Poliglota e multiétnica, Suíça se uniu após "reportagem da discórdia"
Os banners em torno da mesa de entrevistas são um indicativo. Aqui, tem só uma seleção. Mas muitos idiomas.
“Só vejo vantagens! Podemos até escolher o idioma para falar entre nós dependendo do que o adversário entende. Em um escanteio em um jogo contra a Alemanha, por exemplo, nós vamos nos posicionar falando em francês ou italiano”, contou ao UOL Esporte o meio-campista Behrami, um dos líderes da seleção que enfrenta o Brasil no domingo, na estreia dos times na Copa do Mundo.
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Não é uma novidade que a Suíça seja um país de quatro línguas oficiais. O alemão, ou melhor, o suíço-alemão, é o mais falado no país. Por isso, o “#hoppschwiiz” tem o maior destaque no banner. Depois vem o “#hopsuisse”, em francês. O #forzasvizzera”, em italiano. E, pequenininho, o “#hopsvizra”, o romanche. Pouco usado, quase em extinção. Para se ter uma ideia do inusitado da situação, nenhum dos 23 jogadores convocados fala o romanche.
“Isso é parte do nosso time. No campo, às vezes você olha para o lado e pensa, 'preciso falar em italiano e alemão com esse... opa, com esse outro é em francês'. Às vezes é até mais rápido falar logo em inglês. É uma grande troca, aprendemos muito com isso”, segue Behrami.
Mas o que hoje parece algo trivial não foi sempre assim. A história da seleção suíça é marcada por divisões. Lá atrás, entre “alemães” e “franceses”.
Hoje em dia, a marca da Suíça é a diversidade. Dos 23 convocados, apenas oito são, digamos, suíços da gema.
Outros cinco são nascidos no continente africano (três camaronenses, um marfinense e um em Cabo Verde), mas dois são filhos de africanos, um tem origem espanhola-chilena e nada menos do que sete jogadores nasceram ou são descendentes da região dos Balcãs, a ex-Iugoslávia.
“No começo não era fácil, somos de origem diferente e com uma mentalidade muito diferente”, conta Behrami, nascido no Kosovo 33 anos atrás e já há 13 na seleção suíça. Não à toa, é o grande líder deste “grupo dos Balcãs”.
“Mas tudo mudou três anos atrás. Estávamos na Áustria, um jornal escreveu que estávamos rachados entre suíços e balcânicos. Tudo mudou, nós ficamos muito mais próximos, mais juntos. Eu me sinto suíço e todos aqui se sentem assim. É incrível como a gente aprende muito das diferentes personalidades, se adapta às cultura. Essa é a força do nosso time.”
“A maioria aqui nasceu na Suíça e todos querem vencer. Para suíços normais, como eu, essa diversidade não é nada especial, é parte das nossas vidas”, comentou o meia Freuler, 26, um pouco mais frio sobre o tema.
Em novembro de 2015, a Suíça já havia se garantido para a Euro-2016 e perdeu um amistoso em casa para a Eslováquia. O jornal “Schweiz am Sonntag” publicou uma enorme reportagem cravando que o vestiário estava rachado e colocando em dúvida até mesmo o esporte como ferramenta de integração nacional, em um país cheio de imigrantes de diversas origens e refugiados de guerra.
“Nossa seleção é considerada um modelo de integração. Mas é apenas fachada. A Suíça está brigando com a própria Suíça. O time não tem paixão. A seleção da Suíça está morrendo. De um lado, estão os de origem balcânica. Do outro, aqueles com sobrenomes suíços. Será que a história de o futebol ser a melhor ferramenta de integração é apenas um conto de fadas?”, questionava o jornal.
Alguns dias depois, a Suíça venceu a Áustria em Viena – a seleção austríaca estava invicta no ano e também classificada para a Euro. A Federação Suíça publicou em seu site a “foto da união”, mostrando os jogadores abraçados e rechaçando a notícia.
O chefe de imprensa da Suíça, Marco von Ah, contou ao UOL Esporte que o time ficou enfurecido pela reportagem de três anos atrás por ser “realmente uma mentira”. E que uma reunião liderada por Behrami e Lichsteiner, capitão do time e suíço-suíço de origem, resultou em uma nova etapa da seleção suíça. “No fim, a mídia sem querer nos ajudou”.
Os resultados no ano seguinte ainda não foram bons, com apenas uma vitória e eliminação nas oitavas de final da Euro. Mas, neste ciclo da Copa do Mundo-2018, a Suíça perdeu só um jogo, para Portugal – ganhou 13 e empatou outros dois.
Nesta quarta-feira, na base suíça, em Togliatti, o primeiro adversário do Brasil realizou um treinamento fechado para a imprensa.
Questionados sobre Neymar, Behrami e Freuler pontuaram que será necessário um jogo coletivo forte para que o melhor jogador brasileiro não faça estragos na estreia.
“Ele é um top 3. Esperamos que ele tenha um mau dia e, nós, um bom dia. Está sempre pensando um passo à frente. Pará-lo é uma questão coletiva. No fim, são 11 contra 11. Se jogamos bem organizados, ele terá mais dificuldade. Mas, claro é um top 3 e não tem muito como alguém pará-lo sozinho”, analisou Behrami.
“Você pode parar qualquer jogador. Ele é um dos melhores do mundo, mas, como time, se pode parar qualquer um”, falou Freuler.
Após a entrevista coletiva, quase toda realizada em suíço-alemão, com algumas perguntas em francês e outras em inglês (por parte dos jornalistas brasileiros), Behrami e Freuler voltaram a atender os outros repórteres presentes. É que ainda era necessário gravar em alemão, italiano, etc, etc, etc.
Na sexta-feira, a Suíça novamente fechará as portas de seu treinamento. Darão entrevistas Ricardo Rodríguez, filho de pai espanhol com mãe chilena. E Gélson Fernandes, nascido em Cabo Verde, um país que tem o português como idioma. Será mais um capítulo da Torre de Babel suíça.
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