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Rafael Reis

REPORTAGEM

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Por que sauditas conseguem pagar salários mais altos que gigantes europeus?

Colunistas do UOL

03/06/2023 04h00

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Ao assinar com o Al-Nassr, em janeiro, Cristiano Ronaldo passou a ser o dono do maior salário do futebol mundial. Lionel Messi, Karim Benzema e Luka Modric também têm em mãos ofertas maiores do que as pagas a qualquer atleta em atividade na Europa para se mudar para a Arábia Saudita no segundo semestre.

Não, os clubes sauditas não são (nem de longe) os de maior faturamento no planeta. Mesmo assim, no cenário atual, são capazes de bancar remunerações maiores do que times do porte de Real Madrid, Barcelona, Manchester United e mesmo Manchester City e Paris Saint-Germain.

Mas, como isso é possível? O "Blog do Rafael Reis" apresenta abaixo os motivos pelos quais as equipes do reino localizado no Oriente Médio conseguem pagar salários em um patamar tão alto que nenhum time de outra parte do planeta é capaz.

Quem banca é o estado

Ao contrário da maioria dos clubes europeus, os times da Arábia Saudita não são propriedade de uma pessoa, empresa ou fundo de investimentos. Oficialmente, eles são associações desportivas (modelo que também é predominante no Brasil), que elegem presidentes cumpridores de mandatos e que, portanto, não possuem donos específicos.

Mas, na prática, não é bem assim que eles são administrados. No fim das contas, todas as equipes pertencem ao próprio governo da Arábia Saudita, um país cujas reservas de petróleo estão avaliadas em US$ 1,4 trilhão (R$ 6,9 trilhões).

Ou seja, elas têm um potencial de investimento praticamente infinito. E a gastança é incentivada por rivalidades existentes dentro da família real saudita.

Cada time (pelo menos, os mais tradicionais e ricos) da Arábia Saudita historicamente é bancado por um integrante ou clã da realeza. Ou seja, o futebol por lá funciona à base do mecenato e é uma competição de grandeza entre primos e irmãos.

O Al-Nassr, de Cristiano Ronaldo, por exemplo, é financiado pelo próprio príncipe herdeiro do reino, Mohammed bin Salman, basicamente o dono de tudo que existe sob o solo saudita.

Não existem regras restritivas

Mas Bin Salman também é dono de um clube na Europa, o Newcastle. Além dos Magpies, Paris Saint-Germain (Qatar) e Manchester City (Abu Dhabi, nos Emirados Árabes Unidos) são outros times que pertencem a governos/estados. Então, por que nem mesmo esses europeus conseguem competir com os salários pagos no Oriente Médio?

É que, ainda que sempre receba críticas constantes por não ser tão eficiente assim, o futebol do Velho Continente possui um sistema de Fair Play Financeiro, que limita o gasto dos mecenas com as equipes que são de sua propriedade.

Pelas regras impostas pela Uefa, há um limite na injeção de dinheiro que cada clube pode receber do seu proprietário. Ou seja, para poder aumentar seus gastos, um time primeiro precisa dar um jeito de aumentar organicamente suas receitas com negociação de atletas, venda de direitos de transmissão, bilheteria, patrocinadores e outras ações de merchandising.

Na Arábia Saudita, por outro lado, não existe nenhum regulamento restritivo de gastos. Cada associação esportiva é livre para gastar o quanto quiser, tendo essa receita em sua conta corrente ou tendo de recorrer a um financiamento do seu dono.

O craque ganha muito; o elenco, nem tanto

Há ainda uma diferença filosófica na forma de se gastar dinheiro entre o futebol árabe e o europeu.

Enquanto os clubes do Velho Continente precisam se preocupar em montar os elencos mais competitivos possíveis, já que disputam as principais competições do planeta, como a Liga dos Campeões, os times sauditas só querem atrair para os seus domínios algumas estrelas consagradas internacionalmente e podem concentrar seus investimentos nelas.

Na prática, isso significa salários enormes para alguns poucos astros e rendimentos mais módicos para a maioria do elenco.

Segundo o site "Sportspayouts", o pagamento anual feito a Cristiano Ronaldo (75 milhões de euros, quase R$ 400 milhões) equivale a cerca de 80% da folha salarial do Al-Nassr -vale lembrar que o governo saudita é responsável pelo restante do faturamento do português, na casa de 200 milhões de euros (R$ 1 bilhão) a cada temporada.

Já o jogador mais bem pago em atividade na Europa, o atacante francês Kylian Mbappé, que ganha 72 milhões de euros (R$ 382,7 milhões) a cada 12 meses, representa "apenas" 32,8% do gasto do PSG com remuneração de jogadores. E ele é uma grande exceção.

O plano saudita

O governo saudita resolveu investir em nomes como Cristiano Ronaldo e Messi e tem feito de tudo para se transformar em um novo polo do futebol mundial por um motivo muito simples: deseja utilizar o esporte para melhorar sua imagem no cenário internacional.

O exemplo vem do Qatar, que investiu a rodo no Paris Saint-Germain e na organização da Copa do Mundo-2022 para tentar deixar de ser lembrado como um país que não respeita os direitos civis e ainda se utiliza de trabalho análogo à escravidão.

No caso da Arábia Saudita, a prática do "Sportswashing" está ligada ao longo histórico que conecta a nação à violação de direitos humanos (especialmente em relação às mulheres e à comunidade LGBTQIA+) e e perseguição religiosa contra a minoria cristã que habita o país.

O próprio Bin Salman, provavelmente o próximo rei saudita, foi apontado por um relatório de inteligência norte-americano como mandante da morte do jornalista Jamal Khashoggi, um ferrenho opositor do governo árabe, ocorrida em 2018.

Coincidência ou não, foi depois desse acontecimento que a nação intensificou o investimento em futebol e se lançou como candidata a receber uma Copa ao longo dos próximos 20 anos.