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Menino chora e diz que treinador de futebol foi racista: 'fecha o preto'

Hygino Vasconcellos

Colaboração para o UOL, em Chapecó (SC)

18/12/2020 21h14

O jogador do Uberlândia Academy, Luiz Eduardo Bertoldo Santiago, 11, acusou o técnico Lázaro Caiana de Oliveira, 34, de ter cometido ofensas raciais durante um campeonato na última quarta-feira (16), em Caldas Novas (GO). Em um vídeo, gravado após a partida, o menino relatou aos prantos que o profissional do time adversário ficava falando inúmeras vezes durante a partida: "fecha o preto, fecha o preto!".

Para o UOL, Oliveira negou as ofensas raciais. "Não falamos nada, quem nos xingou foi o técnico do time [Adriano Santos], que ofendeu membros da comissão técnica, me xingou de preto safado. Ele que falou que se a gente fosse em Uberlândia iria morrer. Pode ser que o menino tenha escutado outra coisa", disse o técnico.

O técnico do Uberlândia Academy negou ao UOL ameaças e xingamentos ao colega. Disse que não escutou as ofensas raciais dele para Luiz, já que ocorriam quatro partidas simultaneamente. Porém, após o jogo, Santos explicou que um grupo de pais estranhou a fisionomia triste de garoto, que contrastava com a vitória no campo.

"Um pai perguntou o que aconteceu e ele começou a soluçar, peguei meu telefone e comecei a gravar. Nós não acusamos o professor, ninguém. Ele [Luiz] apontou quem foi. Imediatamente avisamos a coordenação", salienta o treinador.

A Polícia Militar foi chamada e, no local, Oliveira negou as ofensas. Ali mesmo foi feito um boletim de ocorrência no qual consta que as "partes entraram em acordo e encerraram de maneira pacífica".

Porém, o técnico do Uberlândia disse que, no dia seguinte, a competição continuou normalmente. "Para mim isso foi o pingo d' água, a organização não fez nada. Daí eu falei: 'vamos para as redes sociais', e deu esse estardalhaço. Não quero holofotes, quero que essas situações não aconteçam novamente."

Desde ontem, a organização da Caldas Cup já divulgou três notas nas redes sociais. Na primeira, a entidade afirmou que repudia "qualquer atitude racista ou discriminatória ocorrida dentro ou fora do evento", que não pactua com isso e que "estará sempre presente para que os fatos sejam apurados pelas autoridades competentes para que a diferença de cor seja só na camisa".

Na segunda nota, a organização informou que suspendeu provisoriamente o técnico até que as denúncias sejam esclarecidas. Já na manifestação de hoje, a entidade reforça que Oliveira não faz parte da organização do Caldas Cup, mas que é membro de uma equipe participante do torneio.

"Os organizadores do Caldas Cup estão à inteira disposição das autoridades para colaborar nas investigações, e de imediato suspendeu sua participação do torneio até seja concluído o ocorrido atribuindo as responsabilidades e aplicando as penas cabíveis. Cumpre informar que não compete aos Organizadores do torneio punir o suposto Autor, mas às Autoridades Policiais e Judiciária", destacou a organização, que ainda manifestou apoio ao atleta.

Conforme o delegado regional Gustavo Carlos Ferreira, a polícia instaurou um inquérito para a apurar o caso.

"Chora toda hora", diz mãe de menino

A mãe do menino, Vanessa Cristina Bertoldo Vieira, 32, disse que ele mudou o comportamento após o incidente. "Está muito abalado, toda hora chora, cada entrevista ele chora. Ele está avoado, não é ele, que é um menino muito comunicativo. É um menino muito alegre e hoje está apagado, nem dá para reconhecer. A palavra dói mais que um tapa".

Vanessa contou que o menino joga desde os seis anos e é apaixonado pelo esporte. "Ele nunca viveu isso. Agora é tratar o psicológico dele."

Neymar e Gabriel Jesus mandam vídeos de apoio

Após o caso vir à tona, dois jogadores gravaram vídeos de apoio a Luiz: Neymar Jr e Gabriel Jesus. "Vi que passou por uma situação chata, triste. Infelizmente a gente anda passando por tipo de coisa que não cabe mais. Quero desejar força, muita luz, espero que não desista do que ama em fazer. Pega isso e transforme em força", disse Neymar.

Já Gabriel Jesus disse para ele não dar importância para o que aconteceu. "Não ligue para essas pessoas."

Por que a fala é racista?

São consideradas racistas manifestações, declarações ou comentários que atribuam aspectos raciais apenas a indivíduos negros. Isso pressupõe que pessoas brancas são a norma e todos que sejam diferentes devem ter suas características especificadas. Foi o que ocorreu quando o técnico se referiu ao menino dizendo "fecha o preto".