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ANÁLISE

Texto baseado no relato de acontecimentos, mas contextualizado a partir do conhecimento do jornalista sobre o tema; pode incluir interpretações do jornalista sobre os fatos.

Lembra de 'O Caçador de Pipas'? Brasil já viveu febre de livros afegãos

Cena da adaptação para o cinema de O Caçador de Pipas - Reprodução
Cena da adaptação para o cinema de O Caçador de Pipas Imagem: Reprodução

Colunista do UOL

18/08/2021 10h09

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No dia 18 de abril de 2007, uma matéria da Folha apontava que livros sobre o Afeganistão lideravam a lista dos mais vendidos. Naquela semana, quatro obras a respeito do país apareciam nos rankings de ficção e não ficção: "O Afegão", de Frederick Forsyth (Record), "O Caçador de Pipas", de Khaled Hosseini (Globo), "O Livreiro de Cabul", de Asne Seierstad (Record), e "Eu Sou o Livreiro de Cabul", de Shah Muhammad Rais (Bertrand do Brasil).

A tendência de livros sobre o Afeganistão havia se espalhado pelo Ocidente após os Estados Unidos invadirem a nação asiática para acertar as contas pelos atentados de 11 de setembro. Moda editorial similar ao que vimos mais recentemente com obras de booktubers e com os enfadonhos livros para colorir, essa onda afegã chegou com bastante força aqui no Brasil.

Também em 2007, na Bienal do Livro do Rio de Janeiro, três autores com trabalhos sobre o tema apareciam com destaque na programação. Deborah Rodriguez, de "O Salão de Beleza de Cabul" (Elsevier), Rais (aquele de "Eu Sou o Livreiro de Cabul") e Mohamed Moulessehoul, que assinou "As Andorinhas de Cabul" com o pseudônimo Yasmina Khadra (Sá Editora) fizeram uma mesa toda inspirada pela capital do Afeganistão, que ocupava com força o imaginário dos leitores.

Na época, virou piada a quantidade de títulos que faziam referência a Cabul. Tudo relacionado à cidade parecia ser assunto digno de livro. Além dos romances já citados, desde então leitores passaram a esbarrar em livrarias com volumes como "Mulheres de Cabul" (Harriet Logan, Geração Editorial), "Cabul no Inverno" (Ann Jones, Novo Século), "As Meninas Ocultas de Cabul" (Jenny Nordberg, Companhia das Letras) e "Uma Pequena Casa de Chá em Cabul" (outro de Deborah Rodriguez, Leya).

Como é possível intuir pelo nome dos escritores mencionados, a moda afegã foi alimentada por autores de diversos cantos do mundo. Do Brasil, quem anos mais tarde se debruçou sobre o país asiático foi a competente jornalista Adriana Carranca, referência no assunto. São dela os livros "O Afeganistão Depois do Talibã" (Civilização Brasileira) e "Malala - A Menina que Queria Ir Para a Escola" (Companhia das Letrinhas), que ajudam a entender as movimentações que aconteceram por lá entre a invasão norte-americana e a atual retomada do poder pelos fundamentalistas.

País com passado milenar e que reflete no presente contradições próprias e presepadas alheias, a história do Afeganistão é marcada por conflitos internos e pelas pressões e intromissões de grandes potências. Os avanços, retrocessos, guerras, tensões, lutas e problemas dos afegãos em décadas passadas contextualizam os romances do autor que melhor representa aquela moda de livros sobre a nação asiática: Khaled Hosseini.

Afegão que cresceu nos Estados Unidos, é de Hosseini um dos grandes fenômenos editoriais deste século: "O Caçador de Pipas", doloroso romance sobre amizade que, para muita gente, serviu de primeiro contato com a cultura, a história e as mazelas do Afeganistão - a ascensão do Taleban está nesse caldo. Para se ter uma ideia da força do autor no Brasil, "A Cidade do Sol" (Globo), trabalho com toada semelhante ao primeiro sucesso de Khaled e que coloca as mulheres no centro dos conflitos, saiu por aqui com tiragem semelhante à de títulos da série "Harry Potter".

Em 2013, ao ser entrevistado pelo colega Danilo Venticinque para a revista Época, Hosseini contou como gostaria que fosse um livro sobre o Afeganistão escrito dali a uma década. É uma resposta que, infelizmente, contrasta sobremaneira com as notícias e imagens que nos chegam:

"Adoraria escrever um livro em que as guerras, o extremismo e a pobreza não aparecessem. Um livro que pudesse se concentrar apenas nos personagens, sem fazer uma crônica de tragédias e violência. É um caminho longo. Os próximos anos serão difíceis. Mas é disso que o Afeganistão mais precisa, de uma geração que não tenha nascido em meio a conflitos armados e que não veja a violência como algo cotidiano, cujos heróis não carreguem armas. Seria maravilhoso se o país estivesse em paz daqui a dez anos".

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