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Astro do ciclismo explica como voltou ao topo do esporte após depressão

Mark Cavendish - Stephane Mahe/Reuters
Mark Cavendish Imagem: Stephane Mahe/Reuters

06/03/2022 04h00

Mark Cavendish começou 2021 sem saber se teria equipe para continuar no ciclismo, depois de enfrentar uma doença rara, sofrer com depressão, e ser dado como acabado por colegas e equipes. Um ano depois, com o currículo reforçado pelo título de maior vencedor de etapas da Volta da França na história, ele é de novo um dos grandes do esporte, e forte concorrente ao prêmio de "Retorno do Ano" no Prêmio Laureus.

"Eu fui de ser o melhor do mundo, para sendo um dos piores, da noite para o dia, da noite para o dia. E tive que lutar, enquanto mais e mais pessoas me rejeitavam, para então me tornar o melhor novamente. Isso faz tudo valer a pena", diz o ciclista, que no ano passado venceu três etapas na França, chegando a 34 triunfos na principal prova do ciclismo mundial. Aos 36 anos, ele foi terceiro na classificação geral e venceu a classificação por pontos.

Nascido na Ilha de Man, um país insular entre a Inglaterra e a Irlanda, e que no esporte compete como parte da Gã-Bretanha, Cavendish construiu uma carreira vitoriosa em duas modalidades diferentes do ciclismo. Foi campeão mundial no ciclismo de pista em 2005 e 2008, e depois no ciclismo de estrada em 2011. Somando as Voltas da França, Itália e Espanha, as três mais importantes do mundo, só outros dois atletas venceram mais etapas. Em 2016, de volta aos velódromos, foi prata no Rio.

O rumo da sua vida, porém, começou a mudar quando, em abril de 2017, ele foi diagnosticado com o vírus Epstein-Barr. A maioria das pessoas é infectada por esse vírus ao menos uma vez na vida, sem nenhuma consequência relevante, mas Cavendish vinha reclamando de muita fadiga. Os médicos de sua então equipe, a Team Dimension Data, demoraram a chegar ao diagnóstico.

Por quase dois anos, sofreu com cansaço extremo, fraqueza e dores musculares. Como parte do tratamento, precisava descansar, o que não combinava com sua rotina de atleta profissional de ciclismo. "Fui mal diagnosticado, e medicamente mal tratado por pessoas em quem confiei, da equipe antiga. Isso praticamente apagou tudo o que fisicamente eu havia trabalhado. Junto disso vieram os problemas de saúde mental", reconheceu Cavendish em entrevista coletiva online promovida pelo Laureus.

Ele demorou a admitir que, abalado psicologicamente pela impossibilidade física de entregar o seu melhor em sua profissão, estava com depressão. "Eu sei que ainda há um estigma em torno disso, eu sei que não é levado a sério. Se eu não levei a sério, sei que muito mais pessoas não levam a sério. Eu não achava que fosse uma coisa real", admite.

"Como esportista, é seu trabalho lidar com a pressão. Mas há uma diferença entre pressão e expectativa, porque a expectativa está fora de seu controle. Isso é algo que é colocado sobre você. E para mim isso foi a coisa mais difícil de lidar, e o que eu mais tive que aprender: a desapegar das coisas que eu não podia controlar."

Ainda lidando com os sintomas do vírus Epstein-Barr e sofrendo de depressão, o que ele só tornaria público depois, Cavendish teve duas temporadas ruins em 2018 e 2019, a ponto de não ser escalado para disputar a Volta da França, algo que não acontecia há 12 anos. Magoado, trocou de equipe, assinando com o time da McLaren. Em uma temporada atípica, duramente afetada pela pandemia, novamente não foi à Volta da França, porque não estava apto fisicamente para uma grande volta.

E aí veio o recomeço. Para a temporada 2021, Cavendish assinou com a Deceuninck-Quick Step para ganhar o salário mínimo de uma equipe do que pode ser considerada a primeira divisão do World Tour. Coadjuvante do time, foi escalado para provas bem menos nobres, como a Volta da Turquia.

Por conta da lesão de um companheiro, acabou escalado para a Volta da França, e como principal sprinter da equipe — o que significa, a grosso modo, que seus colegas trabalharam para que ele chegue ao final de cada etapa, e da prova como um todo, em condições de ser o vencedor. E deu certo: ele venceu três etapas e chegou a 34 vitórias na carreira.

"Um recorde nunca foi realmente um alvo para mim. Eu só quero ganhar o que puder e fico feliz por vencer 34 etapas da Volta da França. Eu sei quão difícil é vencer uma. Acho que sou a pessoa mais qualificada no momento para dizer quão difícil é vencer uma. Se eu puder ganhar mais 50 na minha carreira, vou tentar ganhar mais 50 na minha carreira", diz o ciclista, que por enquanto não tem planos de parar.

Cavendish concorre ao prêmio de "retorno do ano" ("comeback of the year", em inglês) contra Simone Biles, Sky Brown, Tom Delay, Marc Marquez e Annemiek van Vleuten.