Topo

Tinga

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Romildo Bolzan me faz voltar a acreditar na gestão do futebol brasileiro

Tinga encontra presidente Romildo Bolzan Jr. na Arena do Grêmio - Arquivo pessoal / Tinga
Tinga encontra presidente Romildo Bolzan Jr. na Arena do Grêmio Imagem: Arquivo pessoal / Tinga

25/03/2021 04h00

Porto Alegre vai completar 250 anos em 2022. Por tanto, resolvi já me adiantar para colocar na agenda cultura da capital gaúcha projetos sociais nesta data marcante. Para alguns deles, conversei nesta semana com o presidente do Grêmio, Romildo Bolzan Júnior, com o intuito de conseguir apoio do clube — no Internacional, eu sou da casa e tenho o canal de comunicação mais aberto.

O presidente Romildo me recebeu em seu escritório na Arena. Durante cerca de uma hora de bate-papo, expus que pretendo organizar para o ano que vem, justamente na semana do aniversário da cidade onde nasci, um evento 'legends', juntado jogadores que marcaram a história da dupla Gre-Nal, pois este clássico é um patrimônio não só dos porto-alegrenses, mas de todo o povo gaúcho.

Além disto, pretendo assumir a administração de um ginásio na Restinga (zona sul de POA), que está jogado às traças e vou revitalizar com ajuda de parceiros. Tenho a intenção de colocar em prática uma escolinha de futebol para a gurizada, algo social, sem nenhum retorno financeiro. A concepção é ter quatro dias de treinos, sendo dois com estrutura de fardamento do Grêmio e os outros dois com o material esportivo do Inter para agradar os dois lados.

Sobre tudo o que apresentei, o Romildo foi extremamente receptivo e se colocou à disposição em ajudar, mesmo que não tenha trabalhado com o presidente, quando passei as duas vezes pelo Grêmio. Aliás, o fato de eu ser um dos poucos jogadores que passou duas vezes pelo Tricolor e duas vezes pelo Inter, me ajudou a conhecer muita gente aqui em Porto Alegre.

Por ter feito o gol na final contra o São Paulo, em 2006, os gremistas me cobram por eu ter equilibrado a balança, por ajudar o Inter a ter conquistado a Libertadores daquele ano. Mesmo assim, o Romildo abriu as portas da Arena para mim, fui muito bem recebido por todos. Até parece que fui funcionário dele no passado, tamanho o carinho como sou tratado.

Além disto, o mandatário tricolor me passou inúmeros conselhos e abriu os meus olhos para alguns pontos que eu não havia enxergado para colocar as minhas ideias em prática. Essa experiência dele como advogado, político e dirigente esportivo é de bater palmas.

Romildo Bolzan é parabenizado pelo ex-presidente gremista Fábio Koff após ser eleito novo mandatário do Tricolor, em 2015 - Lucas Uebel / Grêmio FBPA - Lucas Uebel / Grêmio FBPA
Romildo Bolzan é parabenizado pelo ex-presidente gremista Fábio Koff após ser eleito novo mandatário do Tricolor, em 2015
Imagem: Lucas Uebel / Grêmio FBPA

Não é por menos que está à frente do Grêmio desde 2015 e ficará no cargo até o fim de 2022. Neste período, o Tricolor cresceu ainda mais como potência no futebol brasileiro dentro e fora de campo. Além dos títulos recentes da Copa do Brasil e da Libertadores — e sempre na briga para levar as competições —, o clube tem apresentado balancetes no azul.

Em plena pandemia e num cenário de profunda crise para os clubes brasileiros, o Grêmio registrou superávit em seu balanço de 2020. Apesar da queda na redução de receitas — sem público no estádio, diminuição no programa de sócio-torcedor e redução no pagamento de direitos de transmissão, entre outros —, o clube fechou o ano com lucro de R$ 37,5 milhões. Claro, para isso é preciso ter patrimônio na prateleira, ou seja, jogadores jovens com potencial.

"Para manter hoje na pandemia todas estas situações que alcançamos, foi feito um trabalho de três meses, que começou em março do ano passado e depois foi prorrogado por mais três. Todas as ações tomadas foram no sentido de transformar a capacidade de pagamento do Grêmio naquilo que estava dentro do fluxo recebível, porque tivemos quedas de receitas e fizemos renegociações de contratos. Utilizamos todos os mecanismos governamentais que foram feitos na oportunidade. Assim, não despedimos ninguém, mantivemos todos os vínculos e repactuamos todos os contratos, acertando o parcelamento [dos salários] dos jogadores. Isso nos permitiu enfrentar tudo isso.

As receitas que se mantiveram, claro, dentro dos padrões naturais dos anos anteriores, foi fruto da venda do Everton [para o Benfica], que organizou bastante as nossas condições. De uma maneira muito controlada, observando sempre as questões de orçamento, organizamos uma situação que nos permitiu chegar neste patamar, fazendo as nossas evoluções com segurança e equilíbrio, conseguindo um pequeno superávit", disse o Romildo em nossa conversa na Arena.

Este foi o quinto ano consecutivo que o Grêmio fechou as suas contas no azul, somando um total de R$ 160 milhões. Para se ter uma noção do feito alcançado neste cenário de crise, em 2019, o Tricolor havia obtido superávit de R$ 22 milhões, R$ 32 milhões a menos do que o registrado em 2018, que foi o recorde do Tricolor.

Isto tudo é fruto do controle das contas que foram implementadas pela gestão de Romildo Bolzan Júnior. Independentemente de clubismo, fico feliz em ver um dirigente tão competente.

Em um passado não tão distante, o Grêmio passou por graves problemas financeiros, e eu fui uma das vítimas disto. Ao fim da temporada de 2003, tive que ir à Justiça para deixar o Olímpico. Tinha o receio de ser alvo da ira dos torcedores gremistas, pois dois anos antes o Ronaldinho Gaúcho havia se desligado do time depois de um longo imbróglio judicial, que chegou à Fifa.

Também temia ser hostilizado pelas ruas de Porto Alegre, mas a situação à época já era insustentável, pois não recebia salários há seis meses, somado ao fato que o Grêmio não depositava a quantia do meu FGTS há 21 meses. Então, fui ao presidente Flávio Obino e mostrei que havia recebido uma oferta do Dínamo de Kiev (Ucrânia) e que abriria mão de todos os atrasados se fosse liberado.

Obino recusou de imediato, lógico, porque o meu passe não era 100% do Grêmio — 25% dos meus direitos pertenciam ao Renato Gaúcho à época por causa de uma dívida antiga do clube com o ex-atacante a agora treinador (mas esta é uma história que deixou para contar com mais detalhes em outra oportunidade). Foi então que entrei na Justiça e, logo na primeira audiência, a juíza da 9ª Vara da Justiça do Trabalho de Porto Alegre rompeu o meu vínculo empregatício a acertei a minha ida ao Sporting, de Portugal.

Sempre tive um respeito e gratidão muito grande pelo Grêmio, porque onde iniciei a minha carreira. Por isso fico feliz em ver como o Romildo Bolzan Júnior conseguiu reorganizar o clube. Essa admiração é ainda maior porque, quando me aposentei dos gramados, entrei nesta área de gestão e procuro analisar e me inspirar nestes dirigentes que englobam esta visão corporativa e desportiva, trabalhando a saúde financeira e os resultados em campo ao mesmo tempo.

Romildo Bolzan, presidente do Grêmio, posa para foto com Renato Gaúcho após renovação do contrato do treinador - Divulgação / Grêmio FBPA - Divulgação / Grêmio FBPA
Bolzan ao lado de Renato Gaúcho após renovação do contrato do treinador
Imagem: Divulgação / Grêmio FBPA

Além das finanças em dia, o Grêmio tem brigado por títulos nas últimas temporadas. Não à toa participa da sexta edição seguida da Copa Libertadores. Isso tem a mão do dirigente, pois no Brasil cobramos a continuidade do trabalho dos treinadores, algo que só é possível se houver um comando forte e resistente, acompanhado pelo seu colegiado de gestão.

"Um projeto de equilíbrio financeiro tem que ser estruturado, planejado, organizado, pensando, definido, decidido e, principalmente, executado com muita disciplina. Foi o que o Grêmio fez em 2015 ao priorizar três situações importantes: a formação, a competitividade e a estabilidade financeira. As medidas que foram tomadas sempre tinham esta preocupação final, a busca pelo resultado. Esta busca se deu com a diminuição do plantel, a formação e com jogadores que tinha perspectiva de trazer resultado.

Formamos um grupo vitorioso, que chegou a ser campeão da Libertadores (2017). Organizamos a partir dali toda uma governança compartilhada, coletiva e que decidiu em conjunto a vida do clube", me resumiu o presidente gremista.

Acredito que muitos técnicos invejam/admiram a situação do Renato Gaúcho, que está à frente do Grêmio desde setembro de 2016 e renovou recentemente o seu vínculo até dezembro. Serão cinco anos no cargo, algo impensável no futebol nacional. Lógico, os resultados em campo também precisam acompanhar, e isto está sendo alcançado.

Já presenciei os momentos de dúvida e turbulência que o Renato passou nestes últimos anos no lado azul do Rio Grande do Sul, sofrendo pressão da torcida e recebendo sucessivas críticas da imprensa. E reforço que, quem consegue sobreviver à mídia do Sul, trabalha em qualquer outro lugar do Brasil. O Romildo Bolzan foi bem sensato nestas oportunidades de crise, conseguiu resistir e colocou ordem na casa, sem cair no embalo dos torcedores e dos jornalistas.

Neste ambiente de paz, o Grêmio consegue performar, revelar jogadores e ainda lucrar ao negociar jovens talentos, sem grande impacto no rendimento do time em campo. Tanto que esta fábrica de talentos gremista rendeu mais de R$ 750 milhões aos cofres do Tricolor nos últimos cinco anos, apenas com a venda dos direitos federativos de talentos como Artur, Everton Cebolinha, Luan e Pepê.

Conheço muitas pessoas no meio do futebol, por isso acredito que se o Romildo Bolzan Júnior estivesse à frente da Confederação Brasileira de Futebol estaríamos muito bem servidos pelo seu olhar macro ao futebol, com resultados, administração e finanças. Olha, não estou fazendo críticas ao trabalho do Rogério Caboclo no comando da CBF, só enaltecendo o mandatário gremista.

*Com colaboração de Augusto Zaupa