Topo

O ouro olímpico não é o único pioneirismo de Maurren no esporte brasileiro

Guilherme Costa

Do UOL, em São Paulo

25/03/2014 06h00

Campeã do salto em distância nos Jogos de Pequim, em 2008, Maurren Maggi foi a primeira sul-americana na história a obter uma medalha de ouro olímpica em provas individuais. Esse não é, contudo, o único aspecto em que a brasileira se destaca no cenário nacional. No início deste ano, ela também passou a ser, entre receita e repercussão, o exemplo mais bem sucedido de crowdfunding no esporte nacional.

Maurren lançou no site “Kickante” uma campanha para arrecadar fundos e custear treinos, com meta inicial de arrecadar R$ 100 mil. O prazo do projeto termina no dia 23 de abril, e até o momento há uma receita garantida de R$ 35,2 mil.

A projeção de faturamento de Maurren com a campanha, no entanto, é bem maior. Há uma previsão de a iniciativa lucrar mais de R$ 120 mil, mas esse montante ainda depende de confirmações – a diferença inclui, por exemplo, pessoas que imprimiram boletos e ainda não pagaram ou doações que dependem de autorização da operadora de cartões.

Só que a arrecadação é apenas um dos fatores para avaliar a campanha de Maurren. O “Kickante” considera o caso um sucesso pela repercussão. Depois da campeã olímpica, o número de projetos relacionados a esporte no site cresceu 80%, incluindo modalidades como caratê, natação, basquete e atletismo.

Lançado no Brasil há quatro meses, o “Kickante” é uma plataforma de crowdfunding aberta a diferentes segmentos. No esporte, o site já havia feito uma campanha de arrecadação para Jacque Silva, que pediu R$ 6,4 mil para disputar o Mundial de surfe em 2014 e conseguiu R$ 6,8 mil.

Depois do “caso Maurren”, o número de atletas que aderiram ao crowdfunding cresceu também em outras plataformas. A dificuldade agora é repetir o êxito da campeã olímpica.

“A gente já esperava que a adesão fosse tímida no começo, mas vê com bons olhos o quanto a cultura está começando a pegar. A Maurren trouxe essa discussão”, analisou Thomaz Monteiro, sócio-fundador da plataforma “Apoie um atleta”, que foi lançada em fevereiro de 2013.

A “Apoie um atleta” foi criada depois de um dos sócios do site, Rafael Freitas, ter acompanhado in loco os Jogos Olímpicos de Londres-2012. O portal tem campanhas em andamento para Jéssica Reis (salto em distância), Gustavo Tsuboi (tênis de mesa) e para a seleção brasileira de vôlei paraolímpico.

“Os casos têm motivações diferentes. A do vôlei paraolímpico é estrutural, já que o time não tem bolas oficiais para treinar. O Tsuboi tem necessidade de uma equipe multidisciplinar para acompanhá-lo, com psicóloga, nutricionista e treinadores específicos. A Jéssica faz parte de um grupo que precisa de intercâmbio internacional e inscrições. Ela teria um salto de performance se conseguisse viajar aos Estados Unidos para treinar seis meses por lá”, comparou Monteiro. O executivo identifica ainda um quarto grupo de atleta que busca o crowdfunding: atletas que se dividem entre os treinos e outra atividade profissional.

Até o momento, o vôlei paraolímpico é o líder de arrecadação entre os projetos do “Apoie um atleta”: R$ 213, ou 1% dos R$ 10,9 mil que a iniciativa espera atingir. Jéssica Reis conseguiu R$ 162 de R$ 10,5 mil, e Gustavo Tsuboi, que está entre os 75 melhores do mundo e foi às duas últimas edições de Jogos Olímpicos, chegou a R$ 100 de R$ 10,8 mil.

“Aqui no Brasil ainda acontece algo como no semáforo: a pessoa deixa de dar dinheiro porque fica pensando no que o outro vai fazer com isso e não tem certeza. Eu peguei comentários de internet sobre a campanha da Maurren Maggi dizendo que ela é rica e que se casou com um homem rico. As pessoas deixam de colaborar com uma campanha como essa, que é muito legal, porque ficam pensando que ela não precisa”, disse Claudia Graner, ex-atleta da seleção brasileira de polo aquático e uma das fundadoras da plataforma “SalveSport”.

Lançado em maio de 2013, o site conseguiu sucesso em uma campanha para a triatleta Cintia Tobar, cuja bicicleta havia sido roubada. Ela conseguiu R$ 7,4 mil para comprar um equipamento novo. Também há casos eficazes que usam Lei de Incentivo ao Esporte.

Entretanto, a própria idealizadora do projeto admite que ainda é necessário vencer uma barreira cultural. “As pessoas olham o investimento no esporte como ajuda, e o atleta tem mania de pedir. O que a gente gostaria é de mudar isso. Não é um projeto social, e o atleta não precisa se ver na situação de pedinte”, disse Claudia.

Basicamente, o que diferencia as tradicionais “vaquinhas” de um projeto de crowdfunding é a recompensa. Nesse sentido, o que os realizadores desse tipo de iniciativa tentam mostrar é que não se trata de uma doação.

“O cantor Neil Young fez uma campanha nos Estados Unidos e arrecadou US$ 2 milhões em dois dias. Eu fiquei pensando o que seria de uma campanha dessas aqui no Brasil, mesmo se fosse com um cantor famoso. Será que as pessoas pensariam que o Roberto Carlos está mal e que está pedindo dinheiro? O americano não pensa assim. Lá eles queriam ouvir a música em primeira mão e pagaram por isso”, relatou a co-fundadora da “SalveSport”.

“É muito importante frisar que não se trata de uma doação. Para o crowdfunding funcionar é necessário haver contrapartida. Os atletas sabem, e a gente avisou a eles que o entendimento sobre isso não seria do dia para a noite”, completou Thomaz Monteiro, da “Apoie um atleta”.

Maurren, por exemplo, oferece recompensas exclusivas aos participantes da campanha. Quem contribui com R$ 250 pode assistir a um treino dela e tirar fotos com a campeã olímpica. Os doares de R$ 2,5 mil têm direito a almoçar ou jantar com a atleta.

No Brasil, as pessoas que contribuem com projetos de crowdfunding no esporte são divididas basicamente em três grupos: apaixonados pelo assunto, conhecidos dos atletas e pessoas que enxergam a seara como opção de fomento social. O primeiro grupo é o mais expressivo, e chega a responder por até 80% das contribuições.

Sites que fazem campanhas de crowdfunding costumam cobrar taxas em torno de 12% do valor arrecadado. Quase metade desse montante (5%) é destinado a empresas responsáveis por transações de cartões de crédito.

A campanha para o tratamento de Lais Souza

A ex-ginasta Lais Souza, que sofreu um acidente quando treinava para disputar os Jogos Olímpicos de inverno no esqui aerials, também serviu como mote para uma campanha de arrecadação. Doações para custear o tratamento dela são centralizadas na página “Eu apoio a Lais”.

O caso de Lais, porém, não é de crowdfunding. Não há recompensa para pessoas que contribuem com o tratamento da atleta, que ficou tetraplégica. Na página da rede social Facebook, a campanha anunciou que chegou a R$ 75 mil em doações.

“Eu fiquei sabendo que a Lais precisava de dinheiro para custear o tratamento, mas ficamos em dúvida se um apoio nosso seria bem visto. Isso podia parecer promoção. Aí pensamos que não podíamos ser egoístas a ponto de deixar de ajudar uma pessoa por causa do que isso causaria à nossa imagem. Entrei em contato com o pai dela, ofereci a nossa plataforma e sugeri não cobrar as taxas. Só que eles já tinham fechado algo com uma equipe com pegada mais social. Achei até que isso tinha mais a ver com eles”, contou Claudia Graner.