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Eliana Alves Cruz

OPINIÃO

Texto em que o autor apresenta e defende suas ideias e opiniões, a partir da interpretação de fatos e dados.

Povos originários, por quem os sinos dobram e futebol

Indígena yanomami veste máscara de proteção em Alto Alegre (RR) - Joédson Alves/EDE
Indígena yanomami veste máscara de proteção em Alto Alegre (RR) Imagem: Joédson Alves/EDE

13/05/2021 17h54

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"Tudo que move é sagrado
E remove as montanhas
Com todo o cuidado
Meu amor...
Amor de Índio - Beto Guedes

Engolfados pelas eternas notícias relacionadas à pandemia que nos assola e ao governo que nos esfola, não temos olhos para o desamor que nos desola, mas a imagem daquela criança yanomami desnutrida e acometida de tantas doenças não saiu da minha mente por dias, como uma assombração de passado do Brasil e de um futuro que se anuncia tão ou mais duro que ele, visto que no presente seguimos com a lógica do extermínio entranhada no peito e na mente desta natação.

Para quem não acompanhou, um missionário de nome Carlo Zacquini divulgou a imagem de uma menina esquálida, costelas à mostra e envolta numa rede. Segundo ele, o envio da foto data do último dia 17 de abril e vem da comunidade Maimasi, situada numa região de difícil acesso da Floresta Amazônica, em Roraima.

A menininha da imagem tem cerca de sete anos e foi diagnosticada com malária, anemia, pneumonia e desnutrição. A estes males que atingem não apenas àquela menina, mas a todo um povo deixado para morrer pelo seu próprio país, soma-se o fantasma do terrível vírus da Covid-19. Um cenário dos horrores para um país que tem o princípio ativo de tantos medicamentos com patentes internacionais ali mesmo, no "quintal" dos yanomamis.

A imagem que faz os olhos dos que possuem alguma entranha encherem-se de água, contrasta não apenas com a pujança desta nação, visto que o Brasil não é um país pobre, mas uma nação brutalmente desigual e concentradora de renda. A foto da pequena yanomami contrasta com a ideia de vida saudável e longe dos artificialismos da chamada "civilização" e, neste ano olímpico, a imagem de uma aldeia indígena também faz lembrar os Jogos dos Povos Indígenas.

Criados em 1996, muitas das modalidades que faziam parte dos Jogos dos Povos Indígenas não por acaso estão nos Jogos Olímpicos, como canoagem, arco e flecha, arremesso de lança, atletismo, natação em águas abertas. São atividades humanas inventadas, iniciadas por povos originários do planeta inteiro. Os Jogos também tinham futebol como o praticado no mundo todo e, obviamente, está difundido também entre os povos indígenas. Por que não? No entanto, o mais fascinante nesta competição são as provas típicas de determinado povo, que entravam no evento como demonstração. Entre estas, uma chama a atenção: Xikunahity. Pronuncia-se Zikunariti, na linguagem dos Paresi, e Hiara na língua dos Enawenê Nawê. Este esporte é uma espécie de...futebol! Só que apenas jogado com a cabeça.

Quando vi imagens do Xikunahity pela primeira vez, lembrei que vi um jogo muito semelhante numa apresentação no México, sobre os hábitos dos Maias que construíram a impressionante pirâmide de Chichén Itzá, uma das sete maravilhas do mundo. A conclusão é um clichê, mas não escapamos dela: O mundo é um só. Estamos interligados. As raízes que nos formaram estão fincadas no mesmo solo planetário. A menina yanomami é minha filha e minha irmã. Os milhões de mortos pela Covid 19 são todos parentes.

É como diz o poema de John Donne: "Nenhum homem é uma ilha, completa em si mesma; todo homem é um pedaço do continente, uma parte da terra firme. (...) A morte de qualquer homem diminui a mim, porque na humanidade me encontro envolvido; por isso, nunca mandes perguntar por quem os sinos dobram; eles dobram por ti".