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Guilherme Ravache

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que os concorrentes da Globo não souberam aproveitar a crise da líder

BBB 22 é um dos sucessos do Globoplay, plataforma que cresceu 74% em faturamento em 2021 - Reprodução/TV Globo
BBB 22 é um dos sucessos do Globoplay, plataforma que cresceu 74% em faturamento em 2021 Imagem: Reprodução/TV Globo

Colunista do UOL

03/04/2022 00h00

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Resumo da notícia

  • Globo faturou R$ 14,4 bilhões em 2021; receita acelerou no final do ano e chegou a R$ 4,2 bilhões no último trimestre
  • A Globo teve prejuízo de R$ 173 milhões no ano passado, resultados negativos com futebol e Olimpíadas pesaram na conta
  • Porém, algumas receitas da venda de propriedades como a Som Livre, comprada pela Sony da Globo por R$ 1,2 bilhão, não entraram na conta de 2021
  • O Globoplay registrou aumento de 74% na receita líquida em relação a 2020, suportada por um crescimento de 33% da base de assinantes
  • Enquanto a Globo fatura alto na TV aberta com BBB 22 e Pantanal, e se destaca no digital com o Globoplay, concorrentes enfrentam dificuldades
  • Faustão passa por crise na Band e apostas esportivas não foram suficientes para levantar a audiência de maneira consistente em outras emissoras

A Globo anunciou nesta semana os resultados do ano de 2021. A empresa teve um prejuízo de R$ 173 milhões. Pode parecer ruim, mas alguns números mostram um cenário diferente e que aponta uma incômoda realidade para os concorrentes da Globo: a emissora carioca não apenas voltou a crescer, como está se "destacando" da concorrência das TVs tradicionais graças ao digital.

Segundo o balanço da Globo divulgado essa semana, a empresa teve receita líquida de R$14,4 bilhões em 2021, o resultado é 15% maior em relação a 2020 e nos mesmos níveis do período anterior à pandemia.

Além disso, várias das propriedades vendidas pela empresa no ano passado não entraram na conta de 2021. O R$1,2 bilhão da venda da Som Livre para a Sony, por exemplo, serão pagos em 2022, já que a aprovação do negócio pelo Cade saiu apenas em fevereiro passado.

Outro dado relevante é que no quarto trimestre de 2021, a Globo teve receita líquida de R$ 4,2 bilhões, o melhor resultado em um trimestre dos últimos seis anos. Mantida a tendência do quarto trimestre, e o que ouvi é que o primeiro trimestre deste ano também começou robusto graças ao BBB 22, a novela Pantanal e bons números do Globoplay, 2022 deve ser um ano como há tempos não se via na Globo.

Mas se há menos audiência na TV aberta e uma debandada de assinantes na TV a cabo (dois movimentos acelerados pela pandemia), como a Globo está conseguindo recuperar o faturamento pré-pandemia? A resposta é o crescimento de suas plataformas digitais, particularmente o Globoplay.

Corte de custos e foco no Globoplay

Qual o papel do Globoplay no aumento da receita e no prejuízo do grupo? Enorme. "O Globoplay registrou aumento de 74% na receita líquida em relação a 2020, suportada por um crescimento de 33% da base de assinantes a partir da oferta de pacotes mais diversificados e atrativos", informou a Globo em nota aos investidores.

Mas ao mesmo tempo que se tornou um motor de crescimento, o Globoplay é um aspirador de dinheiro. A Netflix é a única grande plataforma de streaming que dá lucro. Mas essa rentabilidade começou apenas em 2020, mais de uma década após o lançamento da Netflix.

A lógica das plataformas de streaming é seguir os passos da Netflix: crescer, ganhar milhões de assinantes e, anos depois lucrar por meio de medidas como aumento de preços das assinaturas e restringindo o compartilhamento de senhas.

O Globoplay, nos planos da direção da Globo, deveria parar de perder dinheiro somente em 2024 ou 2025. Mas o aumento da concorrência e a disparada dos custos de produção do setor vão adiar essa meta por mais alguns anos.

Crise na Globo e corte de custos

Há quatro anos, a Globo iniciou um projeto para unificar e gerar sinergias entre todas as empresas do grupo. Na prática, um duro processo de demissões e cortes de custos para transformar a companhia em um grupo de mídia e tecnologia.

Na avaliação de dois executivos ouvidos pela coluna, o início do projeto foi confuso e faltou uma comunicação mais clara da liderança da Globo interna e externamente. "Ao mesmo tempo em que diziam que estava tudo bem, que éramos líderes absolutos e que o digital não era um problema; demitiam, cortavam e não deixavam margem para diálogo", lembra um ex-funcionário da empresa.

Segundo esse executivo, "a Globo sentava com um parceiro, falava um número e não fazia qualquer concessão". Na avaliação deste profissional, isso levou a empresa a desgastar relacionamentos construídos ao longo de décadas. Obviamente, quem já participou de reestruturações sabe que é impossível reduzir custos e agradar a todos. Mas a crise em torno da saída de grandes estrelas talvez seja um exemplo mais visível dessa postura.

Discurso distante da realidade

À medida que a Globo começou a não renovar contratos de estrelas, fãs e a mídia especializada aumentaram as críticas à empresa. Em junho do ano passado, a notícia da saída de Faustão da Globo rumo à Band foi o estopim para o coro de "vai falir" ganhar força.

Faustão passou a dominar a mídia com a notícia de que não renovaria com a Globo por estar insatisfeito e a narrativa era de que a Globo nem mesmo permitiu que ele se despedisse do público (vale lembrar que informação da saída foi vazada à imprensa pelo apresentador). No mesmo período, outras estrelas deixavam a emissora carioca após décadas de contratos fixos.

Em julho, mês seguinte à saída de Faustão da Globo e com o apresentador e a Band divulgando novidades como diversas contratações de talentos da Globo, Jorge Nóbrega, presidente executivo do Grupo Globo, deu uma longa entrevista ao jornal Valor Econômico (parte do grupo Globo) dizendo que a primeira fase da reestruturação foi um sucesso e afirmando: "Preservamos nossos valores, mantendo o que era importante".

Nóbrega não disse nada sobre Faustão. Também não comentou por que o modelo dos novos contratos eram importantes e usados por concorrentes como a Netflix. Uma grande aposta da Globo, dava a entender o texto, seriam os podcasts, um fenômeno nos Estados Unidos.

O que fizeram os concorrentes

Enquanto a Globo liberava talentos e direitos de transmissão, cortava custos e apanhava na mídia, a Band apostou fortemente em Faustão e na F-1. Record e SBT levaram os campeonatos de futebol.

Mas nenhuma outra emissora conseguiu se tornar uma ameaça em qualquer segmento para a Globo, como o robusto crescimento de receita da Globo mostra. O programa do Faustão na Band passa por dificuldades e já começa a cortar custos. A F-1 faz sucesso, mas é um evento pontual que não sustenta a grade. Record e SBT têm alcançado boas audiências com futebol, mas falta consistência às transmissões.

Apesar da "fuga" de talentos da Globo, na prática não se criou nenhum grande sucesso entre os concorrentes e o modelo segue sendo comprar formatos de programas estrangeiros. Como apontou o colunista Ricardo Feltrin, os "renegados da Record", Sabrina Sato, Marcos Mion, Fábio Porchat, Xuxa, Paulo Vieira entre outros, hoje fazem mais sucesso na Globo do que fizeram na Record.

Enquanto a Record dispensou talentos, Silvio Santos surpreendeu diretores com novas e inexplicáveis grades de programação e a Band dispensou uma importante parte de seu faturamento com a programação religiosa para investir milhões em Faustão, a Globo cortou custos e vendo os bons resultados do streaming dobrou a aposta no Globoplay, inclusive vendendo negócios pouco rentáveis e que dispersavam a atenção de executivos.

Futuro é digital

Talvez a grande questão para os concorrentes tradicionais da Globo é que, se por um lado ela abriu mão de talentos e direitos na TV aberta e a cabo, por outro investiu pesadamente no Globoplay.

O contrato de parceria fechado com o Google no ano passado mostra inclusive uma mudança de postura da emissora carioca. Ao deixar a tecnologia do Globoplay a cargo de um de seus maiores concorrentes no mercado publicitário, a Globo mostrou que estava disposta a romper com antigas tradições. Da mesma maneira que rompeu com o passado ao acabar com contratos fixos e abrir mão de atrações esportivas que dessem prejuízo.

De 2020 para 2021, o investimento em direitos de transmissão da emissora saltou de R$ 2,32 bilhões para R$ 3,67 bilhões. Um aumento de R$ 1,3 bilhão em apenas um ano. Se a Globo não tem futebol na TV aberta e a cabo, não é por falta de dinheiro, é porque a aposta no Globoplay.

A Globo também informou essa semana aos investidores que "a primeira semana do BBB 22 obteve o dobro de horas consumidas no BBB 21". Ou ainda, oito vezes mais horas consumidas do que no BBB 20. "A transmissão simultânea da TV Globo no Globoplay foi assistida por uma média de 1 milhão de usuários por minuto, um aumento de 184% em relação ao BBB21".

Concorrentes sem streaming

Mas afinal, por que os concorrentes não aproveitaram a crise na Globo? Talvez porque a crise não seja da Globo, a crise é do modelo da TV tradicional. A Globo, por ser a líder e viver no imaginário popular, monopolizou as atenções. E de certo modo, a vênus platinada também demorou para se ajustar à nova realidade.

Para muitos, Nóbrega cumpria a missão de cortar custos, mas não era um bom comunicador. Tinha mais perfil de consultor do que de CEO. Após o anúncio da saída de Nóbrega, outras lideranças da Globo deram entrevistas surpreendentemente francas e diretas sobre a necessidade de mudança na empresa. Erick Brêtas, diretor de produtos e serviços digitais da Globo, falou diretamente das demissões e contou o quanto o processo é difícil, mas necessário.

Dias atrás, o narrador Galvão Bueno anunciou que não teria mais contrato fixo com a Globo. A atriz Juliana Paes, também. Ninguém se surpreendeu.

A Globo tem o Globoplay. Se a conta realmente vai fechar no streaming é a pergunta que todos que investem nessas plataformas gostariam de saber. Mas vale notar que as poucas iniciativas digitais que foram bem executadas por emissoras de TV brasileiras nos últimos anos trouxeram bons resultados.

Digital é oportunidade, mas pouco explorada

O SBT fatura milhões no YouTube e é uma das maiores audiências da plataforma no mundo. Obviamente, sendo o Google o dono do YouTube, a big tech controla a audiência e a divisão da receita. Mas como a Globo também concluiu ao fechar sua parceria com a gigante de tecnologia, melhor com o Google do que sem ele.

O PlayPlus da Record começou bem, mas perdeu fôlego. A direção optou por concentrar investimentos na TV aberta. A RedeTV! é um fenômeno de faturamento nas redes sociais graças às suas pegadinhas. O vídeo "Mendiga Esbanja Boa Forma" tem mais de 103 milhões de visualizações. Dos 200 vídeos mais vistos no canal da RedeTV! no YouTube, que tem 12,9 milhões de seguidores, somente um vídeo não envolve mulheres "libidinosas".

Se a dramaturgia bem produzida do Globoplay ou as pegadinhas no YouTube são o futuro da TV aberta e a cabo, é uma incógnita. Mas por hora, como os investimentos da Globo mostram, a emissora carioca está alguns bilhões na frente dos concorrentes no caminho para descobrir. A Globo segue líder na TV, mas também cada vez mais distante dos concorrentes tradicionais no digital.

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