Colecionador de medalhas

Judoca Rafael Silva se apaixonou pelo próprio corpo ao transformá-lo em máquina de vitórias

JR Duran (fotos) e Talyta Vespa (texto) Colaboração especial para UOL, em São Paulo JR Duran/UOL

Rafael Silva foi o primeiro judoca brasileiro a ganhar uma medalha na categoria +100 kg em uma Olimpíada. O atleta paranaense repetiu o feito em 2016, nos Jogos Olímpicos do Rio: levou o bronze em ambas as competições. Baby, apelido carinhoso de Rafael, medalhou, ainda, em cinco campeonatos mundiais —do alto, literalmente, de seus 2,03 m de altura e 167 kg.

Baby tem 33 anos, mas, desde a infância, é o mais alto de seu círculo de amigos. Com a grandeza, veio um comportamento reprimido, de timidez e vergonha. "Eu já aparecia muito, o tempo todo, porque sempre fui grande. Então, me tornei uma criança muito tímida e retraída. De algum modo, eu queria que não me vissem", relembra.

Hoje, é um tanto diferente: Rafael chega e toma conta dos espaços, esbanja simpatia, fala com firmeza sobre diversos assuntos. A mudança, ele explica, aconteceu por causa do judô, que entrou na vida dele aos 15 anos.

Ser campeão melhorou muito a minha relação com o meu corpo. Ter bons resultados fez com que eu tivesse confiança para lutar e, então, essa relação começou a refletir na minha autoestima, na forma como vejo meu corpo. Sei que ser grande me traz vantagens competitivas, e isso me faz bem."

Rafael Silva, o Baby, dono de duas medalhas olímpicas.

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Corpo de Atleta, com JR Duran

Os Jogos Olímpicos de Tóquio, adiados pela pandemia, começam no dia 23 de julho. Durante duas semanas, você verá os melhores atletas do mundo competindo por medalhas. E nem todos esses melhores atletas do mundo têm o corpo que você imagina ser o ideal, que se vê nas capas de revista, magros e com tanquinho. O corpo perfeito de um atleta é aquele que o torna o melhor naquilo que ele faz. E pode ser alto ou baixo, longo ou curto, magro ou gordo.

Para mostrar cinco corpos perfeitos que desafiam o estereótipo que a sociedade definiu como ideal, o UOL Esporte e o fotógrafo JR Duran contam a história de cinco atletas que fogem do padrão de beleza imposto diariamente a cada um de nós. Eles compartilham como a força e o peso são, na essência, o que os transformou em campeões. É esse corpo —já tão criticado— o instrumento de resistência e vitória desses esportistas e deveria ser também o motivo de orgulho para todos que não se veem representados pelo padrão. Eles são foda porque são gordos.

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Relação profissional com o corpo

De volta à infância, o atleta traz à tona sentimentos negativos. Não havia muito afeto nem respeito pelo corpo grande que sempre o carregou. Ele explica que a relação foi se transformando a partir do momento em que o esporte deixou de ser apenas um hobby para se fincar como trabalho.

"Eu sempre fui grande para caramba. E gordo. Claro que já me incomodou, e é normal, devido a essa pressão de padrão enorme. Sempre fui fora do padrão, mas o esporte deu outra visão para esse corpo fora do padrão. Aos 14 anos, eu já tinha 1,95 m, calçava 44 e pesava mais de 100 kg; não tive muito problema de bullying graças ao esporte: ele me inseriu nos grupos, fez com que eu fosse aceito", diz.

Rafael afirma que foi o esporte que o incluiu na sociedade —sorte que nem todas as pessoas que ousam enfrentar padrões têm.

"Mesmo antes de começar a treinar judô, aos 15 anos, eu participava de atividades esportivas: ia mal no futebol, mas jogava bem basquete e handebol. Entendi desde muito cedo que o esporte era um meio de ser aceito, de estar enturmado. E, por ter mudado minha relação também com as pessoas que me cercavam, me ajudou a trabalhar a minha autoestima e a aprender a me relacionar com pessoas", conta.

Além de ter melhorado a relação estética entre Baby e o próprio corpo, o judô fez com que ele tratasse a carcaça com mais cuidado, uma vez que o alto rendimento esportivo cobra muito do atleta fisicamente. "Preciso comer bem, descansar, fazer fisioterapia. Meu corpo precisa estar muito bem para aguentar a demanda que eu coloco sobre ele. Esteticamente, confesso, já não me importa tanto. A intenção é: estou forte? Explosivo? Aguentando treinar? Bem fisicamente para competir? Então, estou lindo."

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O esporte me fez querer aparecer, gostar de ser visto. Me ajudou a me entender, a me aceitar e dar outro valor ao meu corpo, a esse tamanho todo."

Rafael Silva

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Corpo grande, saúde nos trinques

Rafael relembra que, antes do judô, a saúde não era prioridade: comia mal, dormia mal e não descansava, uma vez que esse tipo de prioridade não lhe foi ensinado quando era criança. "O esporte de alto rendimento me colocou nessa parada porque eu queria resultado e estava disposto a fazer de tudo para que ele chegasse."

Na categoria +100 kg, pela qual Baby compete, o número que aparece na balança não é o mais importante para definir a qualidade do atleta. A composição corporal, segundo ele, é o que mais bem define o rendimento. "Meu peso ideal é 165 kg, que é bastante alto, mas minha massa magra é muito alta: desse número, 145 kg são só compostos por massa magra e músculos, sem a gordura", explica.

Baby consome 6.500 kcal diárias, além da suplementação. O valor, ele explica, está relacionado à grande demanda energética dos treinos. "Quem prepara minhas refeições é minha mulher, na maior parte das vezes. As refeições, em sua maioria, são compostas por proteína e carboidrato. Já a suplementação é feita com creatina e, também, proteína."

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O avô e o karatê

O judô apareceu na vida de Rafael aos 15 anos. A primeira luta com a qual o atleta teve contato foi o karatê, ainda na infância, aos cinco anos. Quem fez a ponte entre a arte marcial e o pequeno Baby foi o avô, preocupado com as brigas que aconteciam entre crianças no bairro em que moravam, em Rolândia, no Paraná.

"Meu avô me colocou no karatê para que eu aprendesse a me defender dos garotos da rua. Só que, na verdade, o karatê me ensinou outra coisa: a não brigar. Depois de alguns anos, meu professor se mudou para a Espanha e precisei parar. Fiquei um tempo parado, até que começaram aulas de judô no mesmo espaço. Decidi experimentar e me apaixonei. Comecei treinando três vezes por semana, depois, passei a treinar todos os dias. Aos 18 anos, me mudei para São Paulo para encarar o esporte profissionalmente."

Baby deixou a família sob a condição de, além de praticar o esporte, estudar. Então, ele começou a faculdade de Educação Física. "Fiz faculdade porque tinha de fazer, mas queria, mesmo, era ser judoca. A parte mais difícil era ficar longe da minha família, não tomar café da manhã com eles. Às vezes, eu parava e pensava: 'Será que está valendo a pena?'. As coisas iam acontecendo, pessoas importantes iam morrendo, e eu continuava focado no meu sonho. Era doloroso, mas é essa a história de muitos de nós, esportistas."

JR Duran JR Duran

Triolímpico

Após o adiamento das Olimpíadas de Tóquio, no ano passado, Rafael precisou reformular a rotina de treinos. Devido à pandemia de coronavírus, o atleta começou a cuidar da parte física em casa —adaptou uma forma de fazer musculação. Mas, o treino de judô, mesmo, ficou de fora até o fim de 2020.

Rafael pretende chegar a sua terceira Olimpíada em 2021. O judoca medalhou quando estreou em Jogos Olímpicos, em 2012, e repetiu o feito em 2016. Ele relembra a expectativa para a primeira competição: "Passei o dia anterior à minha luta ansioso. Fiquei no quarto assistindo ao filme do Ayrton Senna, tentando me distrair ao máximo", afirma.

"Assim que saiu a chave do pesado, passei a estudar meus adversários —e, como sai só uma semana antes da competição, a gente já estava concentrado. Por isso, passei uma semana dormindo e acordando com as pessoas com quem eu iria lutar. A primeira Olimpíada é assustadora, mas, à medida que a gente ganha favoritismo, a ansiedade aumenta ainda mais. Existe uma expectativa sobre mim", diz.

Apesar da pressão, Baby acredita que o tempo também é favorável, assim como é o corpo. "Me orgulho do meu instrumento de trabalho, meu corpo, assim como me orgulho da minha trajetória. Essa combinação me faz querer superar meus próprios números o tempo todo. Ir para a minha terceira Olimpíada é um sonho que eu, quando criança, sequer cogitava. Me orgulho e me alegro de todas as decisões que tomei para chegar até aqui."

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