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Flavia Guerra

REPORTAGEM

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Diretor brasileiro compara rei Henrique 8° a Bolsonaro: 'Ditador e monstro'

Karim Aïnouz, Alicia Vikander e Jude Law em Cannes - Reuters
Karim Aïnouz, Alicia Vikander e Jude Law em Cannes Imagem: Reuters

Colunista do UOL, em Cannes

22/05/2023 11h03

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Longe do Brasil durante os anos em que Jair Bolsonaro (PL) foi presidente da República, o diretor Karim Aïnouz percebeu ao finalizar seu filme sobre o rei britânico Henrique 8º (1491-1547) o quanto foi impactado pelo que acontecia em seu país durante as filmagens. "É uma das formas que encontrei para lidar com isso" disse ele, durante entrevista no Festival de Cannes.

"Olhando em perspectiva, eu penso em outras razões para também fazer este filme. Eu estava fazendo um filme sobre alguém (Henrique 8º) que era muito como o Bolsonaro. Nunca estive no Brasil enquanto ele foi presidente. E um rei que era um ditador, monstro, tinha a ver com o que passávamos num país que era uma democracia", disse Karim, questionado se via paralelo entre a posição das mulheres no Reino Unido do século 16 e o que se passou com a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) no Brasil.

"Firebrand", longa do brasileiro Karim Aïnouz que concorre à Palma de Ouro, traz Alicia Vikander como Katherine Parr, a sexta e última esposa do polêmico Henrique 8º, interpretado por Jude Law. Questionado sobre como enxerga a família real britânica hoje, depois de um processo de imersão no universo da realeza britânica e dos Tudors no século 16, Law comparou a monarquia britânica a uma encenação.

"Eu consigo ver a monarquia hoje como o teatro. Eu não realmente sigo as notícias, não leio as fofocas, os detalhes. Acho que, sobre este capítulo da História contemporânea, é intrigante observar como se relaciona com os outros momentos da História", comentou o ator.

"Mas há algo notável no ritual todo. Quando a gente olha as fotos de uma cerimônia de hoje, que é também medieval, ela me parece muito moderna", completou, em referência à recente coroação do Rei Charles.

Em "Firebrand", que fez sua première mundial na noite de domingo sob boa acolhida do público e da crítica, ele vive um rei muito diferente dos reis contemporâneos, mas não menos humano.

O Henrique de Jude Law é o mesmo rei histórico que teve seis mulheres, duas delas que ele mesmo condenou à morte (uma delas, a lendária Ana Bolena), mas é vivido pelo ator de uma forma nada sacralizada, com seus rompantes de fúria, acessos de violência contra a mulher Katherine Parr (Vikander), mas também fragilidade, como a ferida na perna (que ele ganhou em uma das tantas batalhas contra a França e que o levou à morte depois de anos de sofrimento) e a paranoia que o consumia.

"Eu tentei justamente dessacralizar sua figura. Não pensei que ia viver um grande tirano, um monstro ou algo assim, mas tentei focar primeiramente na infância deste rei. Ele foi criado longe dos pais, forjado para ser o rei, provavelmente também sofreu violência que depois reproduziu. E sua vida adulta é reflexo de um processo", explicou o ator.

Dessacralizar a realeza e tratar tanto Parr quanto Henrique como pessoas com suas complexidades, intimidade e medos foi um ponto crucial do trabalho para que Karim Aïnouz aceitasse o convite da produtora britânica Gabriela Tana para adaptar às telas a história da rainha que também foi a primeira mulher a publicar um livro em inglês e a ser ativa pensadora das reformas que a coroa britânica precisava passar no século 16, antes mesmo que o Império Britânico colonialista fosse forjado.

O olhar de um brasileiro, que vive em um país colonizado, foi também importante no tratamento dado a um tema que parece ser passado, mas que tem relevância no presente. Afinal, o recorte de "Firebrand" não mitifica, não glorifica e nem sacraliza a realeza e muito menos o rei. É justamente em retratar como Parr foi inteligente e estratégica o suficiente para sobreviver a um rei e marido abusivo, violento e tirano que reside a maior força do filme, que o torna o longa relevante e contemporâneo.

Sobre a relevância contemporânea do longa, Alicia Vikander afirmou que este foi um grande motivo para embarcar no projeto. "Houve momentos em que Jude era assustador. Houve momentos sensíveis. Foi um grande desafio me colocar no lugar dela e ter uma ideia de como poderia ter sido para uma pessoa que estava nesta situação de ameaça real. E não acho que há alguma diferença entre ela e as pessoas de hoje. Entre o que as mulheres ainda enfrentam", afirmou a atriz.