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O mergulho de Mariana Enriquez nos mistérios de Silvina Ocampo

A escritora argentina Mariana Enriquez, autora de A Irmã Menor, ensaio sobre Silvina Ocampo - Nora Lezano
A escritora argentina Mariana Enriquez, autora de A Irmã Menor, ensaio sobre Silvina Ocampo Imagem: Nora Lezano

Rodrigo Casarin

Colunista do UOL

01/02/2023 04h00Atualizada em 01/02/2023 09h57

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Desde que esteve na Flip de 2019, Mariana Enriquez se consolidou como uma das escritoras argentinas mais admiradas pelos brasileiros. "As Coisas que Perdemos no Fogo" é mesmo um bom volume de contos, enquanto o longuíssimo romance "Nossa Parte de Noite" esteve entre as melhores leituras de 2021 de muita gente que respeito. Ambos saíram pela Intrínseca.

Agora um título do trabalho de não ficção de Mariana ganha tradução para o português e projeta mais luz sobre outra argentina que angariou uma porção de apreciadores por aqui num passado recente: Silvina Ocampo, a autora das reuniões de contos "A Fúria" e "As Convidadas" (Companhia das Letras; tem um papo sobre a obra de Silvina nesta edição do podcast da Página Cinco). "A Irmã Menor" saiu originalmente em 2014, ganhou nova edição quatro anos depois e chegou ao Brasil no final de 2022, traduzido por Mariana Sanchez e publicado pela Relicário.

Com histórias cheias de mistérios, estranhamentos e crueldades, Silvina, uma das autoras mais instigantes da literatura de seu país, é nome fundamental para compreendermos o braço da atual produção latino-americana que tem o insólito como uma das principais marcas. Num ensaio que mistura apuração jornalística e análise literária, Mariana entrega aos leitores uma mistura de traços biográficos e caminhos possíveis para interpretarmos os escritos da artista na qual mergulha.

Pelo olhar de Mariana, Silvina surge como uma figura tão singular quanto a sua literatura, um possível espelho das peculiaridades e excentricidades da colega de Jorge Luis Borges, ex-esposa de Adolfo Bioy Casares e irmã mais nova de Victória Ocampo, fundadora da mítica revista Sur. De família tradicional e riquíssima, Silvina vivia num apartamento gigantesco numa das áreas mais nobres de Buenos Aires. Por lá, comidas repugnantes eram servidas e ambientes decrépitos, cheios de mofo, serviam de abrigo para famílias de baratas. Fácil, com essas informações, pensar nas casas que surgem como cenários intimidadores na literatura da autora e de alguns de seus pares.

Mulher de joguetes, Silvina se esforçava para transformar o próprio cotidiano em algo tão fantástico quanto sua literatura. Fazia parte do leque de artimanhas algumas atitudes desprezíveis vistas por Mariana como "marca registrada de personalidades fortes". A reclusão, certa alienação quase aparvalhada e a fama de ser alguém capaz de ter premonições contribuem para formar a imagem de figura misteriosa.

A Irmã Menor, de Mariana Enriquez - Reprodução - Reprodução
Imagem: Reprodução

"O mais comum dos lugares-comuns sobre Silvina Ocampo é considerar que ela ficou à sombra, apagada, diminuída por sua irmã Victoria, seu marido escritor, Adolfo Bioy Casares, e o melhor amigo de seu marido, Jorge Luis Borges. Mas é possível que a posição de Silvina tenha sido mais complexa. Aqueles que a admiram fervorosamente decretam sem dúvidas que foi ela quem escolheu esse segundo plano. Dizem que, dali, podia controlar melhor o que queria controlar. Que nunca se interessou pela vida pública, mas sim por ter uma vida privada livre e o menos escrutinada possível. Que, definitivamente, ela inventou seu mistério para não ter que dar explicações", escreve Mariana.

Entre viagens para lugares importantes na vida de Silvina, muita pesquisa em arquivos, diários e jornais e certas fofocas disfarçadas de histórias da tradição oral alguns dos mistérios da autora são iluminados. Ruídos e divergências pontuam a relação da artista com o vaidoso Borges, que parecia se ressentir por não encontrar ecos da própria produção na obra da colega.

Já o agitado casamento com Bioy Casares é marcado pelas paixões entrecruzadas. É reconhecida a fama de mulherengo do autor de "A Invenção de Morel", que ao longo de toda a vida manteve relações paralelas ao matrimônio. Merece destaque o longo caso com a escritora mexicana Elena Garro, então esposa de Octavio Paz, autor que ganharia o Nobel de Literatura em 1990 (também tem um episódio do podcast sobre o Bioy). O suposto romance entre Silvina e a poeta Alejandra Pizarnik, por outro lado, permanece numa área sombria, com mais insinuações do que certezas.

Opção decisiva para entregar um livro com boa dinâmica, Mariana acerta ao privilegiar a investigação da figura da artista sem querer esmiuçar detalhes dispensáveis da vida de Silvina. Mais do que conhecer melhor a autora, é provável que os leitores terminem "A Irmã Menor - Um Retrato de Silvina Ocampo" curiosos para ler contos como "Cabeza de Piedra", avaliado com nota 5 por uma professora da filha de Silvina, "Las Conversaciones", com personagens que trocam de sexo durante a narrativa, e outras histórias peculiares dessa argentina singular.

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