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Guilherme Ravache

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Por que os esportes podem definir futuro do streaming e a Netflix estagnou

Colunista do UOL

06/03/2022 04h00

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Resumo da notícia

  • Os jogos de domingo da NFL podem passar a ser transmitidos exclusivamente no streaming a partir de 2023, Amazon e Apple disputam os direitos
  • No Brasil, a Libertadores pode seguir o mesmo caminho e ficar disponível apenas em plataformas digitais
  • Por trás da mudança estão investimentos cada vez mais altos em esportes ao vivo feitos por empresas de streaming que buscam atrair novos assinantes
  • Os valores dos campeonatos dispararam; na Índia, mercado chave na guerra do streaming, críquete deve ser negociado por mais de R$ 25 bilhões
  • O encarecimento dos custos esportivos fez surgir alianças surpreendentes, como a Globo vendendo e produzindo jogos da Copa do Brasil para a Amazon
  • A Netflix, que tem tido dificuldades para crescer, ainda resiste a entrar na disputa pela transmissão de eventos esportivos ao vivo

Parece cada vez mais provável que a partir de 2023 os jogos de domingo da Liga Nacional de Futebol Americano (NFL) passem a ser transmitidos exclusivamente no streaming, já que Amazon e Apple lideram a disputa pela compra dos direitos de transmissão.

O "Sunday Ticket", como é conhecido, hoje é da DirecTV que paga mais de R$ 10 bilhões por ano pela competição. Mas a estimativa é que os novos donos dos direitos possam pagar até R$ 37,5 bilhões ao ano para ter as partidas de domingo.

Segundo o colunista John Ourand, do Sports Business Journal, o Disney "não encerrou as negociações para o pacote, que seria veiculado na ESPN+, embora o valor que a Disney disse à NFL que pagará esteja bem abaixo do valor que a Apple e a Amazon discutiram".

Seja quem for o vencedor, fica cada vez mais claro que o futuro do streaming e das transmissões ao vivo das grandes competições vão caminhar cada vez mais próximos. A Amazon tem apostado fortemente no esporte profissional para impulsionar o Prime Video. No ano passado, a empresa fechou um acordo pelos direitos do pacote Thursday Night Football a um preço de R$ 6 bilhões por temporada ao longo de 11 anos.

Nos últimos cinco anos, 77 dos 100 programas de televisão mais assistidos foram jogos ao vivo de futebol americano. A NFL é a liga esportiva mais importante dos Estados Unidos, mas ela não é a única a se render ao streaming.

Streaming é a bola da vez

Cada vez mais campeonatos são transmitidos exclusivamente pelo streaming. Na Itália, a DAZN comprou os direitos dos jogos da Série A do futebol italiano e os transmite exclusivamente em plataformas digitais.

No Brasil as competições ainda acontecem majoritariamente na TV aberta, mas isso pode mudar. "Futebol dá audiência e as empresas de streaming já entenderam que isso também funciona para atrair e reter assinantes", diz Marcelo de Campos Pinto, managing partner da SportsView Marketing Esportivo e Digital. "Os clubes e federações também perceberam que as plataformas de streaming não apenas são alternativas viáveis para transmitir as partidas, como têm dinheiro e são bastante competitivas nas ofertas financeiras".

As gigantes de tecnologia donas das plataformas de streaming são grandes demais até para a Globo ignorar. Mesmo sendo dona do Globoplay a emissora carioca vendeu em dezembro 36 jogos da Copa do Brasil de 2022 para a Amazon, sendo 30 deles exclusivos. A Globo também fará a produção e transmissão destas partidas para a Amazon.

Com o acordo, a Globo revive a estratégia de divisão de custos dos direitos que no passado já foi feita com a Fox, Band e ESPN. A parceria seria ainda uma maneira da Globo estreitar a relação com a Amazon para dividir os custos de futuras compras de direito.

Libertadores apenas no streaming?

A expectativa é que os custos de transmissão de esportes disparem este ano, particularmente no futebol. Libertadores e Copa do Brasil, as duas competições mais importantes para os brasileiros, estão sendo negociadas neste período.

A prioridade é a Libertadores, seguida pela Copa do Brasil. A Globo já afirmou ter interesse nas competições, mas disse que não fechará os negócios se os valores não forem sustentáveis. Traduzindo, a Globo só comprará os campeonatos se não perder dinheiro. Desta perspectiva, uma parceria com a Amazon faria ainda mais sentido.

Do outro lado, a Conmebol e FC Diez, responsáveis pela negociação dos direitos de transmissão dos dois torneios, afirmam em encontros com potenciais compradores que poderiam aceitar uma oferta de exclusividade de streaming, desde que ela seja financeiramente atrativa e não diminua a visibilidade do torneio. A informação foi dada em primeira mão pelo colunista Erich Beting, da Máquina do Esporte, e confirmada pela coluna.

A infraestrutura ainda é uma barreira no Brasil. "Se você observar a origem das reclamações das transmissões em streaming do Campeonato Carioca, verá que praticamente todas são de usuários de celular. A velocidade da conexão é nosso maior desafio e o 5G deve demorar para ser amplamente implementado no país", diz Marcelo.

Por que o Disney+ cresce e a Netflix, não

Para entender a importância dos esportes ao vivo para o streaming e por que a Netflix aparentemente tem errado em não abraçar as competições ao vivo, vale observar a Índia e a lavada que a Disney+ tem dado na concorrente.

A Disney tem mais de 130 milhões de assinantes, ou 196 milhões se somados Hulu e ESPN+. Além disso, enquanto a Netflix decepcionou no último trimestre e ganhou somente 2,5 milhões de assinantes, a Disney superou as expectativas.

Dois fatores parecem diferenciar a Disney e seus serviços de streaming dos concorrentes. Primeiro, são os bundles, ou pacotes. A Disney+ obrigou os assinantes da Disney nos Estados Unidos, por exemplo, a escolher ter Hulu ou ESPN+ com o Disney+. O segundo fator é a vasta oferta de esportes da Disney, que também é dona do Star+, além da ESPN.

Disney não é para crianças

A Disney é enorme em streaming na Índia, Cingapura e Indonésia. A explicação para este fenômeno está na oferta local de competições esportivas por meio do HotStar, serviço de streaming comprado pela Disney da Fox. Surpreendentemente, mais da metade dos assinantes do Disney+ não tem filhos, segundo a própria empresa.

A principal razão do crescimento da HotStar são as partidas exclusivas de críquete da Indian Premier League. Hoje, o serviço alcança 50 milhões de assinantes, 38% do total de assinantes do Disney+. Os territórios da HotStar representam o maior crescimento do Disney+ no ano passado, com o número de assinantes aumentando 57% ano a ano.

Mas existe um grande problema. Um assinante do HotStar gera apenas R$ 5,15 em receita. Um usuário da Disney+ nos Estados Unidos ou Canadá rende R$ 33,40, no mercado internacional o valor cai para R$ 29. Além dos valores das assinaturas serem mais baixos na Índia, os direitos de transmissão das competições esportivas são caras.

Críquete pode influenciar transmissões de futebol

Mas os direitos de críquete expiram este ano. Bob Chapek, CEO da Disney, disse a analistas que a empresa está fazendo lances agressivos, mas Amazon, Paramount e Sony também. Segundo o Wall Street Journal, o preço pode chegar a R$ 25 bilhões por um acordo de direitos de cinco anos (e aqui os clubes brasileiros deveriam parar e analisar por que a Índia, um país semelhante ao Brasil, consegue arrecadar R$ 5 bilhões ao ano com o críquete enquanto por aqui há torneios que nem são vendidas para as TVs).

Todos os líderes globais de streaming querem crescer na Índia, então manter a posição da Disney será muito mais difícil se a empresa não renovar esses direitos. Por outro lado, se a Disney for derrotada, há chances de um grande volume de investimentos ser redirecionado para a América Latina, particularmente o Brasil, para compensar a queda de assinantes na Índia. A Disney é uma das fortes candidatas a levar a Libertadores e a Copa do Brasil.

Netflix decepciona na Índia

A Netflix há anos patina na Índia e tem apenas 5,5 milhões de assinantes no país, de acordo com a consultoria Media Partners Asia (MPA). Em contraste, a MPA estima que os concorrentes da Netflix, Amazon Prime Video e Disney+ mais HotStar, tenham 16 milhões e 50 milhões, respectivamente .

A Netflix não divulga os números de assinantes por país, mas a insatisfação com seu progresso na Índia ficou clara durante uma fatídica teleconferência de resultados em janeiro. Em "todos os outros grandes mercados, temos a engrenagem girando", disse Reed Hastings, CEO da empresa. "O que nos frustra é por que não fomos tão bem sucedidos na Índia."

Os dados mais recentes da empresa de pesquisas RedSeer mostraram que, em janeiro, apenas 4% a 6% da programação feita por streamers assistida na Índia era da Netflix. O Disney+ HotStar atingiu de 45% a 47% da audiência.

Em um momento em que o crescimento de novos assinantes desacelera, crescer em mercados emergentes como a Índia e o Brasil se tornou essencial. Entre 2019 e 2020, a Netflix investiu mais de R$ 2 bilhões em produções originais na Índia, mas mesmo assim não caiu no gosto popular.

Esporte é o futuro, mas existem barreiras

Diante do avassalador volume de lançamentos de filmes e séries em múltiplas plataformas de streaming, o esporte parece ter se tornado o último refúgio em busca de novos assinantes. A Netflix resiste à mudança e não faz transmissões de competições ao vivo, enquanto isso seus concorrentes crescem e se adaptam ao gosto da audiência.

A Disney, além de apostar nos esportes, também deve lançar opções de assinaturas mais baratas com publicidade, o que deve acelerar ainda mais seu crescimento.

Ironicamente, a Netflix parece resistir firmemente às novidades e se parece cada vez mais com as TV tradicionais há alguns anos, quando demoraram a entender como o streaming e a conveniência que oferecia aos usuários seria o futuro. O futuro chegou, os concorrentes se adaptaram, lançaram suas próprias plataformas e cresceram. Enquanto isso, a Netflix parece ter estagnado e parado no tempo.

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