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Rota a pé de Chadar até Zanskar garante muitas emoções no Himalaia

Meninas zanskari aguardam enquanto seus pais procuram pela saída mais segura da região gelada - Ben Stephenson/The New York Times
Meninas zanskari aguardam enquanto seus pais procuram pela saída mais segura da região gelada Imagem: Ben Stephenson/The New York Times

Jonathan Mingle

New York Times Syndicate

15/01/2012 07h00

Estávamos caminhando pela superfície congelada e lisa do rio Zanskar há 20 minutos quando Urgain Dorjay, nosso guia, fez sinal para que parássemos. Ele olhou para cima da rocha, incomumente tenso enquanto uma voz dizia algo lá de cima.

“Recuem!” Urgain gritou.

Nós largamos rapidamente nossa bagagem e recuamos cerca de 100 metros, nos virando a tempo para ver várias toneladas de rocha detonadas rolando penhasco abaixo, cobrindo o gelo à frente. Uma nuvem de pó cobriu o desfiladeiro.

“Eles estão detonando”, Urgain disse rindo, limpando a sujeira em seu rosto. “Oh ho, muito perigoso.”

Enquanto os operários lá no alto trabalhavam na abertura de uma estrada na encosta da montanha, retomamos nosso caminho pelo campo recém pedregoso. Era o início de fevereiro e estávamos caminhando para Zanskar, um vale remoto no Himalaia, vizinho da região de Ladakh, no norte da Índia, sobre um caminho de gelo.

Esses riscos artificiais são apenas as mais recentes adições à longa lista de surpresas que aguardam aqueles que viajam pela ancestral rota Chadar até Zanskar. Chadar significa lençol ou cobertor em hindi, e é um nome adequado para uma jornada de 64 quilômetros, grande parte dela andando sobre uma superfície congelada, às vezes desconcertantemente fina, do rio Zanskar, um importante afluente do rio Indo.

Para aqueles dispostos a enfrentar uma semana de temperaturas abaixo de -10ºC, uma avalanche ocasional e o risco sempre presente de hipotermia por se molhar nas águas que correm escondidas sob os pés, o rio se transforma em uma estrada ligando as poucas dezenas de vilarejos de Zanskar ao restante do mundo, durante a janela de dois meses no auge do inverno himalaico. Antes o caminho preferido para transporte da rica manteiga zanskari para ser comercializada em Leh, a principal cidade de Ladakh e um velho centro em um ramal da Rota da Seda, a rota Chadar ainda recebe um tráfego constante de zanskaris em busca de trabalho, bens ou educação em escolas distantes (a maioria das trilhas montanhosas e a única estrada para jipes da região, que segue para oeste até a cidade de fronteira de Kargil, ficam bloqueadas pela neve pesada de novembro até maio. Por séculos, caminhar sobre o gelo era a rota mais confiável no inverno para os zanskaris para entrada e saída do vale).

Nos últimos anos, a reputação da rota como uma das jornadas mais recompensadoras no Himalaia tem atraído um número cada vez maior de estrangeiros em busca de aventura (também sedutor é o sabor de andar na corda bamba: se algo sair errado, você está por conta própria, ao menos até o tempo melhorar e os militares indianos poderem enviar um helicóptero de resgate). A Chadar oferece experiências que poucas outras jornadas podem igualar: formações rochosas espetaculares aparecem repentinamente, emolduradas pelas bordas do desfiladeiro; as noites são passadas em cavernas às margens do rio, em cujas paredes estão gravados símbolos e os nomes de gerações de viajantes; e a própria rota sempre muda sob os pés, às vezes dramaticamente, de um dia para outro e de um momento para outro.

Mas para os zanskaris e viajantes, a janela para uma viagem segura é estreita. O gelo se torna forte e contínuo o suficiente para caminhar no início de janeiro e costuma ficar perigosamente fino e quebradiço em março (os habitantes locais culpam a tendência recente de temperaturas de inverno mais quentes pelo encurtamento da estação, que costumava ser quase dois meses mais longa).

Esse relógio correndo deu uma sensação de urgência à nossa animada equipe de 11 - seis zanskaris, dois ladakhis e os três chigyalpas (estrangeiros, ou literalmente, “aqueles de fora do reino”) que andavam pesadamente - enquanto caminhava, andava com dificuldade, escorregava, escalava, reclamava e se arrastava até Zanskar.

Em nossa primeira noite de acampamento, após percorrer por uma tarde ensolarada um trecho de gelo digno de uma pista de hóquei, compartilhamos piadas e histórias de antigas jornadas pela Chadar enquanto comíamos tigelas fumegantes de macarrão masala picante misturado com atum enlatado e carne seca de iaque. Um dos carregadores trouxe uma garrafa de rum Old Monk (ou remédio para dormir, como nosso amigo ladakhi Choszang o chamava brincando). Enquanto passávamos o rum um para o outro, alguém se perguntou em voz alta como as condições do tempo estariam no dia seguinte. Urgain deu de ombros de modo eloquente.

“Chadar está sempre mudando”, ele disse. Ocorreram alguns poucos murmúrios de confirmação antes de abandonarmos a fogueira e entrarmos em nossos sacos de dormir.

Antes de deixar o acampamento lotado naquela manhã, caminhamos alguns poucos minutos ao longo da margem do rio até um aglomerado de tendas laranja, para visitar Mahmood Ahmad Shah, o vice-diretor de turismo do Estado indiano de Jammu e Caxemira. Encarregado de promover a beleza natural da região, ele veio ver uma das lendárias atrações de seu distrito pessoalmente.

“É o sonho de uma vida estar em Chadar”, ele disse. Mas após um dia no gelo com previsão de tempo ruim, ele nos disse e aos seus assessores que voltaria para Leh. Poucas horas depois encontramos dois indianos de meia-idade, vestindo Gore-Tex de aparência nova, vindo em nossa direção; eles também estavam voltando para Leh mais cedo do que planejavam. “Isto está muito além de nossa capacidade”, disse um, citando as temperaturas frígidas na garganta cheia de neve e a fadiga causada pelas horas tentando atravessar o gelo em mutação constante.

Apesar da preparação mental, física e logística para as condições exigentes de Chadar serem essenciais, uma jornada bem-sucedida é igualmente uma questão de sorte ou, mais precisamente, de timing. Alguns em nosso grupo já tinham experimentado isso. Em uma viagem anterior por Chadar, meu amigo Ben Stephenson, um geólogo e veterano de 11 viagens a Zanskar, e seus companheiros foram forçados a se abrigar em uma caverna devido a uma nevasca. A neve dificultava saber se havia gelo ou água sob os pés, tornando o progresso do dia seguinte dolorosamente lento. Após escaparem por pouco de uma avalanche, eles decidiram voltar. Na minha primeira viagem por Chadar, em 2009, após uma tempestade de neve ter escondido os pontos fracos no gelo, eu caí em uma corredeira com água até meu peito. Neve pesada frequentemente deixa Chadar intransponível, ao provocar avalanches que bloqueiam o fluxo da água, até ela finalmente se acumular e despedaçar o gelo.

Isso tudo pode acontecer em um espaço de poucas horas, de modo que quando nosso primeiro dia ensolarado se tornou nublado, ameaçando o segundo, nós aceleramos o passo. Os carregadores seguiam na frente, exibindo seu dom incrível de encontrar apoio sólido para os pés enquanto puxavam trenós artesanais carregados de alimentos, querosene, sacos de dormir e equipamentos diversos. Seguindo os rastros deles, o restante de nós percorria de modo eficiente trechos que pareciam arriscados para olhos não treinados. Em poucas horas, nós percorremos bolsas de ar do tamanho de um pé escondidas sob gelo oco, placas de gelo triangulares até a altura da cintura inclinadas em ângulos de 45 graus, piscinas de neve derretida azulada sobre bancos de gelo, e trechos escorregadios de gelo transparente.

Mais tarde, os zanskaris fizeram uma pausa em uma linha invisível no rio. “Dizemos que isto marca o início de Zanskar e o fim de Ladakh”, explicou Urgain.

O rio estava em bom estado no dia seguinte e a neve prevista por Mahmood não caiu. Gregg Smith, um veterano de atividades ao ar livre, mas pela primeira vez ali, se maravilhou enquanto observávamos os zanskaris atravessarem calmamente um trecho de 50 metros de água até a altura da coxa; em questão de minutos eles tinham chá fervendo sobre uma fogueira.

Poucas horas depois, saímos do gelo e escalamos a montanha até o extremo sul da estrada que está sendo aberta de Zanskar até Leh. Agradecemos aos deuses, trocamos apertos de mão e tiramos fotos ao lado da escavadeira suja que marcava o final da Chadar. No final, nossa equipe experiente conseguiu realizar a jornada, que a maioria dos grupos de estrangeiros normalmente leva até uma semana, em apenas três dias.

Uma caminhada de 1,5 quilômetro estrada acima nos levou até os barracos de zinco do acampamento do exército para construção da estrada, onde secamos nossas botas sobre o fogão de um engenheiro e aguardamos pelos jipes que arranjamos para nos levarem pelos 24 quilômetros restantes até Padum, a cidade principal de Zanskar. Lar de aproximadamente 1.500 agricultores, lojistas e funcionários públicos, Padum é rica em história e, pelos padrões zanskaris, diversidade: um templo budista restaurado, empoleirado sobre uma colina de formação glacial no coração antigo da cidade, fica a apenas poucos minutos de caminhada de uma grande mesquita que serve aos muçulmanos sunitas locais.

  • Ben Stephenson/The New York Times

    O guia Urgain Dorjay recoloca suas meias depois de passagem por um ponto do rio Zanskar, no Himalaia


Chegamos à cidade bem depois da meia-noite, após algumas poucas horas frias empurrando nossos veículos para fora de bancos de neve, avançando lentamente pelo que tinha se tornado uma nevasca plena e nos parabenizando ao conseguirmos sair do rio no momento certo. Passamos pelas janelas escurecidas das casas de tijolos de barro enquanto subíamos um longo morro até a casa de Urgain, onde desabamos em uma pilha suada, exausta e sorridente no chão de sua cozinha.

Enquanto caminhávamos pelo mercado principal da tranquila Padum no dia seguinte, todo mundo queria saber sobre as condições na Chadar. Muitos zanskaris estavam se preparando para percorrê-la em breve, para encontrar grupos de estrangeiros à procura de carregadores em Leh, ou para levar seus filhos de volta à escola depois das férias de inverno.

“Como está Wama?” perguntou uma mulher, se referindo a um notório trecho estreito do rio, que pode passar de gelo para água e gelo novamente em uma velocidade alarmante.

“Wama está bom”, asseguramos.

Mas começamos a olhar para a neve que caia com cautela. A viagem de volta para Leh em dez dias passava a ocupar cada vez mais nossas mentes. E a Chadar está sempre mudando.
 

 


Se você for

A viagem por Chadar começa logo depois do vilarejo de Chiling, a cerca de 60 quilômetros a oeste de Leh, no Estado indiano de Jammu e Caxemira. A rota segue o rio até o início da estrada próxima do vilarejo zanskari de Hanumil. É essencial contratar guias locais e carregadores, pois eles conhecem os atalhos, onde atravessar para margens seguras, a distância entre os pontos de descanso e as melhores cavernas e cabanas de pastores para dormir.

Várias agências de viagem em Leh podem arranjar viagens com guia para Chadar, por diversos níveis de preço, duração e conforto. É melhor procurar agências com carregadores e guias zanskaris, já que conhecem a rota melhor do que a maioria dos guias ladakhis. Um guia experiente contratado diretamente custará pelo menos US$ 20 por dia e um carregador cerca de US$ 10 por dia. A maioria das operadoras de turismo apresentará um preço de pacote que inclui alimentos, aluguel do equipamento, combustível, transporte de ida e volta ao rio e outras necessidades. Urgain Dorjay, um guia veterano da Chadar e organizador da expedição, dirige a Zanskar Mountain Tour and Travel. Ele pode ser contatado por e-mail (urgainkhangok@yahoo.co.in) ou pelo telefone (91) 946-9734-861.

A maioria dos itinerários conta cinco ou seis dias de caminhada em cada direção. Permita pelo menos duas semanas e meia para toda a viagem, incluindo alguns poucos dias para aclimatização com a altitude em Leh no início, e mais alguns dias se quiser passar algum tempo em Padum ou visitar os mosteiros em Zanskar.

A estação da Chadar geralmente vai do início de janeiro até março. Várias companhias aéreas oferecem voos diários de Nova Déli para Leh (US$ 75 a US$ 100 em cada direção). Mapas topográficos da região, da Ladakh Zanskar Trekking Map Series da Editions Olizane, podem ser encomendados na Stanfords (stanfords.co.uk). (Tradução de George El Khouri Andolfato)