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'Popó' leiloa cinturão mundial para ajudar população: "Estou devolvendo ao Brasil"

Neri Fung, em Niterói (RJ)

Ag. Fight

09/04/2020 08h00

A grave crise mundial provocada pela pandemia do novo coronavírus afeta, além da saúde, a economia dos países e, consequentemente, de sua população. No Brasil, a taxa de desemprego tende a subir, especialmente com o prejuízo financeiro que médias e pequenas empresas sofrerão com o impacto do fechamento de seus negócios durante a quarentena do COVID-19. Além disso, os mais de 38 milhões de brasileiros que trabalham na informalidade também sofrem na pele as dificuldades impostas por esse momento atípico. Para atenuar o impacto sobre os mais necessitados nesse período, diversas celebridades, incluindo esportistas, ao redor do planeta se mobilizam para angariar fundos visando a compra e distribuição de mantimentos básicos para essa parcela menos favorecida da população, e um dos maiores esportistas da história do país é o mais novo nome a entrar na corrente.

No último domingo (5), Acelino 'Popó' Freitas - tetracampeão mundial de boxe em duas categorias diferentes - divulgou, através de sua conta oficial no 'Instagram' (veja abaixo ou clique aqui), o leilão de um de seus cinturões para arrecadar fundos que serão destinados à compra de cestas básicas para a população carente de Salvador, na Bahia. A cinta escolhida para ser leiloada foi a de campeão mundial super-pena da Associação Mundial de Boxe (WBA), conquistada em janeiro de 2002, com triunfo sobre o cubano Joel Casamayor, em Las Vegas (EUA).

Em entrevista exclusiva à reportagem da Ag. Fight, 'Popó' revelou que, mesmo após realizar doações utilizando o dinheiro de seu próprio bolso, sentiu a necessidade de fazer algo a mais para ajudar as pessoas mais necessitadas. De origem humilde, o ex-pugilista ainda se lembra das dificuldades pelas quais passou e o quão desafiador pode ser o sentimento negativo por não ter o que comer. Por isso, o baiano decidiu abrir mão de um de seus maiores troféus para tentar amenizar a fome dos que vivem em situação de pobreza. A escolha por esse cinturão específico não foi aleatória, segundo ele, e a doação para leilão é considerada por Acelino como uma devolução ao povo brasileiro.

"Eu já passei por isso, de não ter o que comer em casa. A gente sabe mais ou menos o que é estar na pele dessas pessoas. Muita gente do mercado informal, que não tem para onde correr, não tem ao que recorrer. Essas pessoas estão sem trabalho, a pessoa que vende picolé, água, cerveja, água de coco. E também as comunidades muito carentes aqui de Salvador. Então, eu pensei: 'De que forma eu posso ajudar?'. Já fiz uma parte, tirando do meu bolso, já doei quase 300 cestas básicas, álcool em gel, álcool, verduras. A minha parte eu já fiz, mas aí eu pensei: 'O que mais eu posso fazer?'. Então, eu falei: 'Vou leiloar um cinturão meu para arrecadar mais grana e comprar mais cestas básicas'. Quando a gente está doente, a gente toma remédio e se cura, mas a fome é complicada. A gente não tem comida hoje e não sabe se vai ter amanhã. Isso me moveu muito. É um cinturão que custou muito caro para mim, em termos de saúde, em termos de garra, de determinação. Foram 45 pontos no rosto, foi uma luta de 12 rounds com o Joel Casamayor. Foi uma luta muito pesada e que tem um sabor de batalha, e eu sei que tem muita gente lutando para sobreviver. O peso de ganhá-lo é o peso do que as pessoas estão passando nessa pandemia", contou Popó, antes de completar.

"Eu não sou apegado às coisas materiais. Para você ter uma ideia, o primeiro cinturão, para mim, tem um sabor mais especial porque quando eu ganhei o primeiro cinturão da WBO foi que eu paguei a minha casa, foi quando se encerrou o jejum de 25 anos sem um título mundial (para o Brasil), foi a mudança da minha vida, da minha família, de todo mundo. E o cinturão da WBA, que é um título super importante, que existe há muitos anos, foi justamente visando esse lado da família, da guerra, da luta, do sangue para sobreviver. Isso me fez acreditar que esse seria o cinturão ideal para fazer o leilão. Esse cinturão representa a todos nós brasileiros. Na verdade, eu não estou 'dando' ele, eu estou devolvendo ao Brasil. Quando eu ganhei, eu não ganhei por mim, eu ganhei para o Brasil, eu lutei por vocês, eu voltei para casa depois da luta, não fiquei para passear. Eu voltei para comer meu feijão, eu falava do Brasil, da Bahia, falava que esse cinturão era nosso. Então, é uma coisa que eu estou devolvendo, na verdade", explicou o ex-pugilista baiano.

 

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Não é p mim, é p todos que precisam nessa fase de nossas vidas. E você, que pode me ajudar a alcançar um número maior de famílias, me ajude nessa. Esse cinturão da @wbaboxingofficial ganhei contra o cubano Joel Casamayor em 12 de jan de 2002 ?

Uma publicação compartilhada por Acelino Popó Freitas (@popofreitas) em 4 de Abr, 2020 às 10:57 PDT

Com três dias desde que iniciou o leilão com o lance mínimo inicial de R$ 20 mil, Popó conta que a pferta mais alta até o momento veio de uma pessoa de Florianópolis, no valor de R$ 45 mil. Até domingo, data marcada para o final do leilão, o baiano aguarda novas propostas pelo item, mas projeta que com a quantia atual já conseguiria comprar mais de uma tonelada de alimentos para serem distribuídos para a população carente. Apesar do otimismo quanto à boa ação, o ex-pugilista alerta para a necessidade de maior rigor por parte das autoridades governamentais quanto à proibição da circulação de pessoas nas ruas, que aumenta exponencialmente o perigo de contágio do COVID-19.

"Eu acho que as autoridades deveriam tomar decisões mais drásticas, mais firmes. Existem países onde as pessoas estão pagando 2 mil euros de multa se saírem de casa. O maior foco de proliferação da pandemia somos nós nas ruas, então eu acho que tem que conscientizar e mexer no bolso. O índice de acidentes de trânsito diminuiu depois que a gente começou a colocar os radares e mexer no bolso do povo. O mesmo para a política de tolerância zero para os que são pegos dirigindo alcoolizados, mexeu no bolso também. Eu acho que dessa forma o povo brasileiro toma mais consciência. Porque são as vidas das pessoas que estão sendo colocadas em jogo. Tem que conscientizar as pessoas que o negócio é sério, não é brincadeira. E quando isso chegar na periferia, como vai ser? Com a vida normal, o sistema público de saúde já é péssimo, imagina com uma pandemia dessa. Como a gente vai segurar a onda desse povo? Será que a gente vai ser igual a Itália, com caixões nas ruas e a famílias não podendo nem se despedir? Infelizmente, as pessoas não estão se conscientizando, não tem a dimensão do que é essa doença. As pessoas me perguntam: 'Ah Popó, como eu posso ajudar? Não tenho dinheiro'. E eu respondo: 'Quer me ajudar? Fica em casa. É a melhor ajudar que você pode me dar'", concluiu 'Popó', que também teve experiência como deputado federal.

Como boxeador profissional, Acelino 'Popó' Freitas foi campeão mundial super-pena pela Associação Mundial de Boxe (WBA) e pela Organização Mundial de Boxe (WBO), assim como duas vezes campeão mundial peso-leve pela WBO. Aposentado oficialmente desde 2017, o baiano acumulou 41 vitória, sendo 34 por nocaute, e duas derrotas em seu cartel.