Ele tem a força

Pioneiro do strongman no Brasil, Marcos Ferrari precisou abrir mão da moda para achar roupas que lhe servissem

JR Duran (fotos) e Talyta Vespa (texto) Colaboração especial para UOL, em São Paulo JR Duran/UOL

Marcos Ferrari tem 1,75 m, pesa 122 kg e adora vestir calças jeans. Até começar a praticar o strongman, atletismo de força, o homem que se tornou pioneiro do esporte no Brasil era dançarino de country —e o estilo musical pede calças bastante justas, peças que se tornaram utópicas no novo corpo do atleta.

Dos 28 anos até os 43, Marcos precisou abrir mão da moda de que tanto gostava e o jeans deu lugar a bermudas esportivas feitas em poliéster. "Mesmo no frio ou em eventos que pedem um traje mais social, eu uso roupas esportivas. É só o que me serve. Achar roupas que caibam no meu corpo é um parto —e, quando encontro, são roupas feias. As pessoas acham que não dá para ser gordo e gostar de moda", afirma.

Marcos começou a levantar peso em 1992, aos 14 anos, e, logo, participou de campeonatos de powerlifting —um braço do strongman. Pegou gosto pela coisa, viu que levava jeito e percebeu que, para evoluir mais, precisaria mudar a estrutura corporal. Para isso, mudou a alimentação, pegou firme na suplementação e no esporte. Em dois anos, saiu dos 80 kg e chegou a 115 kg.

Apesar de todos os percalços que envolvem ser grande como eu sou em um país que parece esquecer que mais da metade da população está acima do peso, eu me sinto tranquilo com o corpo que tenho por saber que ele é consequência do meu trabalho. Eu sabia que tinha de aumentar de peso, que passaria por um processo de adaptação e que isso me ajudaria muito dentro do projeto de vida que tinha em mente. Então, quando meu corpo começou a mudar, era só a concretização de algo que eu queria".

Marcos Ferrari, pioneiro brasileiro de strongman.

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Corpo de Atleta, com JR Duran

Os Jogos Olímpicos de Tóquio, adiados pela pandemia, começam no dia 23 de julho. Durante duas semanas, você verá os melhores atletas do mundo competindo por medalhas. E nem todos esses melhores atletas do mundo tem o corpo que você imagina ser o ideal, que se vê nas capas de revista, magros e com tanquinho. O corpo perfeito de um atleta é aquele que o torna o melhor naquilo que ele faz. E pode ser alto ou baixo, longo ou curto, magro ou gordo.

Para mostrar cinco corpos perfeitos que desafiam o estereotipo que a sociedade definiu como ideal, o UOL Esporte e o fotógrafo JR Duran contam a história de cinco atletas que fogem do padrão de beleza imposto diariamente a cada um de nós. Eles compartilham como a força e o peso são, na essência, o que os transformou em campeões. É esse corpo —já tão criticado— o instrumento de resistência e vitória desses esportistas e deveria ser também o motivo de orgulho para todos que não se veem representados pelo padrão. Eles são foda porque são gordos.

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Se não tem tradição, a gente faz ter

Marcos viveu em um corpo esguio até os 28 anos, mesmo já sendo participante habitual de campeonatos de powerlifting. Entre os 14, quando começou, e os 28, momento em que decidiu que o levantamento de peso havia se tornado insuficiente, o atleta precisou abandonar o esporte para fazer faculdade de Química. "Não me formei, parei no último ano porque decidi direcionar minha vida ao esporte", conta.

"Conheci o strongman pela internet e descobri que, no Brasil, tinha muito pouca coisa sobre essa modalidade —quando tinha, era em uma pegada de show televisivo e, não esportiva. Fui pesquisando, me interessando e, junto a um amigo, comecei a produzir alguns equipamentos, ainda de forma muito grotesca, para praticar", relembra.

Em 2007, Marcos e o amigo, sem qualquer assistência, começaram a intensificar os treinos. Puxar caminhão se tornou o principal desafio —conquistado, mas sem o devido preparo. Três anos depois, a dupla se mudou para Mogi das Cruzes e criou a Confederação Brasileira de Strongman.

O atleta fez algumas viagens para os Estados Unidos com o intuito de ampliar o conhecimento a respeito do atletismo de peso. "Com esse contato, começamos a produzir equipamentos profissionais. Hoje, o esporte anda em pleno crescimento —por causa da pandemia, estagnou um pouco. Várias academias de boxe já investem em equipamentos de strongman, e me orgulho por ter sido um dos pioneiros do esporte por aqui".

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Transformação de um corpo magro

Junto à vontade de se dedicar exclusivamente ao atletismo de peso, Marcos precisou descobrir um novo corpo, que fugia do padrão magro e esguio que o acompanhou desde a infância. Para obter bons resultados, entendeu que precisava ganhar peso e fortalecer músculos.

"Cheguei rapidamente aos 115 kg. Hoje, peso 122. Em relação à autoestima, não tive problemas. Olhava para o espelho e gostava do que via. No entanto, tive que passar por adaptações grandes no que diz respeito à vida em sociedade. Comecei a perceber que eu não entrava mais nos lugares em que eu sempre entrei; não consigo mais entrar debaixo do carro para corrigir um problema no motor, por exemplo", afirma.

"Quando parava em algum estacionamento e o espaço entre meu carro e o do lado era estreito, eu não conseguia sair; morria de medo de quebrar cadeiras de plástico —já aconteceu algumas vezes; entrava no elevador e, quando já havia um tanto de gente, as pessoas me olhavam feio. A sociedade em que vivemos não sabe lidar com a presença de pessoas gordas", diz.

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Gostar de moda e ser gordo é incompatível no Brasil

Marcos comenta que, quando começou a passar por situações como as descritas acima, se sentiu bastante desconfortável. "Para comprar roupa, é outra dificuldade. Não consigo encontrar cueca —o tamanho máximo é GG, e elas me apertam. As únicas que me servem são feias, de velho. E aí, fica aquela coisa: ou compro essa mesmo ou não compro nada. Quando eu viajava para fora do Brasil, comprava um monte e trazia".

"Além de tudo, cueca é o tipo de roupa que a gente sequer pode provar. Então, vai no olhômetro. Já aconteceu muitas vezes de eu achar que servia, comprar e, quando provei, nem passava pelas coxas. É muito chato, é como se eu estivesse fora da curva, mas não estou. Ao andar na rua, olho para os lados e vejo muito poucas pessoas magras. A maior parte da população brasileira está fora do padrão. Não estamos fora da curva, é a sociedade que não se adaptou à própria realidade."

A gente não tem que mudar para estar dentro do mundo. É o mundo que tem que mudar para aceitar as mudanças que vêm com o tempo, como tem aceitado as questões de gênero. A sociedade tem que aceitar que as pessoas tenham direito de se sentir bem mesmo fora de um padrão."

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Vida de shorts e camiseta

Até os 28 anos, Marcos dançava country e era vidrado em calças jeans. Quando o corpo começou a mudar, ele não conseguiu mais manter o estilo de que tanto gostava. "Quando aumentei de peso, calças se tornaram problemas. Raramente me serviam e, quando serviam, não caíam bem. Comecei a usar só shorts, e isso me incomodou muito, porque eu não me sentia à vontade com uma roupa de que não gostava. Sempre gostei de moda", afirma.

Mesmo em eventos sociais, o atleta precisava vestir shorts e camiseta. "A gente que é atleta é pior ainda, porque o gordo, por maior que seja, é diferente. O corpo de um atleta gordo tem a barriga grande, mas também um glúteo definido, a cintura aparente e a coxa enorme. Então, quando eu tentava comprar uma calça pela coxa, ela ficava muito larga na cintura. Se eu medisse pela cintura, não passaria pela perna. Era difícil, viu?".

Apesar de todos esses percalços, eu sempre tive em mente que esse corpo é consequência de um trabalho que amo. Sempre soube que ia aumentar meu peso, que seria um processo de adaptação para que eu me desenvolvesse no projeto que tinha em mente. Quando comecei a alcançar, foi muito automático: foi uma certeza de que o strongman era o que eu queria."

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Força em diversos níveis

Devido à pandemia de coronavírus, as competições de strongman foram canceladas. A academia de Marcos, que desenvolve atletas de peso, também está fechada por ora. Nesse momento, o atleta busca novos desafios dentro do esporte —decidiu experimentar o fisiculturismo, mas sem deixar o strongman para trás.

"Sem as competições, o strongman não existe. Então, decidi fazer outra coisa paralelamente, para não ficar sem treinar. É claro que não abandonarei meu esporte, vai ser algo temporário", afirma.

Os feitos do atleta no esporte são impressionantes: ele é pentacampeão brasileiro e sul-americano de strongman; é campeão do Arnold Amador e duas vezes top 20 do mundo no ranking unificado da categoria, além de ser top 20 do Mundo Master. Marcos tem três recordes sul-americanos no currículo: de tire flip (pneu), com 1053 kg, de loglift (tronco), com 182,5kg e de deadlift (pesos), com 380 kg, e se consagrou entre os top 10 deadlifters da Strongman Champions League.

"Ainda tenho um objetivo dentro do atletismo de peso que é competir o Mundial Master. Estou com 43 anos, é algo que quero conquistar. O ano de 2020 foi muito difícil; precisei mudar minha dieta, vivi um efeito sanfona no corpo: primeiro, ganhei peso. Depois, perdi. Agora, estou reconstruindo meu corpo, fazendo musculação de novo para não deixar esse sonho morrer."

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