). Me acomodo no sofá e localizo o texto aplaudido pelo autor de "Cem Anos de Solidão". Depois, aproveito para reler outro conto: "Bestiário", um dos mais famosos de Cortázar.

É só uma lembrança mais recente das tantas leituras feitas por mero prazer. Se aprendo algo com as cartas trocadas entre os autores ou com os contos de Cortázar, isso é consequência, um bem-vindo efeito colateral. Não é o que me leva até os livros, não é o que me faz dedicar um bom tempo da vida a tantas páginas. Poderia jogar videogame, curtir algum filme, futricar em redes sociais. Só que ler muitas vezes me parece mais divertido.

Escrevo ainda de olho em dados revelados pelo Panorama do Consumo de Livros, pesquisa encomendada pela Câmara Brasileira do Livro e feita pela Nielsen BookData. Apesar de a leitura aparecer como uma forma de lazer que faz sucesso entre a minoria dos brasileiros que compra livros (apenas 16% dentre os maiores de 18 anos), a principal motivação para o último exemplar adquirido foi outra: procura por um tal de crescimento pessoal.

São dados que indicam que pessoas vão atrás de livros sobretudo em busca de informações, de respostas, de aprendizados, de mensagens fechadas. Não pelo simples prazer da leitura. Pode parecer bobagem chamar a atenção para isso, mas não é.

A pesquisa mostra que livros são vistos como objetos valorizados mesmo entre quem não os compra (apenas para 8% desses a leitura é uma atividade desprezível). No entanto, aqui quase ninguém vê graça em sentar para ler. Logo, não leem.

É comum, ao defender a leitura, elencarmos seus muitos benefícios. Mostramos como pode expandir horizontes, nos fazer enxergar o mundo de forma mais complexa. Defendemos como uma sociedade cheia de leitores tende a ser mais crítica, mais consciente. Isso, entretanto, não é suficiente para fazer com que mais brasileiros se entendam com os livros.

Aposto minha biblioteca: tem muito mais gente por aí que ouve música, assiste a filmes, joga videogame ou fica de bobeira em rede social simplesmente porque gosta, não por estar à procura da iluminação, de algum grande aprendizado.

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Segundo uma outra pesquisa da mesma Nielsen BookData, em 2023, no Brasil, foram vendidos 4 milhões de livros a menos do que em 2022. Desfilar virtudes não basta, comove pouca gente.

Mostrar quão legal (sim, legal, essa palavra que pode soar bobinha, ingênua) que é ter um momento do dia ou da semana junto com um livro, independente do que possamos ganhar com isso, pode ser um bom caminho para que, quem sabe, mais pessoas possam ver a leitura como uma ótima maneira de se divertir.

E de se divertir, sabemos, pouca gente abre mão.

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Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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