Boxeador campeão foi preso como ilegal, mas não tem país para ser deportado
A origem de Kelvin Bilal Fawaz passa por mais de um país. Ele nasceu na Nigéria, filho de mãe do Benin e pai libanês. Aos 14 anos, ele chegou à Inglaterra e foi encontrar no boxe uma alternativa para superar as desventuras que a vida já havia proporcionado. Virou um lutador de elite na cena amadora, campeão nacional entre os pesos-médios. Só que agora, com 29 anos, virou um apátrida – alguém sem nacionalidade oficial.
Clandestino na Inglaterra, Fawaz pode ser deportado, mas a Nigéria não quer recebê-lo por não reconhecer a cidadania. "Apátrida é a pessoa que não tem um lar. Estou aqui [na Inglaterra] há 15 anos. Deveria ser o suficiente para ser reconhecida como a minha casa", desabafou Fawaz ao jornal britânico "The Telegraph".
A falta de autorização legal para ficar no país já lhe tirou a oportunidade de se profissionalizar. Em 2012, quando se sagrou campeão inglês entre os médios-ligeiros, o promotor Frank Warren, que gerenciou a carreira de talentos do boxe britânico como Amin Khan, "Prince" Naseem Hamed, Joe Calzaghe e Ricky Hatton, ofereceu 240 mil libras esterlinas (cerca de R$ 1 milhão na cotação atual) por três anos de contrato, mas Fawaz não conseguiu permissão para trabalhar.
A clandestinidade também lhe fechou portas para brigar por medalhas em campeonatos mundiais e Olimpíada. Antes de ser preso, Fawaz foi convidado para participar de um período de treinamento com a equipe olímpica do Reino Unido, como preparação para os Jogos de Tóquio, em 2020, mas foi dispensado quando a comissão técnica solicitou que ele mostrasse o passaporte para agilizar burocracias.
O Ministério do Interior alega que a ficha criminal de Fawaz inviabiliza a liberação de cidadania britânica, pois conta delitos por posse de maconha e por dirigir sem habilitação. "Cometi pequenas infrações. Eu não tinha permissão para trabalhar ou fazer nada. Não tinha nada. Tentei cursar faculdade, mas não tinha condições de bancá-la", confessou o lutador.
O impasse com as autoridades britânicas ficou maior quando o governo nigeriano negou três pedidos de deportação, sob a alegação de que Fawaz nasceu no país, mas não é considerado cidadão por ser filho de imigrantes que também entraram ilegalmente. Morando de favor na casa de um de seus técnicos, em Londres, ele aguarda para saber se voltará a ter uma pátria para se orgulhar.
"Ele era um escravo"
A vida nunca foi muito generosa com Kelvin Bilal Fawaz. A mãe foi assassinada quando ele tinha 6 anos. A ida à Inglaterra, aos 14, surgiu da promessa de uma família que o ajudaria a achar o pai, mas o reencontro jamais aconteceu. Ele diz ter ficado na casa dessas pessoas sendo forçado a realizar serviços domésticos.
"Ele era um escravo", acusou Aamir Ali, técnico de Fawaz na Stonebridge Boxing Clube, em Londres, em entrevista à BBC. "Eu cozinhava, limpava e lavava. Se fizesse algo errado, eu apanhava e era torturado. Fui espancado de uma maneira que as crianças nunca deveriam ser", contou o boxeador, que fugiu da casa após dois meses de cárcere e pediu abrigo a assistentes sociais.
Com tendências agressivas e cercado de amizades perigosas na adolescência, Fawaz adquiriu uma nova disciplina com a ajuda do boxe. No início, ajudava na limpeza da academia e dormia no próprio local de treinamento até passar a ganhar destaque nos ringues.
Agora, quando deveria estar em situação mais confortável e até competindo profissionalmente, Fawaz não faz ideia de qual será o futuro de sua carreira - e de sua vida - depois de 11 anos de tentativas frustradas para ser reconhecido como um cidadão inglês.
"Eles sabotaram o meu casamento e o meu sonho olímpico. Estou com depressão. Arruinaram a minha vida. Não tenho para onde ir. Eu estava lutando pela Inglaterra e me sentia orgulhoso de representar a equipe, me sentia parte de algo. Por terem virado as costas para mim após literalmente sangrar por eles no ringue, eu me sinto abandonado de novo", desabafou.
Como última cartada, amigos e treinadores de Fawaz organizaram um abaixo-assinado pedindo para que o Ministério do Interior leve em consideração o quadro depressivo do lutador e reconsidere a decisão de deportá-lo, ainda que ele não tenha um destino definido. O grupo reuniu 12 mil assinaturas em menos de um mês. A jornais ingleses, porta-vozes do governo disseram "não ter ideia" de uma solução para o impasse.
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