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OPINIÃO

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Ataques e censura a artistas: perseguição tende a crescer até as eleições

Tentação de Santo Antônio, de Joos van Craesbeeck. - Reprodução
Tentação de Santo Antônio, de Joos van Craesbeeck. Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

30/03/2022 04h00

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Pouco mais de um ano antes das eleições de 2018 que ataques contra a arte se intensificaram no país. Em setembro de 2017, após uma série de agressões, o Santander Cultural cancelou a exposição "Queermuseu - Cartografias da Diferença na Arte Brasileira". Na mesma época, também por conta de movimentos inquisitórios, a peça "O Evangelho Segundo Jesus, Rainha do Céu" foi censurada e um quadro então exposto no Museu de Arte Contemporânea de Campo Grande, apreendido.

Desde então, o clima de perseguição paira em nossa sociedade. Não seria para menos. Em campanha, Jair Bolsonaro fez da arte e da cultura duas de suas principais inimigas. Em discursos repetidos abobalhadamente por apoiadores, tratava a Lei Rouanet como uma espécie de representante burocrática do capiroto. Na televisão, encenou um escarcéu por conta do livro "Aparelho Sexual e Cia", que integraria o tal "kit gay", outra alucinação mentirosa bem-sucedida entre os apoiadores do hoje presidente.

Os chiliques vindos do principal nome da extrema direita no país e o clima de caça à cultura alimentado por grupos como o MBL e engrossado por obtusos espalhados por todos os cantos fizeram com que o chorume se espalhasse. Segurança reforçada, detectores de metais e medo de possíveis ataques físicos passaram a fazer parte de eventos literários.

Escritores começaram a ter convites cancelados simplesmente por conta de resmungos de uns e de outros (deixo o que rolou com Luisa Geisler como exemplo). Escolas revisaram seus materiais para limar obras que pudessem desagradar apoiadores do governo. Na Bienal do Livro de 2019, Marcelo Crivella, naquela altura prefeito do Rio de Janeiro, tentou banir um gibi do evento, numa nítida demonstração de homofobia. "Marighella" teve uma luta imensa até chegar aos cinemas brasileiros.

Enquanto isso, em Brasília, a Cultura deixou de ser assunto digno de Ministério próprio. Deslocada para a pasta de Turismo, só não ficou mais escanteada porque tem servido para secretários apresentarem suas referências nazistas ou se mostrarem trogloditas que brigam mais com artistas do que pela arte. Quem olha com atenção para o setor é um outro Ministério, o de Economia, de onde Paulo Guedes insiste na ideia de enfiar mais impostos nos livros.

Preferia vir escrever resenhas, indicar boas leituras, mas o cenário sufocante (e desgastante) do país novamente se impõe. Dias atrás, um filme antigo e abobalhado de Danilo Gentili foi censurado. No final de semana, o festival Lollapalooza é que foi assombrado por censores. Integrantes do governo ou do partido de Bolsonaro estiveram por trás das ações em ambos os casos.

Na última sexta-feira, denúncia de um novo ataque, desta vez vindo de gente comum, não de políticos ou magistrados. Jeferson Tenório, vencedor do Jabuti de 2021 na categoria Romance com "O Avesso da Pele", revelou ter sido ameaçado de morte após a divulgação de uma palestra no Land School, colégio de Salvador. O escritor registrou boletim de ocorrência e o papo com os alunos ficou para o espaço virtual, pois a escola não poderia garantir a sua segurança.

Ano de eleição. Quem está no poder cresceu ao alvejar e ver seus apoiadores também alvejarem a arte e os artistas. A tendência é que ataques e episódios de perseguição e censura, vistos como estratégia desprezível por uns e como uma cruzada de moral bizarra por outros, fiquem ainda mais frequentes até outubro. É para se preocupar - e muito.

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